Quando ninguém é mais do que ninguém

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Para registrar "Folia de tReis" (selo Blaxtream) – muito legal a sacada do “te” minúsculo grudado ao “erre” maiúsculo, sugerindo duas palavras –, o batera Edu Ribeiro convidou Toninho Ferragutti, acordeom, e Fábio Peron, bandolim e bandolão (este com afinação uma oitava abaixo da do bandolim) para gravar. Já havia feito algo semelhante no álbum anterior, "Na calada do dia" (Maritaca), quando convidou Rubinho Antunes (trompete e flugelhorn), Guilherme Ribeiro (acordeom), Bruno Migotto (contrabaixo acústico) e Gian Correa (violão de sete cordas) para com eles formar um quinteto.

Valendo-se da diversidade, que faz da música brasileira a melhor do mundo, nasceu um disco instrumental da melhor qualidade, ricamente alicerçado não só no virtuosismo dos “tReis”, como também na criatividade autoral de cada um.

A sonoridade do disco é coisa fina. Foi gravado e mixado em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, por Thiago Monteiro, cujo trabalho permitiu aos instrumentos harmônicos (no caso, bandolim e acordeom) soarem consonantes com o pretendido pelo trio.

Peço licença para reproduzir um comentário que fiz sobre um CD anterior de Edu, quando soube que a mixagem do álbum se dera em Nova York: “Longe de mim o xenofobismo, mas o fato é que no Brasil existem alguns ótimos estúdios e também grandes técnicos capacitados para bem gravar, mixar e masterizar os CDs, que não deixam nada a desejar em relação aos lá de fora. Optando por estes, há quase sempre um considerável aumento no custo do disco e o som final diferirá bem pouco, ou quase nada, do resultado obtido aqui. Pois é: então, pra quê? Sinceramente...? Se assim lhes apraz, ótimo, tudo certo. Mas com todo respeito...? Eu tô ‘nem-seu-souza’ pros estúdios norte-americanos, japoneses e o escambau a quatro!” – menos, Aquiles, menos.

Bem, voltemos ao "Folia de tReis": nele, os acordes deságuam em improvisos, viradas levam a gêneros rítmicos que são puro Brasil, os duos têm significados gemelares, os uníssonos vêm com força única...

Há momentos em que os pelos arrepiam, noutros, os olhos marejam. É a potência da música instrumental brasileira se mostrando por inteira, fazendo com que nos orgulhemos dos instrumentistas desta terra tão necessitada de boa música, para traduzir-nos com dignidade e pluralidade.

A meu pedido, Edu descreveu as levadas de cada faixa. Reproduzo algumas delas: “A Física” (Edu Ribeiro), samba lento, estilizado, com harmonia estilo Bossa Nova; “Mogiana” (Toninho Ferragutti), forró que vira maracatu e boi do Maranhão; “Tá sobrando carisma” (Fábio Peron), samba vivo em 7/8; “Cainã” (ER), ritmo ternário com influência do chamamé, do Rio Grande do Sul.

Desde sempre eu nomeio os instrumentistas que tocam nos mais variados CDs que me chegam à mão. Faço por gosto e respeito a todos eles, que são a alma da música. Quando se ajuntam, imbuídos do aforismo “ninguém é mais do que ninguém”, o fruto é admirável.

Salve o instrumentista brasileiro!

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4