Fora de hora e lugar
A truculência verbal, a provocação aos adversários e o escárnio do infortúnio alheio não combinam como o tempo natalino. Nem são próprios para um presidente eleito às vésperas da posse, quando se tornará, de fato, presidente de todos os brasileiros. Se houvesse intenção pacificadora, o momento era propício. Jair Bolsonaro, entretanto, age como rei raivoso na véspera da coroação, disparando mensagens polêmicas e beligerantes. Com elas, alimenta não apenas a polarização interna, mas também a percepção externa negativa sobre o futuro governo, a exemplo da carta distribuída nos Estados Unidos por 47 organizações da sociedade civil americana, afirmando que ele representa “séria ameaça à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente”.
A carta, que está publicada no site da organização Friends of the Earth US, é subscrita por esta e outras entidades como a Brazilian Studies Association e a Amazon Watch, e recorda o “discurso de ódio” do presidente eleito contra negros, gays e mulheres. Lembra as ameaças recentes de mandar adversários de esquerda para a prisão ou o exílio, de tratar movimentos sociais como terroristas. “Além desses repulsivos ataques verbais, nós estamos particularmente preocupados com algumas propostas políticas de Bolsonaro que, se implementadas, podem infligir danos de amplo alcance e duradouros a comunidades brasileiras e ao meio ambiente”, diz o texto.
Hoje, com a popularidade alta, Bolsonaro pode não se incomodar com a rejeição externa nem com a existência de uma parcela de brasileiros que não votou nele. Devia saber que, nesta Terra dos Papagaios, não existe base social fiel por ideologia. Quando os benefícios propiciados por um governo cessam, os eleitores viram-lhe as costas. O PT que o diga.
Agora o governo vai começar, haverá uma trégua de uns 100 dias e depois virá o tempo das cobranças. Um presidente em começo de mandato deve esforçar-se para prolongar o período de indulgência, em que os próprios adversários baixam as armas. Também por isso a aspereza verbal neste momento é contraindicada. Ou seria, se Bolsonaro fosse um político normal.
Durante o Natal, ele escarneceu do ex-presidente Lula, replicando no Twitter uma charge do site “Falha de S. Paulo”: “Lula tenta escapar vestido de Papai Noel, mas é detido”. Sua mulher, Michelle, fez marketing opressivo contra Lula, ao aparecer usando camiseta com a frase que a juíza Hardt lhe disse no último depoimento: “Se começar neste tom comigo a gente vai ter problemas”. Irritado com uma matéria do jornal cubano “Granma”, com críticas ao futuro governo, escreveu que “não convidar seu ditador foi mais um de meus acertos”. Seus filhos mantiveram também a mesma toada. Pessoas tão próximas de assumir o poder deviam estar mais felizes e desarmadas. Mas parecem estar anunciando o início de uma guerra e não de um governo com tantos desafios pela frente.
O mundo de Ernesto
O desavisado que lê o artigo que o futuro chanceler Ernesto Araújo escreveu na revista americana “The New Criterion” (dedicada a artes e literatura, não a relações internacionais), pode pensar que havia aqui no Brasil uma ditadura marxista que cerceava a liberdade de expressão. Ele começa dizendo que um importante jornalista brasileiro, na noite da vitória de Bolsonaro, disse estar preocupado porque falou-se muito de Deus naquela celebração político-eleitoral em que o agora renegado senador Magno Malta fez uma oração de mãos dadas com o eleito e seu séquito. Após dizer que antes uma elite controlava o discurso público, ele informa: “A barreira foi quebrada. Agora nós podemos falar de Deus em público”.
O mundo de Queiroz
As explicações do ex-assessor de Flávio Bolsonaro ao SBT sobre sua movimentação financeira, além de não convencerem, complicaram a narrativa. Ele disse ter feito dez cheques de R$ 4 mil para pagar o empréstimo de R$ 40 mil que recebeu de Jair Bolsonaro. Mas como explicar o pagamento de um só, no valor de R$ 24 mil a Michelle Bolsonaro?