Histórias de profissão
Há uma curiosidade sobre como começar uma carreira falando de moda, seja na mídia impressa, como influenciador ou em palestras. O tempo rápido parece engolir as histórias. Para responder um pouco às perguntas, pensei em contar duas experiências: a minha própria e a do José Augusto Bicalho, brilhante criador de moda. Por que o Zé? (desculpem, mas a convivência nas entrevistas e eventos me permite chamá-lo de Zé. E o Tufvesson, que me reprimo para não chamar de Carlos Alberto? “Só minha mãe me chamava assim”, reclama ele. Como considero todos uma espécie de filharada…)
A justificativa do Zé ser meu companheiro desta história: eu e ele começamos desenhando e mal pegamos em papel e lápis depois! Edito por fases:
O começo
Zé: comecei a desenhar ainda no primário – enchia as laterais dos textos que fazia com muitos desenhos. Sempre havia mulheres em meus rabiscos. Despertei para o desenho de moda, frequentando a Biblioteca Thomaz Jefferson (em Copacabana / esquina de Santa Clara com Av. Atlântica). Financiada pela embaixada americana, recebia todas as revistas e jornais de moda rapidamente. Vi no WWD a moda em desenhos... gostei!!
Eu: eu desenhava desde sempre, mas no ginásio tirava 01 em desenho, no colégio de freiras em Porto Alegre. Uma professora do LaFayette, aqui no Rio, ensinou a desenhar vasos de flores, garrafas e bustos, em carvão. Depois cursei Design e Artes Gráficas no Rio, na Escola de Belas Artes, porque queria ser paginadora de jornal.
Entrada no circuito
Zé: Treinei e levei meus desenhos a Bloch Editores, via Rubens Gerchman, e virei colaborador anônimo. Dali segui para o Diário de Notícias e Correio da Manhã.
Fui chamado por Nina Chaves (editora do feminino de O Globo) e tive que largar todos (Bloch, CM e DM). Afinal, eu, com 19 anos, buscava um emprego fixo e O Globo me ofereceu isto! Sempre ligado à moda, nos primeiros quatro meses fazia desenhos de roupas indicadas pela Nina. Depois deste tempo, ela me deixou livre para escolher o que desenhar. Até criei algumas roupas misturadas com as que reeditava vendo fotos da Vogue, do Bazaar, Linea Italiana, Nineteen etc...
Eu: Fui praticamente empurrada pelas colegas da Belas Artes para uma vaga no Jornal do Brasil, onde precisavam de uma desenhista de moda. Quem nos recebeu, e apresentou para a Gilda Chataignier, editora do caderno Feminino? Evandro Teixeira! Fiz um teste de uma semana e agradei. Fui desenhista por uns 2 anos, depois por acaso fiz um texto sobre a coleção do Sr. Chagas, o sapateiro das colunáveis na época. Resultado, caí na reportagem, desenhei muito menos. Mas fui a uma Fenit (na época, o maior salão e feira de moda, em São Paulo) e assisti uma apresentação do fundo de uma sala escura. Meu primeiro desfile, e era Valentino! Naquele momento decidi: é isso que quero fazer: acompanhar as coleções, combinando com os conhecimentos de Arte que já tinha. Para mim, até hoje, moda é Arte.
Continuamos…
Zé: Quando eu já tinha “descoberto” a moda já informava à equipe do “Ela” (caderno feminino do Globo) tudo sobre o mundo fashion. Isto auxiliava muito às repórteres. Por isso Nina me enviava a Paris no inverno (coleções de verão) já que ela não suportava o frio. Fiquei no Globo por 7 anos.
Eu: não saí da imprensa. Evoluí para o cargo de editora da revista Domingo, depois de uma temporada na editora Abril e na Rio Gráfica. Voltei ao JB para editar moda, decoração, turismo. Quando me aposentei, editei a revista Véu & Grinalda, as publicações do Werner (competente empresário e hair stylist), uma mais popular, Mulher Brasileira, superdivertida de fazer, com informações práticas (receitas ótimas). E desde 1980 fui para Paris acompanhar as semanas de desfiles. Parei na pandemia, pretendo recomeçar.
No auge
Zé: Saindo do Globo pensei em colocar em prática meu conhecimento sobre moda – em sociedade com o José Taranto, abrimos a Jo and Co (o início dos nomes dele e meu) em 1972/73. O ponto alto foi o desfile no Hotel Nacional onde fiz o final com as cores da Bandeira do Brasil. Todas as publicações de moda (sem timidez) me destacaram com capas e editoriais onde me colocavam em edições especiais. Esta foi a melhor fase e ela continuou por anos, até encerrarmos a Jo and Co em 1994.
Eu: continuei acompanhando os lançamentos. Tive o privilégio de assistir ao Moda Rio, um dos eventos mais corajosos da moda, com os grandes nomes dos anos 1970. Viajei e encontrei Mauro Taubman, dono da Company, pioneiro no estilo que misturava street e sportwear. Visitei o apartamento da Chanel, entrevistei Mario Testino, quase um amigo até hoje. Mas nunca troquei a moda brasileira pela internacional. Falando da Jo and Co, cheguei de manhã de Paris e me mandei para o Hotel Nacional, em São Conrado, para ver o show dele. Um dos mais bonitos e coerentes que vi, daqueles que você não quer que acabe.
E depois?
Zé: Decidimos encerrar a Jo and Co em 1994, por vários problemas no setor que não foram só nossos, muitas marcas também encerraram suas atuações na moda no mesmo período. A pior fase foi quando enfrentamos a FAC com o governo federal (Brasilia – Min. da Indústria e Comércio). Fomos proibidos de mostrar nosso trabalho sem estarmos ligado a empresas que faziam feiras de moda. Até os hotéis e outros pontos de desfiles receberam comunicados para não aceitarem nosso desfile. Foi muito triste... perdemos a “empolgação”...nos fechamos nos show-rooms
Eu: foi uma época de muito trabalho. Era frequente sair da sede na Avenida Brasil com o sol raiando, depois de ter chegado às oito da manhã. Sempre que viajava, fazia questão de conhecer outras redações de jornais. A que mais se aproximava do JB era do Miami Herald. Mas nem os banheiros, nem os lugares de comer ou a arrumação das editorias se comparava com a nossa. De vez em quando voltava a desenhar! O jornal fornecia canetas Rotring com várias pontas, um luxo. Em casa, era lápis, pena e nanquim. Atualmente vale uma Zebra ou uma Bic preta mesmo…
Voltaríamos?
Zé: No Globo fiquei nos anos 70/80. No final dos anos 80 fiz o ESMOD (Paris) mas sou autodidata desde sempre. Mas NÃO começaria tudo de novo não. Fui feliz, muito feliz com tudo o que me aconteceu. Sou agora um expectador do mundo fashion sem fronteiras.
Eu: mantenho o fascínio pela criação, pelas coleções, os novos conceitos. Tenho o site, o primeiro brasileiro de moda, graças aos conselhos da amiga Andrea d'Egmont: quando comentei que queria publicar um jornalzinho especializado, ela me alertou que o Futuro era a Internet. Isto, em 1991, quando começavam os grandes eventos brasileiros, com o Fashion Rio! Só NÃO voltaria ao esquema de 8 às 8h, perdi muito o contato com a família. Chegava em casa as crianças quase dormindo, reclamavam que a mãe cheirava a cigarro, porque a proibição demorou a chegar nos ambientes fechados.
O melhor do trabalho eram as reuniões de pauta das 18h, com toda a redação, uma equipe incrível. Aliás, pauta e texto sempre foram meus favoritos. Quanto ao desenho, estou empenhada em usar o iPad, mas ele é mais lento do que o lápis e papel…
Afinal, devo ter feito algo certo, porque atualmente o filho escreve sobre basquete no jb.com.br e a filha é fotógrafa de moda, me acompanha nos eventos pelo mundo.
Zé, encerra aí:
Curto sim a publicação, temos que ficar informados e centrados em tudo. A publicação on-line é necessária; temos que sentir o momento.
(vejam as postagens do José Augusto Bicalho no Facebook. Parte da história da nossa moda está nas fotos e páginas que ele publica)