IESA RODRIGUES
Lixo é luxo
Publicado em 15/07/2023 às 09:02
Alterado em 15/07/2023 às 11:10
“Pronto, lá vem a Iesa de novo com estes papos de sustentabilidade”, pensam os que me lêem. Só que desta vez trago provas! O que vi em dois dias, na terça e na quarta-feira, em meio a expectativas de ciclones no sul do país, demonstrou que há muitas possibilidades de proteger a Natureza e salvar o planeta dos poderes poluidores da moda.
Um evento que reuniu mais de 150 expositores, com cerca de mil materiais novos, palestras que valem a pena serem ouvidas e visitantes de outros países: esta foi a 28a edição do Inspiramais. Um salão que começou em 2004 lançando couros e produtos para a indústria de sapatos e bolsas, no centro de convenções do shopping Frei Caneca, em São Paulo, agora ocupa boa parte do grande pavilhão da FIERGS (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre.
Atração 1
Sem dúvida, a grande estrela desta edição foi Homo Faber (o homem que faz), como é conhecido o gaúcho João Maraschin, nascido em Caxias do Sul, atual professor na London School e designer preocupado 100% com sustentabilidade. Cerca de 60 artesãos pagos trabalham para ele em Itabira (Minas Gerais). Mareschin já trabalhou na JW Anderson, Gucci, Alexander McQueen (“nem acreditei quando me telefonaram para uma reunião, achei que era trote”, comentou no talk durante o salão. Lançou a primeira coleção autoral em 2019, pouco antes do lockdown da pandemia. Mas em outubro estará com a sexta coleção chamada Lar, desfilando na semana de Paris. E como é a roupa assinada pelo Maraschin e pelos artesãos, que bordaram, cortaram, modelaram? As formas simples são tricotadas de ourelas de tecidos, que normalmente virariam estopa ou recheio de almofadas. Na coleção, é um cardigã, que vendeu 600 peças na Alexander McQueen. Um pretinho básico, curtinho, foi feito de tiras de câmaras de pneu. O look de tricô laranja? A matéria-prima vem das praias cariocas, é um crochê de fios de rede de pesca. E o lindo casaco curto? De palha! Ih, um vestido com um padrão estampado que lembra Mondrian! Estampado que nada, é um espetáculo, porque as cores são miçangas bordadas sobre uma base crua. Por fim, a alfaiataria com bordados figurativos, com linhas penduradas, como inacabados. Uma compradora colombiana só comentou “Estoy emocionada”.
Atração 2
A variedade de materiais sugeridos pelos expositores. Teremos couros prateados em diversas versões, as pythons continuam, mas os pirarucus são mais fortes – a maior parte tem passagem direta para a Europa. Muito brilho nos acessórios, como fivelas, broches de gáspea. Dois materiais me impressionaram: os “couros” feitos com folhas de orelha-de-elefante, planta parente da taioba, do curtume Kaeru, de Três Rios (estado do Rio)
E o que a empresa Repreve faz com as garrafas PET? Elas são transformadas em flocos, em bolinhas de resina e finalmente em fios. Nunca escondi que não acho a PET um material confortável de vestir. Mas fui convencida por uma renda! Sim, uma renda delicada, tecida com algumas das 35 bilhões de garrafas coletadas desde 1971. E a roupa feita com o fio pode ser reprocessada! “Trabalhamos hoje para o bem do amanhã”, disseram Daniela Azevedo e Andrea Santoniello (marketing da Repreve).
Atração 3
Praticamente o pilar do Inspiramais, Walter Rodrigues organiza a pesquisa toda, seleciona os materiais, faz a consultoria e o conceito geral. Conversa com todos, apresenta o Rodrigo Zen, da tecelagem Capricórnio, de Brusque (Santa Catarina), que produz cinco milhões de metros de jeans. Por década? Por ano? Não: por mês! Segundo Rodrigo, o jeans terá um conceito cada vez mais elevado. Se nos desfiles internacionais foi visto o tecido igual ao jeans, todo feito de miçangas, é sinal de que o estilo tão democrático terá versões de super luxo.
Para Walter depois de catástrofes, como foi a pandemia, sempre surgem inovações. Depois do isolamento, nota-se a necessidade de produtos que explorem a sensualidade. “Pelo jeito, 2024 será uma versão de Sodoma e Gomorra”, definiu, brincando. “Será uma explosão de sensualidade, com transparências, inspiração em lingerie, aspectos crus e pés desnudos”, explicou Walter, que insiste em não voltar a ser designer dos vestidos maravilhosos que desfilava nas semanas de moda nacionais e internacionais. Mas vende preciosas peças do seu acervo na Galeria 12, em Caxias do Sul. E promete abrir o alcance do Inspiramais, apostando no segmento pet – não das garrafas e sim dos bichinhos de estimação, mercado que movimenta R$ 32 bilhões7ano.
O lado negativo
Se até a saga Star Wars tem seu lado mau, o Darth Vader desta história tão louvável de sustentabilidade e talento é...a ganância dos supostos fornecedores. Até pouco tempo, as empresas têxteis ficavam felizes por se livrarem das sobras, retalhos e resíduos. Acreditem: agora estão cobrando pelo lixo que sobra.
O saldo positivo desta edição: o Inspiramais fechou com mais de US$ 42 milhões em negócios.
Daí o título desta cobertura do Inspiramais: o lixo é um luxo.