Crepúsculo dos Deuses

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Circula na internet um texto aconselhando as pessoas a não voltarem a suas velhas casas em que, no passado, viveram.

Inflado de tristeza, ele afirma que nessas casas elas encontrarão apenas ruínas, paredes precisando de pintura, mato invadindo o que restou do jardim e uma vida que já não existe mais. E que familiares e velhos amigos que fizeram parte de momentos encantadores de suas histórias, e que transformaram seus dias, meses e anos em um paraíso de felicidade, não estarão mais morando lá.

Eu nunca voltei às casas e apartamentos em que vivi neste mais de meio século de vida, mas todas e todos ainda continuam vivos em minhas memórias afetivas. Principalmente aquela em que nasci e morei até os 9 anos, em uma pequena cidade do interior do Espírito Santo. Também sinto saudades do apartamento aconchegante da Barão da Torre, em Ipanema, onde fui muito feliz durante 15 anos. E vivo pensando na casa do bairro Mosela, em Petrópolis, em que morei de 1977 até 1982.

E, talvez, seja essa a que ainda está mais viva nas minhas lembranças e que ainda faz bater mais forte o meu coração. Certamente porque nela, lá pela metade da minha adolescência, comecei a ter uma relação mais calorosa com familiares, amigos da vizinhança e com aqueles outros que vinham do Rio para passar as longas férias de verão comigo e com os meus irmãos, enchendo aquele ambiente de ternura, companheirismo e diversão.

Meses atrás, fotos dessa casa me foram enviadas pela internet. E ela está quase igual como da última vez em que a vi, quando, ao lado dos vizinhos queridos, me despedi para retornar ao Rio. E ela pouco mudou. Não está em ruínas, como previu que estaria o texto melancólico. As paredes estão bem pintadas. E continua cercada de plantas. E, vez ou outra, nos meus rompantes nostálgicos e saudosistas, abro o celular só para entrar novamente por aquela porta de ferro e vidro e atravessar o curto corredor até chegar ao meu quarto. Quarto em que o meu amor pela música cresceu e foi fortalecido. Quarto em que instalei o meu primeiro equipamento de som. Quarto onde iniciei uma coleção de discos, cobri a parede de posters coloridos, e comecei, ao lado de amigos, a editar um fanzine de Rock.

E foi nesse mesmo quarto que, pela primeira vez, o álbum IV da discografia do Led Zeppelin chegou às minhas mãos, invadiu os meus ouvidos, fez subir os pelos dos meus braços e estremeceu o chão. Foi ali que, pela primeira vez, ouvi Stairway to Heaven. O maior sucesso da banda inglesa. Clássico dos clássicos do Rock and Roll. A obra-prima da dupla Jimmy Page e Robert Plant. O Lennon e McCartney do Hard Rock. E é um pouco sobre o vocalista, o Deus Dourado do Rock, que brilhou intensamente durante toda a década de 1970 que escolhi escrever nessa coluna.

Próximo de completar 76 anos, Robert Plant nasceu na denominada Black Country, mais precisamente em West Bromwich, coração das Midlands industriais inglesas. Formadas por cidades de ar carregado, poluído pelas enegrecidas fumaças das fábricas, de população formada essencialmente por operários. Cenário sombrio onde, a partir dos anos 1950, a juventude, sem opções de divertimento, começava a se apegar aos clubes que, aos finais de semana, promoviam pequenos shows com músicos das próprias cidades e os da vizinhança.

E foi em um desses shows que, na metade dos anos 1960, quando Plant começava a se desesperar porque seus objetivos artísticos patinavam, que Jimmy Page o convidou para um teste em Londres, após visitar West Bromwich e ficar encantado com a sua performance vocal no pequeno palco de uma casa noturna.

Em questão de meses, Robert Plant iniciou a sua longa trajetória de enorme sucesso, que o transformou no, talvez, maior ícone do Rock na década de 1970, e que se manteve, entre subidas e descidas, até o final dos anos 1990, quando, cansado da pegada forte que a carreira de um roqueiro de sucesso exige, resolveu ter uma vida pessoal e artística mais amena para se poupar física e emocionalmente.

A última grande aparição de Plant usando quase que o mesmo vigor que incendiou a juventude nos seus momentos glamorosos e pulsantes na década de 1970, foi o show que reuniu, depois de quase 30 anos, a formação original do Led Zeppelin, com exceção do falecido baterista John Bonham, substituído de forma magistral pelo filho Jason, realizado em dezembro de 2007, no aclamado show, por crítica e público, Celebration Day.

Após essa única apresentação com o Zeppelin, após longos anos, o vocalista, para tristeza de Jimmy Page, resolveu não mais repetir o reencontro. Preferiu seguir a sua carreira de forma muito menos espalhafatosa, formando dupla com a cantora folk-country Alison Krauss e se reunindo com a sua primeira banda, Band of Joy, para a gravação de um álbum, em 2010.

Como muitos dos vários astros de Rock que se lançaram de forma magistral e intensa entre os anos 1960 e 1980, a decadência artística por perda de criatividade, imaginação, inspiração e empolgação, somada à deterioração física, também não poupou Robert Plant. Como qualquer mortal que nós, românticos incorrigíveis, achamos que não são. Por mais que nós, fãs, admiradores, sempre imaginemos que eles viveriam para sempre, nunca perdendo a forma e o conteúdo, o peso do tempo, implacável, chegou e trouxe o crepúsculo.

E como todos os outros de sua geração, que atravessaram anos envolvidos de corpo e alma em uma vida pessoal e artística sem limites, consumidos pelo álcool, drogas, festas, groupies, viagens etc., o cantor faz questão de não esconder que os seus sessenta e tantos anos venceram o Deus Dourado do Rock, como confessou, de forma bem humorada, em seu podcast Digging Deep, Robert Plant, de 2022:

"Na verdade, aquele velho homem que aparece na capa do Zeppelin IV agora sou eu! Eu recolho gravetos em todos os lugares em que vou. E junto todos em um rolo e amarro em minhas costas só para o caso de que alguém surja dirigindo por ali e diga: Aquele é o velho da capa do disco do Led Zeppelin."

E termino sugerindo a biografia do vocalista, que li recentemente: “Robert Plant - Uma Vida”, escrita por Paul Reels.