CULT, POP & ROCK
Forever Young
Publicado em 28/11/2024 às 09:55
Alterado em 28/11/2024 às 09:55
A invasão dos pequenos insetos voadores, que, invariavelmente, entram pelas fendas das janelas, portas e forro do chalé quando começa a escurecer, em busca de luz e, talvez, tentando fugir do barulho exaustivo das sirenes das incansáveis cigarras na metade da primavera, aqui na região do sítio, me forçou a, aflito, apagar todas as lâmpadas para que, na penumbra da sala/escritório, esperasse, pacientemente, como de costume, que os bichinhos alados desabassem pelo chão, dando fim às suas curtas vidas após perderem suas pequenas asas. Então, resignado, resolvi colocar para tocar “Live at Massey Hall”, álbum acústico do canadense Neil Young, gravado ao vivo, em Toronto, no longínquo 1971, mas que só foi lançado em 2007, transformando-se em um enorme sucesso de vendas e crítica. Enquanto a chegada da noite ia escurecendo ainda mais o ambiente, uma a uma, as 17 canções do álbum flutuavam pelo silêncio do chalé, conduzidas pela voz serena de Neil, acompanhada pelos acordes de violão e piano, executados magistralmente pelo extraordinário músico, que, naquele início de década, aos 26 anos, aproveitando o sucesso dos seus três primeiros álbuns, iniciava a turnê “Journey to the Past” pelos EUA e Canadá.
Cercado por uma plateia apaixonada e emocionada, Neil, com seus longos cabelos lisos, camisa xadrez flanelada, durante 1 hora e 5 minutos, entre curtas pausas para afinar o violão e falas para o público, entre aplausos efusivos, nos mostra uma qualidade musical e poética que, naquela época da memorável apresentação na sua homeland, o transformava em um dos artistas de rock e folk mais promissores e admirados do mercado fonográfico.
Durante vários dias do último inverno, li, vagarosamente, “Neil Young – A Autobiografia”, em que o canadense conta detalhes e intimidades de sua história até o ano anterior em que o livro foi lançado, em 2012. Nas 400 páginas, o músico, de forma direta e simples, narra acontecimentos de sua vida pessoal e artística; da sua infância no Canadá, quando contraiu pólio, à separação traumática dos pais; seu início embrionário como músico; a mudança, quando jovem, no início dos anos de 1960, para os EUA, vivendo perigosamente na clandestinidade em Los Angeles, na busca incessante pelo sucesso no meio musical.
Nas suas memórias impressas também são expostos, com respeito e delicadeza, os relacionamentos amorosos: o primeiro e duradouro casamento; o drama com a paralisia cerebral do primeiro filho; as perdas de amigos; a paixão por automóveis, pela coleção e montagem de miniaturas de trens e locomotivas; as gravações dos álbuns; as muitas turnês com pequenos shows e grandes concertos.
Neil recorda, em detalhes elucidativos, as relações com seus parceiros de estúdio e os das bandas Buffalo Springfield; Crosby, Stills, Nash & Young; e Crazy Horse; suas experiências na produção e direção no cinema independente; seus engajamentos políticos: as lutas pelas causas ambientais e a oposição ferrenha ao presidente dos EUA George W. Bush; a tentativa frustrada de criar, produzir e lançar no mercado o Puretone, aparelho sonoro portátil para competir com o Ipod, da Apple, tamanha a sua insatisfação com a qualidade sonora ruim das músicas e álbuns digitais que eram disponibilizados no mercado para os consumidores. Tentando, inclusive, marcar reuniões para propor uma parceria com Steve Jobs, antes da morte do todo poderoso da Apple.
Enquanto os invasores do fim de tarde perdiam suas frágeis asas transparentes e desapareciam pelo chão, no escuro, e “Live at Massey Hall” chegava ao fim, me convenci, de vez, que Neil Young é o músico que mais ouvi até hoje. Que, pelo menos, dez dos seus álbuns, de toda a sua extensa discografia, são mais importantes para mim do que todos os dos Beatles e dos Stones, por exemplo, talvez só se equiparando aos do Pink Floyd. Certamente, até hoje, desde o fim dos anos de 1970, eu escutei bem mais Neil Young do que os discos do genial Paul McCartney, com ou sem os Fab Four.
Ouvir Neil Young, no meu dia a dia, os seus álbuns de estúdio e os "alives", além do prazer da música em si, me traz recordações de momentos únicos e inesquecíveis que vivi na companhia de pessoas extremamente importantes durante muitos anos de minha caminhada. Me faz recordar da minha querida amiga Denise, que perdi anos atrás. De quando conversávamos na varanda de sua casa em Petrópolis, no final dos anos de 1970, enquanto o álbum Zuma, de 1975, tocava preguiçosamente na sala, em um modesto toca-discos. Entre nossos bate-papos, cheio de risadas e de silêncios, nos aquecendo no sol de outono, olhando para as montanhas em frente, o canadense nos presenteava com a mais pura poesia em canções delicadas e vigorosas.
Quando ouço Neil Young, também me recordo do meu grande amigo Alexandre, e dos dias e momentos em que ouvíamos juntos o “Live Rust”, um dos nossos discos ao vivo preferidos. Como em um certo dia de umas férias de verão, no início de 1981, quando, viajando a caminho das praias de Marataízes, no Espírito Santo, em um Fiat mostarda com o bagageiro lotado, suando e sem ar-condicionado, nos arrastando pelas estradas ensolaradas de verão, colocamos o álbum para tocar exaustivamente várias vezes, durante toda a longa viagem, como trilha sonora cheia de violões, guitarras, gaitas e a voz do canadense gritando "Hey, hey, my, my! Rock and roll can never die", enquanto atravessávamos as ruas das pequenas cidades capixabas, cantando pneu sob olhares curiosos e assustados dos moradores.
Talvez, continuar ouvindo Neil Young até hoje, intensamente, incessantemente, apaixonadamente, quase que diariamente, é uma forma de buscar, nas minhas memórias, que teimam em não ser apagadas, deletadas, me manter, através delas, eternamente jovem, como eu gostaria de ser e que, aos 80 anos, o canadense continua sendo, como já demonstrava em partes da canção que fecha o magnífico “Live at Massey Hall”: I'm a Child.