Miles Davis incendeia o Plaza
Numa recente conversa entre amigos, fui questionado sobre o motivo da ausência de clubes de jazz (e música em geral) nos hotéis da nossa cidade. Considerando a força turística e a extensa orla carioca, recheada das mais diversas redes hoteleiras, por que não seguir o exemplo de cidades como NY e Miami, que potencializam seus hotéis com grandes restaurantes, bares e boates?
Apesar da pauta polêmica, já que os jazzófilos tradicionais adoram os subsolos envelhecidos e não os suntuosos prédios onde se estabelecem os hotéis, este tema me lembrou de uma gravação histórica ocorrida em um famoso hotel e pouco falada no mundo do jazz.
Poucos sabem, mas seis meses antes da gravação de Kind of Blue, disco considerado a maior obra prima do jazz e o mais vendido até hoje, o famoso sexteto representado por Miles Davis no trompete, John Coltrane no saxofone tenor, Julian Cannonball Adderley no saxofone alto, Bill Evans no piano, Paul Chambers no contrabaixo e Philly Joe Jones (único que não participa de Kind of Blue) na bateria, se apresentou no famoso hotel Plaza, localizado na quinta avenida nova-iorquina.
Esta gravação, feita em 9 de Setembro de 1958, no salão “Persian” do hotel, se transformaria no disco “Jazz At The Plaza”, lançado quinze anos depois, em 1973, pela Columbia Records. Tratava-se de uma festa da gravadora, que comemorava sua atuação consolidada na divisão do jazz. Apresentações da orquestra de Duke Ellington e de Billie Holiday também estavam incluídas na programação. Não havia planos de uma gravação ali, com acústica não adequada e muito barulho do público, além de uma perceptível falta de disciplina dos músicos com o microfone.
Ainda assim, as quatro faixas reproduzidas nesta versão de quarenta minutos mostram claramente os rumos que o jazz estava tomando naquela época, com os talentos individuais de cada um seguindo uma interessante dinâmica, mantendo a conexão com a melodia dentro de suas ideias inovadoras.
“Straight No Chaser”, de Thelonious Monk, floresce a performance do grupo de maneira brilhante, de modo a deixar qualquer fã de jazz enlouquecido, principalmente pela alta velocidade de Miles entre os cortes. “My Funny Valentine”, composição que faz parte da minha educação no universo do jazz, aparece numa versão incrível, sem a presença do sax de Coltrane e Adderley, mas com toda potência de Miles (que improvisa e modifica parte da composição) amparado pela força do contrabaixo de Paul Chambers. “If I Were a Bell” é a faixa que mais sofre com a sonorização do local, mas mostra o sax de Coltrane dando indícios do futuro do jazz com sua agressividade e seus improvisos. Já “Oleo” evidencia os solos de Adderley com seus traços de funky e soul, que mais tarde seriam sua marca registrada em seus trabalhos como band leader.
Será que dá para sonhar com uma noite dessas por aqui? Não custa lembrar dos anos gloriosos do nosso Hotel Nacional, que recebeu grandes nomes do jazz no free jazz e em outros festivais. Basta querer.
Posso apostar minhas fichas que a turma do subsolo não vai se incomodar de pegar o elevador.
BEBOP
Coltrane vive
Os trabalhos de Coltrane seguem mais vivos do que nunca. Após a descoberta de “Both Directions at Once”, ano passado, vem aí “Blue World”, que traz faixas alternativas gravadas por Coltrane e seu clássico quarteto. A primeira delas, que leva o nome do álbum, já está disponível nas plataformas digitais.
Lançamentos
Agosto vem cheio de novidades no mundo do jazz. Nesta sexta-feira (23), a cantora Jazzmeia Horn lança seu novo e esperado álbum “Love and Liberation”, após o sucesso de “A Social Call”. No dia 30, é a vez da querida e magnifica pianista e cantora Eliane Elias lançar “Love Stories”, seu mais recente trabalho.