ONU, Lula e o desemprego
Setembro, que marca o fim do inverno e a entrada da primavera, é um mês de mudança. É em setembro, já esperando as chuvas, que os agricultores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste preparam a terra para semear as novas safras a serem colhidas em 2020. Outubro, com regime de chuvas mais regular, recupera o fluxo das nascentes e rios que formam as usinas hidrelétricas e ampliam a capacidade da geração de hídrica, em relação às termelétricas e permite à Aneel reduzir a bandeira tarifária, de vermelho para amarelo, aliviando as futuras contas de luz. O que se lança ao solo em setembro – dos céus ou das mãos humanas – trará consequências futuras.
Jair Bolsonaro usou a tradição brasileira de discursar na abertura de cada nova sessão da Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas para espargir aos quatro ventos sua visão de mundo e de Brasil, contra o globalismo e multilateralismo e pró patriotismo. Chocou os que ainda não o conheciam. Chamou a atenção dos representantes das nações presentes (não se tem notícia de que tenha havido convocação de assessores para fazer claque, como já correu com outros mandatários interessados em ‘sair bem na foto’).
Não participou do jantar privado (ou coletivo) que anunciara previamente com Donald Trump, no qual esperava cacifar a indicação de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. Após esperar alguns minutos no corredor a passagem do presidente dos Estados Unidos rumo ao púlpito, obteve uma mera troca de cumprimentos e um elogio de “bom discurso”. A mídia internacional fez avaliação diferente.
Ao longo dos próximos meses a diplomacia brasileira e a mídia internacional vão começar a colher registros para avaliar se as falas de Bolsonaro vão gerar boas colheitas. O IBGE e a Conab fazem mensalmente, a partir da avaliação da área plantada e do desenvolvimento das lavouras, projeções sobre o potencial das colheitas futuras.
Vale registrar que a rejeição à cooperação internacional (em nome da soberania da Amazônia brasileira) entra em contradição com a defesa que fez dos acordos de comércio entre o Mercosul e a União Europeia – ainda pendente de ratificação dos 23 parlamentos europeus e dos cinco do Mercosul. Os parlamentos, empresários, consumidores e investidores da maior parte dos países consideram a questão climática muito relevante. Agora mesmo, o Brasil está negociando amplo acordo de livre comércio com o México, um dos 10 maiores parceiros comerciais do país (fora a UE). Desde o governo Lula, o acordo alcançava apenas os setores automobilístico e a petroquímica.
Outubro pode ser o mês da aprovação final da reforma da Previdência, que deu meia-trava no Senado, quando o corporativismo falou mais alto e adiou os trabalhos por uma semana em retaliação à atuação da Lava Jato e da Política Federal, que vasculhou os gabinetes do Senador Fernando Bezerra Coelho (líder do governo no Senado) e seu filho, deputado federal e ex-ministro de Minas e Energia de Michel Temer.
Mas o episódio logo foi superado pela tardia e chocante revelação – apressada para turbinar o lançamento nesta próxima semana de um livro sobre de memórias do ex Procurador Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros (em parceria com os jornalistas Jaílton de Carvalho e Guilherme Evelin), de que “estava armado e pronto”, em 2017, antes de uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) - onde o PGR exerce a função de acusador em vários casos julgados pelo plenário – para “atirar na cara do ministro Gilmar Mendes e se suicidar em seguida”. Janot criticara Gilmar por não alegar suspeição em uma ação contra o empresário Eike Batista, já que sua mulher, Guiomar Mendes, dirigia a sucursal de Brasília do escritório Sergio Bermudes, advogado de Eike e de várias causas milionárias da Lava Jato e do Carf; Gilmar retrucou, também pela imprensa, que a filha de Janot. Leticia Ladeira Monteiro de Barros advogava para a OAS, uma das empreiteiras condenadas na Lava Jato.
A consequência foi a expedição pela STF, de mandado de busca e apreensão no escritório e na residência de Janot, em Brasília, de armas e computadores. O fato acabou deixando em segundo plano a posse do novo PGR, Augusto Aras e sua equipe. As suspeitas levantadas na troca de chumbo que não houve, continuam no ar.
Apesar desta turbulência, Jair Bolsonaro voltou ao Brasil com a popularidade em queda, em meio a algumas boas notícias na área econômica e outras desagradáveis, como o novo aumento da gasolina. De agosto para cá a Petrobras aumentou o diesel em 9,4% nas refinarias e a gasolina em 4,74% para as distribuidoras. Nas bombas, o consumidor sofre bem mais. Em dois meses o dólar avançou 6,91%. O desemprego caiu e o emprego aumentou, com sinais de reativação em setores, grandes empregadores, como serviços e a construção civil. Mas, em economia há sempre o outro lado da moeda.
A questão do mercado de trabalho, que vem reagindo mais pela informalidade e o trabalho por conta própria (de motorista de aplicativo a vendedor de quentinha ou um pequeno negócio na informalidade), tem de ser vista com preocupação quando o Congresso está prestes a concluir a votação da reforma da Previdência. Para começo de conversa, a reforma está longe de “zerar o déficit público em 2019”, como prometera o “Posto Ipiranga” Paulo Guedes. Nem em 2020, se a economia “crescer até 2,5%” como também previu o superministro da Economia, ou até o fim do atual mandato, em 2022.
Os dados do IBGE referentes a agosto mostraram que a população ocupada na informalidade (sem carteira assinada e, portanto, sem contribuição para o INSS, que lhes possa garantir futura aposentadoria) chega a 43,116 milhões de pessoas. Está se aproximando dos 43,974 de pessoas com carteira assinada (incluindo empregadas domésticas, militares e funcionários públicos).Em um ano (contra agosto de 2018) o contingente dos com carteira aumentou 2,5%. Já a turma que trabalha sem carteira (11,6 milhões no setor privado e 2,513 milhões no setor público, quase o dobro dos 1,282 milhão com carteira) aumentou 4,4%. A solvência da Previdência vai depender muito do aumento de contribuições vindas dos trabalhadores com carteira assinada e isso só virá quando os juros bancários caírem para o consumo das famílias crescer sem risco de maior endividamento e inadimplência e a roda da economia acelerar.
Se tudo não fosse um enorme desafio. O ex-presidente Lula, já tendo cumprido na Polícia Federal, em Curitiba,1/6 da pena a que foi condenado, pode ser liberado a cumprir o resto da pena em casa. Luís Inácio Lula da Silva, que sempre disse que o tríplex de Guarujá não era dele, depois alegou que a compra de cotas na cooperativa de bancário fora iniciativa da mulher (já falecida), e depois jurou, no enterro do neto Artur que iria encontrá-lo no além com a prova da sua inocência, reluta aceitar o uso de tornozeleira, insistindo na tese da anulação do processo por deslizes do MPF e do ex-juiz Sérgio Moro.
Parodiando Chico Buarque, em "Feijoada completa", quando saúda a volta dos anistiados políticos em 1979, se Lula trocar Curitiba por São Bernardo do Campo (SP), que deixou em 7 de abril de 2018, "virá com uma fome; que nem me contem; com uma sede de anteontem".
Como se espera, não faltarão emoções em outubro e nos próximos meses.