Cult, Pop & Rock

Por CAL GOMES

CULT, POP & ROCK

Houve uma vez um inverno

Publicado em 08/08/2024 às 08:33

Alterado em 08/08/2024 às 08:53

. Foto: Pixabay

"Você não vai me deixar te levar em casa depois da escola?
Você não vai me deixar te encontrar na piscina do clube?
Talvez, na sexta-feira, eu possa conseguir ingressos para o baile..."

Estes são os primeiros e ingênuos versos de “Thirteen”, da banda americana Big Star, lançada em 1972, no álbum de estreia Record #1. E quem acompanhou a ótima série para TV “That '70s Show”, exibida nos anos 1990, e que ainda está disponível nesses vários canais de streamings da vida, talvez deva se lembrar da canção embalando o romance de um típico casal americano setentista de adolescentes.

Mas a minha versão preferida foi gravada em 1996 por Elliott Smith para a trilha sonora do filme “Thumbersocker” e que, mais tarde, em 2007, foi relançada após a morte do cultuado cantor e músico americano em uma coletânea dupla: o essencial New Moon.

E é “Thirteen”, que abre o álbum, interpretada magistralmente por Elliott com a sua voz delicada emoldurada por belíssimos acordes de violão, que me fez voltar a 1978 e revisitar a minha feliz adolescência vivida em Petrópolis, mas também dominada pela timidez com as garotas.

Em uma caixinha empoeirada da memória, quase semelhante a que reencontrei New Moon, que não ouvia desde que tomei doril e sumi do Rio, foi que me vi em pé, encolhido pelo inverno glacial da minha querida cidade serrana, em um dia enevoado, umedecido pela chuva fina, entediado pelas férias colegiais de julho, em frente da casa de Andréa, uma "paixonite" platônica da adolescência.

A menina de uns 15 anos, de pele muito branca, rosto delicado salpicado por sardas discretas, olhos e cabelos pretos brilhantes, morava a algumas ruas perto da minha, e sentava perto de mim na sala de aula de um colégio dirigido e de propriedade de um simpático frei franciscano alemão, semelhante ao Tuck, aquele mesmo do bando de Robin Hood.

A saudade que ardia em mim por ficar semanas sem ver Andréa, motivada por aqueles longos e frios dias das férias escolares de meio de ano, que me afastavam das conversinhas paralelas durante as aulas chatas e caretas de Moral e Cívica ou de Religião; dos disfarçados trocares de olhares e de cadernos quando perdíamos alguma aula; dos pedidos emprestado do apontador de lápis só como desculpa para encostar a minha mão trêmula na dela, me obrigou a tentar vê-la, mesmo que de longe, em sua casa, antes do retorno das aulas.

E vencendo todo aquele medo juvenil, a timidez quase que etérea e eterna, fui até lá, até ela, até Andréa, me escorando em um muro, do outro lado da rua, olhando a parte de cima da casa de dois andares, para a janela do quarto refletida em uma grande poça d'água, em que eu, disfarçando, vigiava. E é claro que ainda me recordo da infinidade de minutos e segundos de espera que fiquei ali, em pé, congelando, torturado pelo vento frio e cortante que me socava o rosto até quase me jogar nocauteado na calçada. Só para vê-la. Torcendo para que a minha Rapunzel petropolitana aparecesse.

Os minutos seguintes, também me lembro bem, talvez tenham sido os mais longos e dolorosos de todos aqueles que me enlouqueciam quando aguardava, ansioso, os resultados das provas de fim de ano que me liberariam para as férias escolares tranquilas e divertidas ou me encarcerariam por vários dias de recuperação em Matemática ou Física.

E, por fim, e pondo fim a minha agonia, ela apareceu na janela para notar, em frente à sua casa, um boboca, no frio, solitário, de mãos no bolso, olhando fixo para uma poça d'água. E a imagem nublada de Andréa na janela, ondulada pela água cinzenta empoçada na calçada, intrigada para descobrir quem era aquele que estava encostado no muro olhando para o chão, finalmente me obrigou que, em silêncio, me mostrasse de forma tímida e quase desesperada.

Então ela gritou o meu nome, que deve ter ecoado por todo o bairro, quase que repetido pelos latidos dos cachorros da vizinhança, me deixando ainda mais congelado, avisando que iria descer e que eu fosse até o portão. E foi o que fizemos. Ela desceu para falar comigo e, quem sabe, ouvir o meu coração sacudir tão alto quanto Keith Moon esmurrando a sua bateria.

Quando Andréa chegou conversamos durante um tempo e, antes de me despedir, devo ter inventado algo para explicar a razão de estar ali, sem nenhum motivo, em frente à casa dela, em uma tarde fria de inverno. Dias depois, as férias terminaram, as aulas recomeçaram, eu voltei a estar diariamente com ela. A vê-la até aquela paixão colegial adolescente chegar ao fim no dia em que me deparei com ela de mãos dadas com um garoto que veio buscá-la na saída da escola, talvez para levá-la em casa, talvez para mais tarde se encontrarem na piscina do clube e, quem sabe, no sábado irem ao baile do Serrano.

 

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