CULT, POP & ROCK
Travessias
Publicado em 13/02/2025 às 10:26
Alterado em 13/02/2025 às 10:26

Durante anos, os livros de autoajuda dominaram o mercado literário/editorial no planeta. Uma febre que durou décadas e que, mesmo ainda possuindo muitos consumidores, foi, felizmente, baixando a temperatura. Particularmente, nunca fui um adepto do gênero e sempre procurei me afastar desse tipo de literatura. Sempre busquei encontrar soluções para os meus problemas pessoais, crises existenciais, dramas, traumas, fracassos e medos longe desse tipo de socorro. O mesmo sobre religiões, crenças e manifestações metafísicas. Sou um ateu meia-boca e um existencialista convicto. Um franciscano/sartriano.
Na coluna de hoje indico três livros cujos autores, músicos renomados no planeta rock and roll, famosos e geniais em seus instrumentos e em suas carreiras, não tiveram o propósito, a intenção de servirem como bengala para ajudar seus fãs e leitores em seus trajetos de vida por estradas escorregadias, travessias cheias de paus, pedras, espinhos e curvas traiçoeiras. Ainda assim, esses livros servem de luz para o leitor, usando exemplos das vitórias e derrotas de seus escritores. Neles, o baterista Neil Peart e os guitarristas Eric Clapton e Slash narram, de forma corajosa, lúcida e explícita, como enfrentaram e venceram as imensas dificuldades em suas vidas pessoais e artísticas agitadas e conturbadas.
“Ghost Rider: a Estrada da Cura”, de Neil Peart (2002): Sem exageros, um dos livros mais impactantes que li até hoje. Talvez por ser um imenso fã do autor, o canadense Neil Peart, baterista da banda Rush, também canadense. Neil, infelizmente, não está mais entre nós. Em 2020 a sua estrada chegou ao fim quando ele perdeu a luta para um tumor cerebral aos 62 anos.
Antes de ser vencido pela doença, o exímio baterista e letrista invejável, precisou enfrentar outra intensa e dolorosa batalha. Um acidente de automóvel tirou a vida de sua filha Selena, aos 19 anos. Pouco tempo depois, veio a segunda tragédia pessoal: sua mulher Jackie faleceu de câncer.
E toda a pesada e extrema dor desmoronou sobre Neil, que resolveu enfrentá-la na estrada. Saindo do Canadá, cruzando os EUA até chegar ao México, dirigindo sua motocicleta BMW. São 511 páginas em que o músico – e ótimo escritor –, apresenta detalhes de suas tragédias pessoais e todos os longos e árduos dias, semanas e meses conduzindo sua moto por todos os tipos de estradas, seguras e perigosas; cruzando várias cidades, lugarejos, vales, montanhas, parques naturais, enquanto buscava alívio para as suas dores física, mental e emocional, tentando encontrar respostas e compreensão pelas suas perdas familiares e como fazer a sua vida voltar a ter sentido.
“Eric Clapton: a Autobiografia”, de Eric Clapton (2007): Muitos acontecimentos certamente marcaram a vida de Eric Clapton depois de 2007, ano em que sua autobiografia foi lançada, mas nenhum com tanta relevância quanto os que foram corajosamente confessados pelo guitarrista inglês nas 394 páginas desse livro espetacular.
O início e o meio de uma carreira brilhante de 60 anos que ainda não se encerrou, as primeiras bandas, os vários álbuns de sucessos, e os poucos que fracassaram, os inúmeros shows sold out, os relacionamentos amorosos conturbados, a perda trágica do filho enquanto enfrentava o alcoolismo que o destruía, diariamente, física e emocionalmente.
Agora, no fim de março, Eric Clapton completará 80 anos, e esse livro nos apresenta parte importante de uma vida cheia de prazeres, fama, glória, fortuna, e que foi construída e reconstruída com batalhas perdidas e vencidas. O guitarrista que, nos anos 1960, em um muro de umas das ruas de Londres, através de uma negra camada de tinta, foi denominado Deus, teve que enfrentar, durante as três décadas seguintes, seus próprios demônios.
“Slash”, de Slash (2007): A pele muito morena, o cabelo encaracolado e os olhos castanhos escuros que compõem a imagem física do guitarrista Slash são frutos genéticos do mix racial de uma negra americana com um inglês branquelo.
Saul Hudson nasceu em Stoke-on-Trent, Inglaterra, e, ainda criança, levado pela mãe, uma figurinista dos estúdios de cinema de Hollywood, da cinzenta e fria cidade localizada no centro da Inglaterra, para a quente e ensolarada Califórnia, onde recebeu de um ator, pai de um dos amigos de corridas sobre bikes e skates pelas ruas e avenidas de Los Angeles, o apelido de "Slash", que decidiu manter na sua carreira musical de grande sucesso.
Nas mais de 400 páginas de seu livro, o guitarrista, com auxílio do escritor e jornalista Anthony Bozza, conta detalhes de sua infância vivida e dividida entre a casa da mãe e da avó, do início na música, do relacionamento intenso e conflitante com os membros do Guns N' Roses, dos vários namoros e casamentos conturbados e, principalmente, do vício dilacerante em cocaína e heroína que o deixou, por várias vezes, muito perto do túmulo.
Slash é muito mais do que um dos grandes guitarristas da história do rock. Os fatos impressionantes contado neste livro mostram que ele é, também, um dos seus maiores sobreviventes.