Jogo arriscado

Por

Na montagem do ministério, Jair Bolsonaro assusta, embora não surpreenda, com escolhas que refletem a ambígua personalidade que assumiu ao se tornar candidato: ultraliberal na economia, conservador e fundamentalista na questão moral e de costumes. É coerente quando empodera Paulo Guedes e escolhe um chanceler e um ministro da Educação de conservantismo estridente. É coerente também com o que diziam suas camisetas de campanha: “meu partido é o Brasil”. Vem ignorando os partidos e jogando com as bancadas temáticas. Mas esta é uma coerência perigosa, que faz de sua futura relação com o Congresso uma incógnita. Ou ele tem um plano B desconhecido, ou pode se estrepar.

Elegeu-se como candidato antissistema, contra tudo o que está aí, prometendo acabar com a troca de apoio por cargos no governo, o famoso toma-lá-dá-cá. Mas eleição não é revolução. Terá que governar, ou espera-se que governe, sob as regras do sistema político. E o sistema representativo funciona é com partidos, não com as bancadas temáticas, como a evangélica, a ruralista e a da segurança, dita da bala. Os parlamentares evangélicos acabam de impor-lhe o recuo na escolha de um educador respeitado para o MEC porque não era conservador ao ponto de apoiar o Escola sem Partido. Disseram “aleluia” para a escolha de Vélez Rodríguez, mais preocupado com a “reta educação moral” dos estudantes do que com a melhora da qualidade do ensino, prioridade indiscutível para todos que pensam no desenvolvimento nacional, dos educadores progressistas aos empresários. A bancada ruralista acaba também de emplacar na reforma agrária o presidente da UDR, Nabhan Garcia, o nome menos indicado para lidar com a questão da reforma agrária, que também é um problema nacional, mais que uma bandeira da esquerda.

Mas quando chegar a hora da onça beber água, a hora das votações, elas acontecerão segundo a lógica partidária. O painel de votações é organizado por partidos. O presidente da Mesa não perguntará “como vota a bancada evangélica” e sim como vota o MDB, o DEM, o PT e a longa lista de siglas com assento nas duas Casas. Os evangélicos, que são mais de 200, podem se unir para vetar um ministro ou aprovar pautas de seu interesse específico, mas se a matéria for de outra natureza, será cada um por si. Não têm unidade, por exemplo, em relação à reforma previdenciária. Nessa hora, Bolsonaro terá que se haver com os partidos. Talvez Bolsonaro descubra a fórmula que nenhum outro presidente da fase democrática encontrou para obter apoio partidário sem pagar por ele, o que foi a danação para o PT, cuja bancada nunca passou de 18% das cadeiras na Câmara. A do PSL tem apenas 10%.

Diz-se no núcleo político bolsonarista que sua fórmula para a governabilidade passa pela combinação do apoio das bancadas temáticas com sua alta popularidade e o uso das redes sociais para constranger os parlamentares a aprovar as propostas do governo. Isso pode funcionar num curto período mas duvido que consiga uma sustentação prolongada com este método. A lua de mel acaba, nenhum governo consegue agradar à maioria por muito tempo. Ele conhece o Congresso, mudou de partido sete vezes, sabe como as coisas funcionam.

Alguns de seus ministros podem ser ignorantes sobre o jogo político e a técnica legislativa, como é o caso de Paulo Guedes. Lá está a Comissão de Orçamento aprovando uma lei orçamentária para 2019 que não leva em conta as fusões ministeriais que serão feitas. Ninguém foi pedir ao relator-geral, senador Waldemir Moka, o ajustamento dos recursos e programas ao novo desenho da Esplanada. O ajuste poderá ser feito posteriormente, mas isso consumirá tempo e energia enormes.

Por isso, de duas uma. Ou Bolsonaro tem um plano B, como a negociação com os partidos numa segunda etapa, em que ofereceria a participação em cargos de segundo e terceiro escalões, ou está disposto a pagar para ver. Jogo arriscado.