Um Código e suas dúvidas

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Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil
Senador Otto Alencar é o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado

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Sessenta anos de idas e vindas, avanços e retrocessos da legislação eleitoral, sempre ao sabor dos momentos e das circunstâncias, destinaram ao Brasil vasto painel de inseguranças nesse campo. Não houve, nesse longo período, um único processo eleitoral que se operasse sem mudanças aplicadas ao pleito anterior. O que autoriza observar que temos a singularidade de definir representações incapazes de sobreviver incólumes às urnas subsequentes.

Nada disso constitui novidade. Mas a lembrança faz sentido, porque amanhã, se tardanças não houver, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado começa a dar tratamento ao projeto do novo Código Eleitoral; na verdade, antes de tudo, uma proposta de condensação de legislações anteriores e, no que couber, a tentativa de algumas inovações de discutível fundamentação, como a pretendida garantia de 20% das cadeiras legislativas às mulheres, negros e índios, o que, se aprovado, causará danos ao verdadeiro sentido da representação política, que é nacional, democrática, não classista, não étnica, muito menos a serviço de gêneros. Seria antecipar, garantir e premiar cadeiras sem a legítima competitividade. Pior ainda é a proposta de um atentado escandaloso à aritmética das urnas, contando-se em dobro os votos femininos! Parece brincadeira.

(Temos incorrido em um grave equívoco, quando surge a pretensa intenção de defender minorias. Pois é exatamente ao desejar promovê-las que elas são excluídas. No caso do processo eleitoral, negros, mulheres e índios ficariam isolados em um quinto das cadeiras, embora, à primeira vista, possa parecer prestigiados. É o mesmo que se dá com outras cotas, que, no fundo, discriminam e diferenciam).

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) conhece bem a matéria, sabe onde e como avançar. Deve sentir que a preocupação com favorecimentos, ajustados a interesses, não é algo que faz bem à saúde da democracia, que, entre nós, já tem suficientes crises de raquitismo. Devia, ele próprio, sugerir a remoção dos artigos não cabíveis, o que facilitaria, como é seu desejo, ver aprovado o Código até outubro, de forma que possa viger já no pleito de 2026.

Outra observação, invocando sensatez, é a inoportuna proposta de ampliação do mandato de senador para dez anos. A tradicional duração de oito anos revela-se adequada. Ampliá-la seria um afago a quem já tem tempo bastante para mostrar a que veio.

Pena. Ainda não será desta vez que avançaremos para o fim do instituto da reeleição, já consensual que seus males estão muito acima de eventuais e pálidas virtudes. Trata-se de matéria a requerer emenda constitucional. Mas nada que impedisse seu encaminhamento já agora, pois a extinção só seria prejudicial a quem fosse eleito em 2030.

Conversa em viagem longa

Nada estranha, mas insinuante, a decisão de Lula de incluir na comitiva que o acompanhou em recente viagem ao Japão, a participação dos novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados; não só eles, como também Rodrigo Pacheco e Artur Lira, que os antecederam no comando do Congresso. Bastaria, sob o protocolo, chamar os atuais, mas certamente quer mostrar, com a gentileza, a convivência que vem sendo perseguida, sem deixar de revelar expectativa de melhores relações entre os poderes, objetivo mais desejável do que nunca, a partir da sucessão que acaba de ocorrer no comando das casas legislativas. Um clima de entrosamento, bem conversado, existindo e persistindo, pode levar a facilitar a caminhada do governo onde as maiorias têm sido custosamente obtidas. Evidente, para justificar o interesse, muita gente dos poderes Executivo e Legislativo, sem exclusão dos viajantes, vem cuidando do ano eleitoral, que vai chegar.

Se estamos em tempos de bons grados, estima-se que as confidências nessa esticada ao país do Sol Nascente serviram para estreitar os ânimos. Se assim, é preciso aproveitar a hora adequada para se passar em revista, além de questões político-partidárias, o entulho de proposituras superadas ou inadequadas que entravam a produção e a comercialização. Uma preocupação que, há dias, foi indiretamente citada pelo ministro Alckimin num encontro com sindicalistas, quando clamou por um Brasil recauchutado, capaz de acelerar. No âmbito legislativo há muito o que fazer quanto a leis envelhecidas e projetos estrábicos. Seria melhor esquecê-los.

Entre os instrumentos superados, mesmo que não seja para extirpá-los de vez e na totalidade, avulta a chamada Lei Kandir, que em 2026 estará comemorando 30 anos de vida. Foi a que estabeleceu proibição de cobrança de imposto sobre exportação de minério, outros itens primários e semiacabados. No último balanço negativo para estados exportadores, principalmente Minas e Pará, o prejuízo andava na casa dos R$ 160 bi.

Ao lado da reforma tributária, cuja aplicação engatinha, há peças legislativas que inibem, quando mesmo não sufocam a capacidade de produção, estimulando a concorrência externa. Nem precisamos ir longe, para lembrar que nossa carga tributária continua espantando, agredindo e expulsando o empreendedor. Em poucos anos, transferiram-se para o Paraguai 229 empresas brasileiras, a mais recente das quais a Lupo, que produz 70 milhões de meias.

Costuma-se dizer, os deputados também dizem, que o pecado é do Executivo, mas a primeira perversidade cabe aos que fazem as leis, ou, fazendo-as, erram nas intenções ou na má previsão dos resultados.