Bolsonaro piscou?
Com o ministério praticamente formado, o governo Bolsonaro está composto por um grupo de militares em posições estratégicas, um núcleo duro ultraliberal no comando da área econômica, e uma coordenação política visivelmente frágil e desorganizada, sob o duplo comando do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do Secretário de Governo, general Santos Cruz. A escolha do deputado Osmar Terra, do MDB, para a pasta de Cidadania, pode ser indicativa de que Bolsonaro começou a perceber a importância dos apoios partidários para garantir apoio parlamentar a sua agenda.
O DEM havia emplacado três ministros, embora não os tenha indicado, e isso deixou amuado o partido de Bolsonaro, o PSL, que só contava com Gustavo Bebianno na Secretaria-Geral do Planalto. Ontem ganhou a pasta do Turismo para o deputado Marcelo Álvaro.
E assim, Bolsonaro começa a se render ao velho presidencialismo de coalizão, embora vá continuar dizendo que acabou com o “toma lá, dá cá” e não entregou as pastas ao partidos, e sim aos escolhidos. A barganha geralmente vem depois. Terra é um quadro de cúpula que o MDB colocou no Ministério do Desenvolvimento de Temer. Diz ter sido indicado não pelo partido mas por frentes parlamentares, como as de defesa do idoso, dos deficientes e de outros clientes da rede de proteção social, estrelada pela Bolsa-Família, que irá gerir, na pasta que ganhará muitos puxadinhos, como a secretaria de Cultura, a que será reduzido o Minc, a de Esportes, a de combate às drogas e alguma perna do Ministério do Trabalho. O MDB gosta mesmo é de ministérios que tocam grandes obras, mas para quem iria experimentar o sereno da oposição, foi um prêmio.
Bolsonaro, discurso à parte, crismou três partidos como integrantes legítimos de sua base. O PSL, com 52 deputados, o DEM com 29 e o MDB com 34 somam 115 votos na Câmara. Não é nada diante da maioria absoluta de 257 ou do quórum para emendas constitucionais de 308 votos. Agora é ver como ele obterá votos dos partidos conservadores que ficaram excluídos, como os do Centrão. Poderão se contentar com cargos de segundo e terceiro escalões.
O espanto do mundo
“Governos estrangeiros nos olham com desconfiança”, admitiu ontem o futuro ministro Onyx. Não é só com desconfiança, ministro, é com espanto que o mundo olha para o Brasil, não sabendo o que esperar da política externa de Bolsonaro. As declarações de seu filho, deputado Eduardo, em visita aos Estados Unidos, chocaram mais que a escolha de um chanceler que é militante ardoroso da guerra trumpiana contra o tal “marxismo cultural”.
Elas conflitaram diretamente com falas recentes do vice-presidente eleito, general Mourão. O deputado assegurou que a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém está decidida, faltando só definir a hora. Mourão disse na semana passada que a decisão “não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada”, lembrando nossas exportações vultosas para os países árabes. O deputado-filho apresentou receita perigosa para contornar o problema: o Brasil poderia apoiar esforços para conter o Irã, ganhando com isso simpatia dos árabes. Mourão havia chamado a atenção para o risco de uma intromissão brasileira nesta seara ardente: “Temos sempre que olhar a questão do terrorismo internacional oriundo da questão religiosa, que poderá ser transferida para o Brasil se houver um posicionamento mais forte em relação ao conflito do Oriente Médio”. Perigo real, ponderação sensata.
Eduardo Bolsonaro disse ter conversado com autoridades do governo Trump sobre ações conjuntas contra a Venezuela e Cuba, dando um “calote grande nos ditadores” com o bloqueio de ativos ilícitos. “Tudo aquilo que faz o povo passar fome a gente pretende congelar”. É de arrepiar.
O pai disse que “o garoto” pode ter se equivocado ao admitir que a reforma previdenciária talvez não passe, “mas está fazendo um excelente trabalho lá fora”. E com isso, o espanto vai aumentando.