O OUTRO LADO DA MOEDA
Negociata? Refinaria produz o dobro e vale menos que baixa da RNEST
Publicado em 26/03/2021 às 17:49
Alterado em 27/03/2021 às 10:04
Pode uma refinaria que processa 333 mil barris de petróleo diários (a 2ª maior do Brasil), só perdendo para os 434 mil barris/dia da refinaria do Planalto (em Paulínia-SP), valer menos que a baixa do 2º Trem (ou 2ª fase de expansão da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca-PE), que nem foi concluída e processaria só 100 mil barris/dia?
Em outras palavras, como é possível uma expansão de refinaria que mal saiu do chão ter dado baixas contábeis de R$ 11,6 bilhões em 2014 (governo Dilma) e 2016 (governo Temer), que a dólar da época seriam US$ 3,3 bilhões, valer o dobro de uma refinaria pronta e acabada, que refina três vezes mais petróleo e ainda possui uma rede de 669 km de oleodutos e um terminal portuário?
Foi isso que a diretoria da Petrobras, com aprovação do Conselho de Administração, fez, no governo Bolsonaro, nesta 4ª feira, 24 de março, quando anunciou a venda da Refinaria Landulpho Alves, a 1ª refinaria do país, que iniciou atividades em 1950, no município de Vila do Conde, no Recôncavo Baiano, antes de a Petrobrás ser criada, em 3 de outubro de 1953, por Getulio Vargas. A desvalorização do real explica parte da diferença, mas não é tudo.
Crime de lesa-pátria aprovado
Os nacionalistas defensores do monopólio da Petrobras (que a grifam com acento) consideram um “crime de lesa pátria” a transação. Esta é a primeira de uma série de oito refinarias que seriam postas à venda pela estatal para reduzir (segundo o último Plano de Negócios e Gestão) em 50% sua capacidade de refino (que ficaria concentrada no Rio e em São Paulo), desfazendo-se das unidades do RS, PR, MG, BA, PE, CE, RN, e AM.
As vendas visariam abrir espaço à liberdade no mercado de combustíveis no país. Em nome desta abertura à competição, no Brasil, que se tornou autossuficiente em petróleo desde 2015, mas não em combustíveis (o consumo de diesel e GLP excede ao que se extrai normalmente de um barril de petróleo), os preços internos dos derivados do petróleo vêm sendo ajustados aos do mercado internacional, com a devida atualização da taxa de câmbio. Isso fez disparar os preços em 2018.
Na época, em plena campanha eleitoral, os caminhoneiros, apoiados pelo então candidato Jair Bolsonaro, fizeram a greve que parou parcialmente o país em maio e junho. A escalada de agora - após um ano de baixa, devido à retração do consumo mundial pela Covid-19, os preços do barril entraram em escalada desde dezembro de 2020 - gerou a troca no comando da Petrobras.
[não fecho 100% com a corrente nacionalista e considero que o dogma nos fez perder tempo e oportunidades quando sentamos em cima das reservas do pré-sal (descoberto em meados de 2006), suspendendo os leilões de áreas de exploração. Eles foram retomados há três anos, mas o mercado já tinha mudado em uma década, com o avanço de energias alternativas (solar, eólica, principalmente) e o desenvolvimento dos automóveis, ônibus e caminhões elétricos, o que pode reduzir bastante a demanda do petróleo. Alguém deve pagar por esse erro estratégico. Fomos o último país a abolir a escravidão. Agora corremos o risco de sermos os últimos a perder o boom do carro elétrico por insistirmos no “bonde” dos carros movidos a gasolina, etanol ou diesel].
Vale dizer que ainda no governo Dilma foram aprovadas pela diretoria da Petrobras a venda de ativos, incluindo algumas refinarias, sem definição de quais. A gestão Pedro Parente, no governo Temer, indicou quatro: Alberto Pasqualini, que refina 201 mil b/d em Esteio, próximo a Porto Alegre, a Getulio Vargas, em Araucária-PR, que refina 207 mil b/d, a RLAM (Landulpho Alves, na Bahia, e a problemática Abreu e Lima (PE).
No governo Bolsonaro, a gestão de Roberto Castello Branco, que deve ser substituído em abril pelo general Joaquim Luna e Silva, ex-diretor geral de Itaipu Binacional, dobrou a aposta e incluiu as refinarias Gabriel Passos (que refina 150 mil b/dia próximo a Belo Horizonte), Isaac Sabbá (46 mil b/dia em Manaus), Lubnor (fábrica de lubrificantes no Ceará, que refina 8 mil b/d) e a polêmica refinaria Abreu e Lima (PE).
RLAM X RNEST
A refinaria Abreu e Lima foi lançada em 2005, ainda no 1º governo Lula, com o custo estimado em US$ 2,5 bilhões (em conta de padaria, segundo o então diretor de Refino da Petrobras, Paulo Roberto Costa, cumprindo pena com uso de tornozeleira eletrônica por sucessivos superfaturamentos em projetos da estatal). Com a estimativa, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, se dispôs a entrar com 40% do custo, via PDVSA (que entraria com petróleo).
Acontece que os preços foram explodindo com os superfaturamentos e a alta do dólar e Chávez pulou fora quando o orçamento já tinha dobrado (em dólares). Os custos da refinaria passaram de US$ 18,5 bilhões (a preços de 2015 – hoje seriam US$ 10 bilhões. Mas o descalabro dos custos pode ser medido pelas baixas contábeis que a Petrobras fez ainda na gestão Ademir Bendine (governo Dilma), quando descartou a expansão da 2ª fase (pelo menos 140 mil barris dia).
Projetada para refinar 230 mil b/dia, sendo de 70% a produção de diesel A-10 (menos poluente) e os 30% restantes de outros derivados, o dobro da conversão normal das outras refinarias, a refinaria do Nordeste (RNEST na nomenclatura da Petrobras) ficou reduzida à produção do 1º Trem (1ª fase), com 170 mil barris/dia.
Pois em 2014, o descarte contábil da 2ª fase, que custou (a preços de 2014) R$ 16,488 bilhões, mas foi avaliado (a preços de mercado, devido à queda do barril de petróleo e o custo descontado, antecipado das despesas financeiras em dólar) por apenas R$ 7,345 bilhões (não valia levantar o defunto do chão), representou um prejuízo (“impaiment”) de R$ 9,143 bilhões. Em 2016, com ajustes de preços do barril do câmbio, houve nova baixa de ER$ 2,531 bilhões.
É curioso, mas a venda total da RLAM, que produz quase o dobro do que produz a 1ª fase da RNEST, custou exatamente R$ 9,1 bilhões, segundo o comunicado da Petrobras do dia 24 de março. É certo que o câmbio altera parâmetros, mas parece claro que a última avaliação da 1ª refinaria do Brasil feita em novembro do ano passado – foi num período de baixa do barril.
Em novembro, a cotação à vista do Brent (petróleo do Mar do Norte, referência mundial) estava em US$ 48 e as projeções para os próximos cinco anos chegaram ao máximo de US$ 52. No dia 23 de março, véspera do anúncio, tinha caído para US$ 60 e já subiu para US$ 64 no dia 24, com o encalhe do navio de contêineres no canal de Suez. Hoje, o barril à vista valia US$ 62. O ano de 2021 deve fechar próximo a esse nível, segundo os contratos futuros de hoje, que apontam o barril acima de US$ 54 até junho de 2026.
Não pode, portanto, ter sido um bom negócio. Está mais para mau negócio do que para negociata, como a construção da Refinaria Abreu e Lima. Mas merece rigorosa apuração. Abaixo, para conferir o release da Petrobras.
O comunicado oficial da Petrobras
“Assinamos nesta quarta-feira (24/3), o contrato de venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), em São Francisco do Conde, na Bahia, e de seus ativos logísticos associados para a Mubadala Capital pelo valor de US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 9,1 bilhões). A assinatura do contrato de compra e venda ocorrerá em breve.
“O contrato prevê ajustes no valor da venda em função de variações no capital de giro, dívida líquida e investimentos até o fechamento da transação, e que a operação está sujeita ao cumprimento de condições precedentes, tais como a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
“A refinaria será a primeira dentre as oito que estão em processo de venda a ter o contrato assinado. A venda da RLAM está em consonância com a Resolução nº 9/2019 do Conselho Nacional de Política Energética, que estabeleceu diretrizes para a promoção da livre concorrência na atividade de refino no país, e integra o compromisso firmado pela Petrobras com o CADE para a abertura do setor de refino no Brasil.
“Após a venda das oito refinarias, a Petrobras permanecerá com uma capacidade de refino de 1,15 milhão de barris por dia (bpd), com foco na produção de combustíveis mais eficientes e sustentáveis. Para isso, investiremos em tecnologias para tornar nossas refinarias duplamente resilientes, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. A projeção é dobrar, em 5 anos, a oferta nessas refinarias de Diesel S-10, de menor emissão, e a custos cada vez mais competitivos.
“O processo de desinvestimento da RLAM, aprovado pelo nosso Conselho de Administração nesta data, teve início em maio de 2019, portanto, há 23 meses aproximadamente, e seguiu rigorosamente a Sistemática de Desinvestimentos aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O projeto de desinvestimento da RLAM teve sua aprovação recomendada pela Comissão Interna de Alienação e foi aprovado em todas as instâncias da nossa governança corporativa, desde o Comitê Técnico Estatutário formado por gerentes executivos de diversas áreas da companhia, passando pela Diretoria Executiva.
“Nessas duas últimas instâncias, recebeu aprovação unânime. Foram realizadas diversas reuniões prévias com tais órgãos, incluindo o Comitê de Investimentos, que assessora o Conselho de Administração. A companhia atendeu a todas as questões apontadas em auditoria da Controladoria Geral da União e às indagações formuladas pelo TCU”, dia a nota de imprensa da estatal.