O extraordinário Ordinarius

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Capa do CD

Estou escrevendo no saguão de um hotel em Campo Grande – MS. Coisas boas estão rolando por aqui. Não só pelo show à noite, como também pelo temporal que desabou agora. Os olhos dos funcionários do hotel brilham de alívio.

Ajuntei o meu olhar solidário ao deles e segui ouvindo o novo álbum autoral do grupo vocal Ordinarius: Nós (independente), o trabalho de Augusto Ordine, Maíra Martins, Fabiano Salek, Matias Correa, Beatriz Coimbra e Antonia Medeiros, com o qual comemoram os seus 15 anos de carreira.

Com ótimas músicas compostas pelo sexteto, seja individualmente, em duplas, em trios ou com outros parceiros, os arranjos e a produção musical são de Augusto Ordine, criador do conjunto. Ótimas cantoras e ótimos cantores individuais, têm vozes irrefutáveis; todavia, o que prepondera no Ordinarius é mesmo o vocal em grupo!

Mas vocês lembram o primeiro parágrafo, o temporal? Pois é, a ele somem o fato de eu estar ouvindo o que considero a mais perfeita forma de experimentar música: gente cantando junto, com as vozes abertas em acordes!

Outra digressão: certa vez, andando com Chico Buarque numa calçada do Leblon, lá pelos anos 1970, eis que, de repente, quem vem de lá? Hein? “Apenas” João Gilberto! E eu não o conhecia pessoalmente. Meu Deus!

No meio do papo, João vira-se para mim e manda: “Nós somos de vocal, Aquiles! Nós sentimos a música de um jeito peculiar, só quem é de vocal sabe!” Sim, moçada, João Gilberto já integrou um grupo vocal!
Na música popular, quando a gente fala em vocal, quer dizer exatamente isso, cantar junto: daí vem a expressão “ser de vocal”, ser alguém que canta em coro.

Ora, o coral é a forma mais democrática de cantar, pois permite que a massa sonora invada a alma do vocalista e do ouvinte, lá se instalando para sempre. E eu, um “de vocal raiz”, reparto com o Ordinarius o amor pelo cantar junto que nos une e encanta.

O álbum  tem de tudo muito: gêneros musicais pop e fecundos; letras inspiradas; vocal esmerado, dando cama para que solistas deitem e rolem; alternância de solos com o canto em duplas e trios; arranjos com vocalises elegantes, permitindo ao ouvinte usufruir do som que só vozes cantando juntas permitem.

Revezando momentos de fervor vocal, afinados e plenos de dinâmica, com outros suaves, eles cativam os ouvidos de quem, por (des)ventura, ainda esteja acostumado a só identificar a melodia original de uma canção quando cantada por uma única voz.

Vale a pena ouvir o Ordinarius! O que eles fazem em Nós é popularizar o vocal, tornando-o totalmente apto a ser consumido por todas e todos que amam a nossa música popular. Ouvir esses craques é sacar que vocal é como aquela chuva prazenteira (lembram?) que encobre a fumaça vinda do fogo criminoso e permite que o sol surja, celebrando a natureza que renasce e teima em resistir à ação de imbecis.

Aquiles Rique Reis
Nossos protetores nunca desistem de nós

 

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