Venezuelizar ao contrário

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O risco Bolsonaro para a democracia não se dissolveu porque ele disse, na entrevista ao Jornal Nacional, que será escravo da Constituição. Ele decorre de sua natureza, essencialmente autoritária. Não vejo o PT e a campanha de Fernando Haddad – que precisam conquistar mais de um milhão de votos por dia para virar o jogo – formulando um discurso consistente contra o antipetismo, nem colocando a ênfase necessária na defesa da democracia. Um dos mantras do antipetismo é o de que Haddad fará do Brasil uma Venezuela, mergulhando o país no caos. Nesta hora da verdade, é preciso dizer: Bolsonaro representa um risco real de venezuelização do país, mas com sinal trocado, implantando um regime de direita, com culto à personalidade e apoio dos quartéis.

Nos 13 anos em que governou o Brasil, o PT não tentou implantar aqui a “revolução bolivariana”. Por que Haddad, se eleito, não tendo a força de Lula, e chefiando um governo forçosamente mais conciliador, iria fazer isso? Enquanto governou, o PT manteve relações amistosas com o regime venezuelano, mas procurou sempre contribuir para a preservação da democracia no país vizinho. Foi o que fizeram Lula e Celso Amorim com a criação do grupo de países amigos da Venezuela.

Esta grave acusação, repetida milhares de vezes por dia, precisa ser respondida, como tantas outras que alimentam o antipetismo. Milhões de eleitores acreditam, como também acham que Lula é milionário, que a esquerda quer acabar com a família, tal qual a conhecemos, que vão distribuir kits gay nas escolas e induzir as crianças à homossexualidade, e que no futuro todas as religiões serão proibidas. Ontem mesmo li tudo isso num texto distribuído em redes pelos bolsonaristas, encerrado pelo lema dele: “Deus, Pátria e Família”.

Durante a campanha, o candidato Geraldo Alckmin lembrou os elogios que Bolsonaro fez, no passado, ao coronel e, na época, futuro presidente da Venezuela Hugo Chávez. Hoje ele abomina Maduro, mas continua sendo o verdadeiro candidato a implantar no Brasil um regime parecido, chefiado por um civil tão cultuado pelos seguidores, que o chamam de mito, como era Chávez. Um governo aparelhado pelos militares, a começar pela vice-presidência, à prova de insurgências civis. No discurso que fez na CNI, em agosto, Bolsonaro afirmou que colocará generais em muitos ministérios: “Qual o problema? Os anteriores botavam terroristas e corruptos e ninguém falava nada”. Na Venezuela, o que segura o governo de Maduro é o apoio dos militares, que o regime valoriza e seduz, inclusive com altos salários.

A quase vitória de Bolsonaro no domingo liberou os fluidos fascistas que correm na sociedade. Em Salvador, bolsonaristas mataram um capoeirista porque ele declarou voto em Haddad. Lá, até um cachorro que latia muito contra uma carreata levou tiros. Dizem que no Rio as milícias ganharam nova desenvoltura. Um garoto foi espancado no Piaui só porque usava camiseta vermelha. O material que circula nas redes bolsonaristas é de arrepiar. Um jogo eletrônico estimula o espancamento e atropelamento de ativistas de esquerda. Sinais, fortes sinais, como dizia o Eymael.

Não haverá segundo turno mais civilizado. Haddad não crescerá sem uma resposta forte ao antipetismo e sem insistir no risco à democracia.

A primeira guerra

Está claro que quem ganhar no dia 28 vai penar em busca da sustentação parlamentar, e a primeira batalha deste tempo difícil já tem data e motivo: a disputa pela presidência da Câmara, em fevereiro.

O PT elegeu a maior bancada (56 deputados) e isso lhe dá direito ao cargo, pelo regimento. Mas a segunda maior (52) é a do PSL de Bolsonaro, onde o eleito Kim Kataguiri já se lançou ao posto, do alto de sua inexperiência. Com Bolsonaro vencedor ou não, sua turma vai brigar pelo posto. A oposição fechará com o PT para não entregá-lo. Será uma guerra. No Senado, o MDB conservou o direito ao cargo, e com a não-reeleição de Eunício Oliveira, o candidato natural é Renan Calheiros, aliado do PT.