Mudar para continuar
Aos poucos começa a parecer que o “toma lá, dá cá”, renegado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, não será banido como ele prometeu, mas reciclado. Na linha “mudar para continuar”. Depois de ignorar os partidos na formação do ministério, ele admitiu, nas conversas que começou a ter com as siglas, que negociará com cargos do 2º e 3º escalões. Onyx Lorenzoini defende uma forma nova de fisiologismo, que teria o aval do chefe, e é considerada inconstitucional por 9 entre 10 juristas: o governo libera emendas orçamentárias para apoiadores e seus nomes passam a figurar nas placas das obras realizadas com os recursos que empenharam. Isso dá voto.
Todo dia tem novidade sobre como será o relacionamento entre Executivo e Legislativo, num quadro de suposto desafio ao presidencialismo de coalizão, o regime em que, desde FHC, o governo é compartilhado pelos partidos que integram sua aliança de apoio. Digo suposto porque vai ficando claro que Bolsonaro vai apenas reinventar o modelo que aponta como responsável pelas mazelas da política, como o fisiologismo e a corrupção. E o fará porque, com nosso sistema partidário fragmentado, não há como escapar. A lorota da negociação direta com frentes parlamentares temáticas serviu-lhe para alijar os partidos do primeiro escalão (embora DEM, MDB e PSL lá estejam representados), mas não servirá para governar. Organizadas em temas específicos, não garantirão votos de forma permanente a um governo que terá uma agenda parlamentar polêmica – que vai da reforma previdenciária à mudança no estatuto do desarmamento.
Estão na praça os novos discursos para o “mais do mesmo” transfigurado. O PR diz que será da base do governo mas discutirá as matérias caso a caso. O PSDB diz que apoiará todas aquelas que se identificarem com a agenda tucana. O MDB jura que não indicou o futuro ministro Osmar Terra e que não pedirá cargos ao governo, garantindo porém apoio ao que for do interesse do país. Para todos eles, melhor o segundo escalão que a estepe fria da oposição. A inscrição dos nomes de parlamentares nas placas de obras derivadas de emendas – que mesmo sendo de liberação imperativa podem ser contingenciadas pelo governo – é tão imoral quanto o velho fisiologismo. É o Planalto dizendo o seguinte: “vote com o governo e fature junto a seus eleitores”. Afora o conflito com a Constituição, que fixa como princípios administrativos a impessoalidade, juntamente com a legalidade e a moralidade.
Seguir o dinheiro
O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, pediu ontem à Procuradoria Geral da República a abertura de investigação para apurar “possíveis ilícitos” envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flavio Bolsonaro. Segundo o COAF, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 ele movimentou R$ 1,2 milhão. Teria havido a compensação de cheque de R$ 24 mil nominal à futura primeira dama Michele Bolsonaro. Não é nada diante dos valores do Petrolão mas o valor é incompatível com os vencimentos dele.
Se a investigação for aberta e estabelecer conexão entre os recursos suspeitos e Flavio Bolsonaro, produzirá um escândalo precoce, antes mesmo da posse do presidente eleito. Como pode, também, demonstrar o contrário, a ausência de qualquer vínculo. De todo modo, como em casos similares, a PF seguirá o rasto do dinheiro. Eis aí mais um teste da independência da PF sob o comando de Sergio Moro, a partir de janeiro.
Mineração
O ministro Moreira Franco deu posse ontem à diretoria da mais nova agência reguladora, a ANM, da mineração. Amparada no novo código do setor, ela garantirá mais transparência e segurança jurídica, diz Moreira, não só aos empresários mas também aos garimpeiros que procuram a fortuna sob a terra. Tomara. Em Minas, as mineradoras agem sem lei, deixando de herança a erosão do solo, enquanto os garimpeiros são espoliados pelos atravessadores.