O jogo será outro
Jair Bolsonaro deve mesmo aproveitar estes últimos dias de descanso e lazer no refúgio militar da Marambaia. Daqui a sete dias vai terminar, para ele, o tempo da campanha prolongada, das exibições demagógicas de simplicidade, vestindo bermudas e esfregando a barriga no tanque de lavar roupa. Ainda que deteste a imprensa, não poderá governar pelas redes sociais. Nem se escorar no trololó ideológico e comportamental, pois começará o tempo efetivo das cobranças por resultados. E eles vão depender, essencialmente, do que Paulo Guedes fizer na gestão da economia.
Guedes lembra preocupantemente a ministra da Economia de Collor, Zélia Cardoso de Mello. Como ela, ele também subverteu fortemente o desenho da Esplanada, com fusões e extinções de ministérios e órgãos públicos. Com Zélia, isso resultou em grave paralisia decisória. O futuro superministério de Guedes será um mastodonte que cuidará da macroeconomia e da execução orçamentária, antes a cargo do Planejamento, e de uma constelação de assuntos absorvidos pela pasta, entre eles os previdenciários e uma parte dos que eram geridos pelo Ministério do Trabalho, como a gestão do FGTS e do FAT, os grandes fundos do setor. Como Zélia, ele também vem comprando brigas com as elites econômicas, a exemplo da recente promessa de “enfiar a faca” no Sistema S. Espera-se que não a repita com qualquer forma de bloqueio de ativos financeiros, o que seria outro tipo de facada em Bolsonaro. Um estelionato.
O caso do PM que é seu amigo e ex-assessor do filho Flávio na Alerj, e que movimentou R$ 1,2 milhões em sua conta bancária sem ter rendimentos para tanto, por ora nem beliscou a popularidade de Bolsonaro. Tendo faltado a dois depoimentos, Fabrício Queirós pretende prestar depoimento apenas depois da posse do amigo na Presidência, na esperança de que dele venha a proteção necessária. Com o Ministério Público, felizmente, as coisas não funcionam assim, que o digam o PT e Temer. O assunto não vai sair de pauta nem ser esquecido mas, de todo modo, por algum tempo Bolsonaro ainda merecerá a indulgência das massas que nele votaram ou passaram a apoiá-lo, , visto que o número dos têm expectativa positiva sobre seu governo (65% segundo o Datafolha) supera os 55% que lhe deram a maioria absoluta de votos válidos no segundo turno. Por conta de suas tentações ideológicas, Bolsonaro vem também “brigando para cima”, o que pode gerar, inicialmente, desgaste maior nas elites que na população.
Embora afague o agronegócio com a disposição de afrouxar a fiscalização ambiental, travar as demarcações de terras indígenas e esquecer a reforma agrária, Bolsonaro contrariou o setor ao se indispor com os países árabes, grandes compradores de proteína animal brasileira, ao insistir na transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Contrariou a indústria com a extinção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, o antigo MDIC. Indústria e Comércio vão brigar com unhas e dentes para não perder os recursos do Sistema S. Ele vem brigando com os grandes grupos de comunicação e corporativa e tem desprezado a elite partidária no Congresso, insistindo na formação de uma base parlamentar a partir das bancadas temáticas, que em governo algum poderão garantir votos para aprovar matérias não relacionada ao setor específico que defendem. Em questões econômicas, o que geralmente prevalece é a posição dos partidos. Por ora, ele só não brigou com os bancos. Indispor-se com a plutocracia brasileira não é de bom alvitre. Que o diga Dilma Rousseff. Primeiro ela perdeu apoio nas elites e na caciquia conservadaora do Congresso. Sabotada, estigmatizada e politicamente isolada, começou a perder também apoio popular. Com apoio da Fiesp, a classe média vestiu verde e amarelo e foi às ruas seu impeachment.
Que Bolsonaro aproveite, portanto, estes dias de recesso na Ilha da Mrambaia e, na posse, o banho de povo. Depois começa uma nova partida que ele não ganhará fugindo ao debate nem disparando mensagens por Whatsapp.