Reinvenção da maioria
Tal como em outras eleições, cá estamos numa campanha em que a disputa presidencial domina completamente a cena, deixando em segundo plano a eleição de deputados e senadores. Quanto mais forte a polarização, menos atenção dos eleitores sobra para a eleição parlamentar, o que se junta a outros fatores para reforçar previsões pouco animadoras: a renovação do Congresso deve ser baixa, as bancadas conservadoras devem se fortalecer e a dispersão dos votos entre os partidos será grande, aumentando o desafio do futuro presidente, de governador sem maioria.
Os próprios candidatos a presidente, focados na briga por uma vaga no segundo turno, não se ocupam da eleição parlamentar. Não se dão ao trabalho de dizer aos eleitores que, tão importante quanto eleger o presidente, é votar em parlamentares do mesmo partido ou coligação, que lhe garantam maioria no Congresso para aprovar projetos relacionados com as promessas de campanha.
A pesquisa Ibope divulgada ontem apontou fortemente para um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Mas seja quem for o eleito em 28 de outubro, já sabemos que ele não terá maioria no Congresso para governar. E agora há um desafio novo. Depois que a Lava Jato mostrou como foram formadas as maiorias, nos governos do PT e antes deles, não será mais possível comprar a governabilidade com ministérios, diretorias de estatais e emendas parlamentares. O PT não inventou o modelo mas errou ao entrar de cabeça no jogo do fisiologismo que resultou no petrolão e outros casos de corrupção. Agora, será preciso inventar nova fórmula para governabilidade, através de composições programáticas autênticas, de coalizões negociadas em cima do programa vencedor da disputa presidencial. Para o futuro, será mexer nas regras eleitorais para que elas facilitem a construção da governabilidade, já que a redução do número de partidos só virá a médio prazo, com a vigência da cláusula de barreira gradual.
Neste sentido, o mais importante seria a mudança da data da eleição do Congresso, de modo que ela coincida com o segundo turno ou ocorra depois dele, e não no mesmo dia do primeiro turno, como hoje. Na rodada final os partidos já estarão alinhados com um candidato ou com outro, salvo algum que prefira ficar no muro. Ao pedir votos aos eleitores, ambos apelarão para que também elejam congressistas de sua coligação. Vale dizer, que lhes garantam também a maioria para aprovar as medidas prometidas.
Exemplo da virtude da descoincidência foi o da França, no ano passado. Emmanuel Macron foi eleito em maio, por um pequeno partido, derrotando a ultradireitista Marine Le Pen. A eleição parlamentar aconteceu em junho e Macron, já eleito presidente, foi à luta e obteve a maioria parlamentar. Aqui, entretanto, os eleitores votarão “no escuro” para o Congresso, sem saber quem será o presidente, sem ter a chance de alinhar seu voto para deputado ou senador com sua escolha presidencial. Eis uma reforma simples e necessária, que precisa entrar na agenda de uma reforma política.
Polarização final
Em 12 dias muita água eleitoral pode rolar mas, se outras pesquisas confirmarem o Ibope de ontem, a disputa final dificilmente deixará de ser entre Bolsonaro (28%) e Fernando Haddad (22%). Não se confirmou um empate técnico mas o PT festejou mesmo foi o fato de seu candidato derrotar o adversário por 43% a 37% na simulação de segundo turno. Bolsonaro já perde para Haddad fora da margem de erro. Aliás, Bolsonaro perde para todos, só empatando com Marina.
Pulgas soltas
Embora a PF venha dizendo que Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho ao esfaquear Bolsonaro, não teve cúmplices nem recebeu depósitos suspeitos em sua conta, a autorização para que ele conceda duas entrevistas na quinta-feira, 27, espalha pulgas na campanha de Haddad. O resultado das investigações também pode ser divulgado na véspera da eleição.