Sustos na rua

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Final da Kundalini, na frente da multimarcas Opinião, em Ipanema

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Eventos também têm modismos. No Rio de Janeiro está pegando a onda do desfile na rua, com plateia em pé. Impossível não lembrar das coleções de lindas blusas brancas e vestidos com estampas de pipas que a Marilia Vals, autora da Blu-blu, mostrava abaixo de chuva, na rua Vinícius de Moraes. Ou a sorte do Ocimar Versolato de desafiar o clima chuvoso de outubro, desfilando em um pátio na Place Vendôme, em Paris.

A multimarcas Opinião está agitando as redondezas da Praça Nossa Senhora da Paz. Em dois desfiles, está criando um público para suas marcas. Depois da estréia, com Tóia e Frankie Amaury, nesta semana foi a vez de duas coleções muito especiais, com uma plateia que incluiu o estilista Marcelo De Gang e Claudio e Helena Silveira, produtores do Dragão Fashion em Fortaleza.

Kundalini, direto da Índia

 

Nos anos 1990 a jovem Claudia Gaio morava em Nova York. Mas sempre sonhou em ir para a Índia.

“Não sabia de nada, já curtia ioga, meditação, e só. Comprei a passagem mais barata, sem prestar atenção em rota, companhia aérea, escalas. E lá me fui de Pakistan Airlines, com parada em Frankfurt e no Cairo para enfim chegar a Bombaim (na época. Agora a cidade se chama Mumbai). Cheguei e me apaixonei pela Índia”.

 


Além do encanto pelo país, Claudia começou a trazer acessórios para vender no Brasil. “Vendi muitos lenços para MaraMac, Maria Bonita, Animale. E descobri em Jaipur o processo de estampa com block print, uma espécie de carimbo milenar”. Foi o que Claudia, que abriu a marca Kundalini, mostrou na tarde de quarta-feira: roupas em algodão, com flores e o tradicional padrão Paisley ou Cashmere, típico indiano, em azul turquesa, verdes, tons de joias em modelagens amplas ou transpassadas, do tipo que veste bem todos os tipos físicos. Como a estampa é artesanal, são muito próximas da exclusividade. Os preços começam em R$ 700. E agora, 15 anos depois, Claudia Gaio trocou a Pakistan Airlines pela Emirates ou pela Qatar Airways, quando vai supervisionar pessoalmente os efeitos do block print.

Denise Faertes, um desafio

Em algumas décadas de trabalho, poucos desfiles me deixaram sem saber o que escrever. Como o primeiro que vi da Comme des Garçons: em plenos anos 1980, quando a moda corria para as bandas do luxo. Foi um susto ver as modelos descabeladas, esfarrapadas, de preto. Escrevi algo apocalíptico, uma unanimidade entre as colegas editoras, numa época que só se conferia outras opiniões no dia seguinte, nos jornais.

Pois a Denise Faertes provocou um efeito parecido. Não apocalíptico, porque era muito bonito. Mas o que era aquilo? Bordado, pintura, colagem? Quando passou a última modelo com uma sereia ondulando na frente de um longo preto, corri atrás da Denise para saber do que se tratava. E veio a história:

 

“Esta capa foi minha teses de mestrado em Milão. Reúne todo tipo de amuletos brasileiros, judaicos, da kabala. Sou engenheira, mas queria fazer Arte. Já fiz figurino de novelas, participei do coletivo Carandaí25”.

A informação mais importante: as roupas são pinturas sobre tela branca. Não fica um milímetro em branco, os temas misturam dadaísmo, surrealismo, Art Déco, referências como a árvore da vida, religiões, sereias. Uma pintura perfeita, lisa. Este tipo de trabalho bonito artisticamente, costuma falhar na modelagem ou no acabamento. Não nas obras da Denise, porque cada peça tem forro – alguns de onça -, bolsos externos e internos. E porque a base da moda da artista é a alfaiataria, aprendida em Milão.

Como se não bastasse, além das peças pintadas, que são reproduzidas por encomenda em cerca de 15 dias, há uma linha de passamanarias entremeadas com frases bordadas e fitas, costuradas uma a uma. E alguns vestidinhos pretos, de alças quadradas, para usar com extravagantes colares.

Enfim, decifrada a criação da Denise Faertes. E a Comme des Garçons virou marca de tendências, com técnicas inéditas de costura, propostas de cores além do preto. Muito bom, levar uns sustos assim, ver algo indecifrável, que sempre apresenta gente fora da corrente.