O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

O OUTRO LADO DA MOEDA

A representatividade empresarial: Fiesp e Firjan

.

Publicado em 07/07/2021 às 18:10

Alterado em 07/07/2021 às 18:11

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

A Federação da Indústria do Estado de São Paulo, a Fiesp, mais poderosa e representação empresarial do país trocou de guarda. Depois de 17 anos de reinado de Paulo Skaf, o empresário Josué Gomes, presidente da Coteminas, a maior indústria têxtil do país, foi eleito 2ª feira em chapa única para um mandato de três anos. Josué, que já presidiu a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), quando Skaf foi eleito para a Fiesp, é filho do ex-vice-presidente da República nos governos Lula, José Alencar.

A chapa concorrente, encabeçada por José Ricardo Roriz, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e do Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo foi impugnada. Assim, a chapa única teve 97% dos votos (104 das 113 entidades). A troca de guarda é bem-vinda, menos para o presidente Jair Bolsonaro, que tinha apoio de Skaf. Mais longevo dirigente, superando os 13 anos de Theobaldo de Nigris na ditadura (1967-80), quando foi sucedido por Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Skaf, há muito, exercia mais atividades na área de serviços do que na indústria.

A representatividade das classes empresariais, muitas vezes não combina com os discursos sempre reivindicando reformas e a modernização do ambiente de negócios. Vejam o caso da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. A Firjan é presidida, desde 1995, por Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira. Reeleito em 2020 para mais quatro anos, ao vencer Angela Costa por 58 a 42 votos, será o mais longevo presidente da entidade (desde o antigo Distrito Federal), superando a Mário Leão Ludolf.

O golpe na Firjan

Na reforma do Sistema Firjan, em 1994, concebida pelo então presidente Arthur João Donato, empresário da indústria naval (Estaleiro Caneco) que além de construir a atual sede da entidade, unificou as diversas representações (centro das indústrias e associações sindicais regionais, incluindo as unidades do Sesi e Senai), foi estabelecido nos estatutos que um presidente só teria direito a uma reeleição. E para 1999 havia um prévio “acordo de cavalheiros” pelo qual o 1º vice-presidente, Márcio Fortes, seria o candidato da situação. Mas Eduardo Eugenio, que então representava o poderoso grupo Ipiranga (refinaria de petróleo, petroquímica e distribuição de combustíveis), desfez o acordo e se reelegeu para o 2º de vários mandatos, ao promover a reforma dos estatutos legada por Donato.

Mesmo com a perda da representatividade do grupo Ipiranga (vendido em 2010 numa operação em que a distribuidora de combustíveis foi comprada pelo grupo Ultra e os negócios petroquímicos ficaram 40% sob controle da Petrobras e os restantes nas mãos da Braskem, controlada pela Odebrecht e com participação de 47% da Petrobras), Eduardo Eugenio continuou representando a indústria fluminense. Sua atividade industrial está praticamente restrita à fábrica de sucos Greenpeople, em Três Rios, que tem como sócios o empresário de moda Oskar Metsavaht e o apresentador Luciano Huck. Para ganhar votos reativou entidades cujas atividades caducaram, como o sindicado das chapeleiras de Petrópolis e outras congêneres.

Apoiador do presidente Bolsonaro e próximo do ministro da Economia, Paulo Guedes, o grande feito de Eduardo Eugenio foi ter contornado o ímpeto de Guedes, que prometeu na formação do governo (que usou as instalações da Firjan) “dar uma facada no Sistema S (Sesi-Senai, Sesc-Senac, Senast, Senar, Sebrae). Após várias ameaças de cortar em 50% as contribuições empresariais obrigatórias de 2,5% do faturamento às entidades da indústria, comércio, serviços de transporte, agricultura, cooperativas e pequenas empresas, a alíquota foi reduzida a 1,5% durante a pandemia, no ano passado.

Na CNI, Robson Andrade, vai completar 12 anos

Chega a ser engraçado quando as lideranças empresariais fazem a defesa de postulados democráticos, que não são aplicados em suas entidades. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), é presidida desde 2010 pelo empresário mineiro Robson Andrade. Seu 3º mandado (4 anos) termina em 2022. Robson Andrade é dono a Orteng, uma fábrica de equipamentos e sistemas que atende diversas indústrias de ponta, como petróleo, petroquímica, mineração, transportes e comunicações.

Embora tenha o maior capital imobilizado e gere empregos de alta remuneração, a indústria brasileira há muito deixou de ser o carro-chefe da economia. A indústria de transformação chegou a pesar quase 30% no PIB no começo dos anos 70 e hoje representa menos de 13% e a indústria extrativa mineral fica com menos de 4%. As atividades de utilidade pública (eletricidade, comunicações, água e esgoto) e a construção completam a posição da indústria geral, cuja fatia é hoje em torno de 22% do PIB.

Há vários fatores para isso. A robotização e os processos automatizados encolheram a mão de obra empregada na indústria. Não deve ser esquecido que a terceirização encolheu o quadro de pessoal. Nos anos 70, uma Volks ou uma Ford, tinham quadros próprios para os serviços administrativos, alimentação e limpeza das unidades. Com o tempo, foram terceirizadas, acompanhando a atividade de segurança. Isso deslocou pessoal e faturamento da indústria para os serviços, mas é ignorado nas análises setoriais.

Nova agenda?

O protagonismo assumido pela China e países do Sudeste asiático na produção industrial também afetou o perfil da indústria brasileira, que não tem escala para competir em determinados setores, como o têxtil, o aço e eletroeletrônico. De acordo com dados do IBGE, o setor industrial de maior peso na formação do produto é a indústria de alimentação, que saltou de 10,29% para 17,97% no ano passado, tomando o lugar da indústria de coque de petróleo e derivados, que encolheu de 14,21% para 11,98%. A indústria química subiu de 7,7% para 8,75%. O maior tombo foi da indústria de veículos e autopeças (além da retração do consumo, no Brasil e na América Latina, seu mercado de exportação, faltaram componentes eletrônicos (chips) do Sudeste asiático e a produção cedeu de 10,84% para 7,4% em peso no PIB industrial.

O fenômeno de redução do papel da indústria no PIB, com a expansão do setor de serviços (hoje mais de 10% do PIB), é realidade em todas economias modernas. Lamento não ver os empresários discutindo os modelos de energia (vitais à indústria) e os impactos da robótica e da banda 5 G nos rumos da indústria brasileira. Espero que Josué Gomes de Silva traga nova agenda.

Na essência, os empresários são geralmente conservadores. Para não se expor e correr o risco de investigações fiscais em seus negócios (muito usado nos governos militares e em períodos de falta de transparência e interferência do presidente da República, como no governo Bolsonaro), os empresários procuram se manter na penumbra e não avançar muito nas opiniões políticas.

Quando era presidente da Fiesp, em 2002, diante do avanço do candidato do PT, Luís Inácio da Silva, Mário Amato anunciou, com alarde, que haveria uma fuga de empresários do Brasil. Isso forçou Lula a fazer a Carta aos Brasileiros, em junho de 2002, com ajuda de Emílio Odebrecht, e convidar o senador José Alencar, fundador da Coteminas, a ser seu vice na chapa. No 1º mandato, Lula adotou ação conservadora na política econômica. Que era criticada por seu vice, no tocante aos juros.

Vale lembrar que na metade dos anos 70, no governo Geisel, um movimento liderado por jovens empresários da indústria de base, como Cláudio Bardella, começou a propor novo relacionamento entre os empresários e o Estado. De certa forma, até o general Geisel não se opunha ao movimento, que ajudou a fazer a política de distensão política e abertura, lenta, gradual e segura, rumo à redemocratização e à anistia em 1979. Qual a liderança empresarial moderna que está pensando o Brasil para os desafios da indústria 4.0 e pós covid-19?

As guinadas de Paulo Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu uma fraquejada hoje e admitiu, na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, que já trabalha com a hipótese de, pelo menos, o governo Bolsonaro chegar até o fim do atual mandato. Durante a campanha, quando se engajou na candidatura do ex-capitão e deputado federal pelo PSL-RJ), Paulo Guedes dizia que estava na hora de a democracia brasileira, após anos de alternância da “centro-esquerda” (PSDB-PT), ter uma alternativa de “conservadores e liberais”.

Hoje, ante as acusações de corrupção e má gestão da Covid-19 e em várias áreas, como a própria Economia - que deixou a inflação se instalar na faixa de 8% a 10% em várias cidades brasileiras, geriu mal a taxa de câmbio que empurrou os alimentos mais para de 15% em 12 meses e os combustíveis a mais de 20% -, que podem levar à instauração de processo de “impeachment” contra o presidente Jair Bolsonaro, Guedes fez uma sutil adaptação do discurso:

— Eu quero acreditar que a democracia brasileira nos permita ter um governo de quatro anos. Depois de 30 anos de centro-esquerda, será que não pode ter quatro anos de centro-direita? — questionou o ministro.

No gás natural, guinada de 180 graus

Não vou aqui levantar as diversas promessas furadas do ministro da Economia, como a privatização de R$ 1 bilhão e a arrecadação de outro bilhão com a venda de imóveis da União. Vamos ficar só na promessa do choque da redução de 30% a 50% no preço do gás natural, que alardeia desde fins de 2019, para forçar o Congresso a aprovar o novo marco regulatório do gás.

Como geriu mal o câmbio e o preço do gás é essencialmente decidido no mercado internacional (como parâmetro, o barril do óleo Brent subiu este ano de US$ 50 para US$ 75), a Petrobras anunciou ontem alta de 7% para o gás natural no período agosto-setembro-outubro. Como em maio-junho-julho tinha havia aumento violento de 39% (no 1º trimestre houve forte aumento do gás no exterior e o dólar não estava em queda), o aumento acumulado este ano chega a 48,73%. Ou seja, uma guinada de 180° em relação ao que prometeu Guedes.