A epístrofe intimista de Bill Frisell

Por

Confesso que a palavra epístrofe não fazia parte do meu vocabulário corriqueiro. Para mim, era apenas uma memória de uma ótima música do gênio do piano Thelonious Monk. Porém, recentemente, epístrofe (que significa uma figura de linguagem que consiste na repetição da mesma palavra ou expressões no final de cada oração ou verso) voltou a aparecer na minha vida, desta vez como título do novo disco do exímio guitarrista Bill Frisell e do baixista Thomas Morgan, gravado pela ECM Records.

O som de Frisell é um dos que mais me agrada no universo dos guitarristas jazzísticos. Já esteve aqui na coluna em trabalhos com Charles Loyd e em “Lebroba” com Andrew Cyrille. Pela primeira vez ele assumiu o comando deste duo com Morgan, gravado ao vivo no maracanã dos clubs de jazz, o mítico Village Vanguard, há três anos atrás. Um “prato cheio” para os amantes do jazz.

Em 2017, quando a ECM Records lançou “Small Town”, além de capturar a profunda intimidade, surpreendente sintonia e enorme capacidade musical, gerou uma expectativa no público de que não seria o único. Assim, atendendo tais anseios, dois anos depois, o Epistrophy capturou outros 68 minutos de interação íntima entre Frisell e Morgan, selecionados a partir do mesmo mês de março de 2016. O disco expande a compreensão musical compartilhada e a capacidade de Frisell e Morgan de se aprofundar em qualquer música que escolhem tocar; além de possuir sua própria narrativa, em grande parte devido a um conjunto selecionado de nove melodias que intercalam semelhanças e diferenças com “Small town”.

Assim, Frisell e Morgan embarcam em narrações impecáveis de clássicos conhecidos, em uma clara demonstração de suas habilidades extremamente entrosadas. É impressionante a capacidade que possuem de criar um som tão novo a partir de tantas músicas familiares. A começar pela faixa título, já citada, de Monk, que traz uma deliciosa influência do Blues e uma pitada rítmica que quase nos faz dançar. Monk aparece também em uma de minhas músicas favoritas, “Pannonica”, feita pelo pianista em homenagem a “baronesa do jazz” Nica Rothschild. É admirável como a guitarra de Frisell consegue trazer um emotivo lirismo a faixa com seus acordes bem colocados.

Ainda há espaço para outros grandes sucessos, como “Lush life”, escrita por Billy Strayhorn e eternizada pelo saxofonista John Coltrane, e “You only live twice”, tema (e nome) da versão cinematográfica de 007, interpretado por Sean Connery , e cantada em sua versão original por Nancy Sinatra. “In the wee small hours of the morning” fecha o set de maneira comovente, mais uma vez com variações líricas sequenciais de Frisell. Não poderia haver fechamento melhor.

“Epistrophy”, assim como “Smal town”, consolidam a simbiose de Frisell e Morgan, que juntos criam um padrão magnifico para apresentações intimistas ao vivo. Em tempos de epístrofe, podemos dizer que a dupla que nasceu para o jazz, viveu para o jazz, e no futuro sem duvida, terá sua musica eternizada no mundo do jazz.

BEBOP

Com a benção de João Gilberto

A cantora Hanna fará o lançamento oficial de seu novo disco “O amor é bossa nova vol.2 – tributo a João Gilberto”, no dia 7 de junho, na Casa Julieta de Serpa, no bairro do Flamengo. A cantora conseguiu um feito notável: As duas faixas de autoria de João Gilberto no disco foram autorizadas pelo próprio, exclusivamente para ela. Vale a pena conferir.

Ron Carter

A editora Tipografia Musical lança amanhã, em Belo Horizonte, o livro “Método prático de contrabaixo Ron Carter” , com direito a uma sessão de autógrafos do músico, que se apresentou em solos brasileiros na última semana. Imperdível.

Agenda

João Donato se apresenta nesta sexta-feira, no Blue Note Rio, às 20:00 hrs. No sábado, o Manouche recebe o cantor e poeta Mario Lucio, que já foi Ministro da Cultura de Cabo Verde, sua terra natal, em dois sets, as 20:30 e 22:30 hrs.