Vale-tudo no Congresso
Depois da eleição atípica de Jair Bolsonaro, o Congresso também parte para a subversão das regras que sempre regeram a convivência entre os partidos. Se a observância do peso eleitoral de cada um deixa de existir, temos o vale-tudo, com grave ofensa ao instituto da representação política. A formação de um grande bloco de partidos para controlar os cargos da Mesa e postos de comando, isolando os dois partidos mais votados e com as maiores bancadas, PT e PSL, é o melhor exemplo, mas não o único, de que na próxima legislatura pode imperar as regras da casa de mãe Joana.
Em observância ao critério da representatividade dos partidos, a presidência das duas Casas sempre foi reservada ao partido que elegeu a maior bancada. Os demais cargos também eram preenchidos segundo a ordem de grandeza das bancadas. Na era FHC isso começou a ser flexibilizado para garantir o comando da Câmara ao PFL do então poderoso Luís Eduardo Magalhães, que não tinha a maior bancada mas era sócio importante do governo. O PSDB cedeu.
Nos governos petistas, um acordo entre PT e PMDB também colocou de lado a velha regra, permitindo uma alternância entre os dois partidos na presidência da Câmara, em favor do então PMDB, hoje MDB, pois a maior bancada era a do PT. E assim, chegamos ao presente, em que os dois partidos mais votados podem até ser alijados da Mesa. O grande bloco juntaria partidos da direita, como o DEM e os do Centrão, e da esquerda, como PDT e PSB, para isolar os dois partidos mais votados. O PT tem direito teórico à presidência mas nem ousa reivindicar o cargo, na maré adversa que enfrenta. O PSL deveria ter direito à primeira vice-presidência e à primeira secretaria. Em outros tempos era assim mas agora os blocos vão prevalecer sobre os partidos. Não é boa receita.
E para completar a zoeira, o PSL do presidente eleito virou um serpentário, como se viu esta semanas pela troca de sopapos num grupo de wahtsapp. Uma ala do partido prefere se compor com o candidato do DEM, Rodrigo Maia, e outra, puxada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, tenta articular um candidato mais governista, como João Campos. Isso está lembrando a eleição de Severino Cavalcanti, facilitada pelo racha no PT.
No Senado, as coisas não caminham de modo muito diferente. A maior bancada é a do MDB, o que lhe garante, pela regra da proporcionalidade, a presidência da Casa. E na bancada, a candidatura que desponta com força é a do senador Renan Calheiros, embora ele ainda não assuma a intenção de concorrer. A senadora Simone Tebet também se articular para concorrer mas dificilmente teria mais votos que Renan na bancada emedebista. Alegando que ele é lulista, o PSL de Bolsonaro, que terá apenas quatro dos 81 senadores, liderados por Flavio, filho do presidente eleito, quer barrar a candidatura de Renan, apoiando, de preferência, David Alcolumbre, eleito pelo DEM do Amapá. Se ele não emplacar, a alternativa pode ser o apoio ao tucano Tasso Jereissati. Não é também uma bom caminho. Nem para o Senado nem para o futuro governo, que sem base nítida, não devia comprar briga com o MDB nem com Renan, sem dúvida um dos senadores mais influentes da Casa.
E tem o mais grave, que é a absoluta incerteza sobre como serão as relações do futuro governo com os partidos, por ora alijados da formação do ministério. Sem uma coalizão para chamar de sua, confiando nas bancadas temáticas, e tendo que aprovar pautas tão antipopulares como a reforma previdenciária, de duas uma. Ou Bolsonaro conseguirá impor uma nova forma de relacionamento, como promete, arrancando votos sem nada conceder, ou na hora H os partidos vão lhe mostrar como é que as coisas funcionam. Ele sabe, e por isso mesmo, acena com a recriação da velha política com roupa nova: negociando cargos de segundo escalão e a liberação de emendas orçamentárias com nome do autor na placa da obra.
Tempos interessantes virão, o que não quer dizer tempos melhores.