
O OUTRO LADO DA MOEDA
Americanas e Marisa, um casamento 40 anos depois?
Publicado em 06/08/2021 às 15:47
Alterado em 06/08/2021 às 15:47

O vazamento do namoro das poderosas Americanas S.A. e Lojas Americanas S.A. com as Lojas Marisa S.A. pode apenas adiar a data do casamento de três empresas veteranas que podem criar o maior gigante do varejo brasileiro. As Lojas Americanas foram fundadas em 1929, em Niterói, antiga capital do velho Estado do Rio de Janeiro, pelo austríaco Max Landesmann e três empresários americanos, que abriram o capital da empresa em 1940. Surgidas em 1948, as Lojas Marisa, de Bernardo Goldfarb, compraram em 1982 as Lojas Brasileiras, criadas, em 1944, por Mário Basbaun.
Também em 1982, poucos meses após essa operação, o trio de controladores do então Banco Garantia, Jorge Paulo Lehman, Marcel Herman Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira, comprou o controle das Lojas Americanas. Foi a primeira investida, fora do mercado financeiro, do trio que em 1989 comprou a Brahma, criou a AmBev em 2000 e o maior grupo cervejeiro do mundo, o InBev, com o casamento entre a AmBev, que já tinha comprado a americana Anheuser-Busch, com a belga Interbrew, o Burgerking e a Kraft-Heinz.
A troca de controle da Lobrás e das Lojas Americanas foi o início de uma nova configuração no mercado de capitais brasileiro, nos anos 80, quando surgiram as primeiras grandes operações de tomada de capital, após a Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, ter reduzido, na prática, para 17% do capital votante a possibilidade de um grupo assumir o controle de uma companhia de capital aberto.
O comunicado de vazamento pelas Americanas não desmentiu o namoro. Apenas pode adiar os passos para o casamento do que seria a maior rede de varejo do Brasil. A Americanas é uma das maiores companhias de varejo.com. A Lojas Americanas tem 1.501 lojas em todo o Brasil e programou a inauguração de mais 224 unidades este ano. Já as Lojas Marisa têm atualmente 348 lojas em vários estados do país. Com a compra e a recente integração acionária entre a Americanas.com, controladora, via B2W, dos sites Shoptime e Submarino, e a Lojas Americanas S.A.
Com sede no Rio de Janeiro, a Lojas Americanas opera com quatro centros de distribuição, em Nova Iguaçu (RJ), Barueri (SP), e Recife (PE). A partir de 2012 a empresa implantou um centro de distribuição na cidade de Uberlândia (MG) para a Americanas.com. Por estar no centro geográfico da região do maior consumo do país (Sudeste, Centro-Oeste e Norte do Paraná), Uberlândia se tornou estratégica para as grandes redes de varejo ou para empresas industriais que precisam ter pequeno intervalo de tempo entre a entrega física dos produtos para que o recolhimento dos impostos não ocorra antes. A 1ª empresa a fazer isso, em 1976, foi a Souza Cruz, que inaugurou em Uberlândia sua maior unidade de fabricação e distribuição de cigarros do país. Entre IPI e ICMS, cada maço de cigarros recolhe mais de 85% em impostos.
Precaução tem precedentes históricos
As conversas já foram iniciadas entre assessores financeiros dos dois grupos. Ambos estão vacinados por fracassos em tratativas iniciais, daí o zelo de fazerem comunicados do vazamento em Fato Relevante à Comissão de Valores Mobiliários e ao mercado acionário em geral.
Quando a nova Lei das S.A. flexibilizou o controle acionário das empresas de capital aberto, alguns movimentos iniciais foram frustrados. O advogado Mário Slerca Júnior, que era sócio do Banco Comércio e Indústria de São Paulo, usou, em 1980, seus 10% das ações ON para fazer um leilão entre os grupos que apoiavam o controlador Quartim Barbosa, como a família Ermírio de Moraes, e o Banco Mercantil de São Paulo, então sob o comando de Gastão de Bueno Vidigal. A investida terminou por desestabilizar o Comind, que resistiu em 1983, mas sofreu intervenção do Banco Central, em novembro de 1985, junto com os bancos Auxiliar e Maisonnave.
Mas Slerca Jr., que era dono da Carbrasmar, engordou seu patrimônio e tentou ampliar sua posição no capital da Brahma, que ofereceu, em 1981, ao trio do Banco Garantia. A operação inicial não deu certo porque o presidente da Brahama, Hubert Gregg, foi pedir ajuda a Amador Aguiar, presidente do Bradesco, para que os fundos do banco fechassem posição em torno do controlador da Brahma.
O Bradesco não tinha posição, mas o grupo Sul América de Seguros, associado ao Bradesco, na mesma proporção de 25% do Atlântica-Boavista, tinha e um acordo foi firmado, garantindo o controle até 1982. Mas Leonídio Ribeiro Filho, então presidente da Sul Americana quis romper o acordo no final de 1983. Antônio Carlos de Almeida Braga, presidente da Atlântica-Boavista aproveitou o episódio para forçar a separação. Como único grande parceiro do Bradesco, assumiu a presidência do banco em fins de 1986, mas Amador Aguiar retomou o comando em encontro dramático em 1986. Só em 1989 o controle da Brahma foi, enfim, assumido pelo Garantia.
Fracasso na compra da Nova América
Bernardo Goldfarb quando comprou a Lobrás, já tinha as Lojas Marisa. A empresa, começou, em 1948, produzindo bolsas femininas e depois entrou no ramo de calçados. O passo seguinte, nas décadas de 60 e 70 foi entrar na venda de moda feminina. Bernardo Goldfarb queria juntar a rede de lojas da Lobrás com as da Marisa para verticalizar a produção de roupas. Para isso investiu em outra empresa que tinha capital pulverizado nas bolsas: a Companhia de Tecidos Nova América. O plano de negócios parecia bom.
Mas a operação de tomada de capital fracassou. A família Bebiano, que controlava a Nova América com cerca de 15% do capital votante, tentou se defender da investida com posições a termo na Bolsa de Valores do Rio, através da Corretora Duarte Rosa, de Carlos Alberto de Souza Villar. Ficou inadimplente e as ações dadas em garantia, passaram à corretora. Em crise, financeira, a companhia de tecidos que tinha sede em Del Castilho, no Rio (onde foi construído um shopping, nos anos 90) e fábrica em Magé (RJ), acabou sofrendo intervenção do BNDES, que era acionista, por pressão de Carlos Villar junto ao ministro do Planejamento, Delfim Netto, de quem era amigo. Uma campanha das organizações Globo ajudou a tornar palatável a estatização, em 1984, uma contradição para um governo que falava em privatização e desestatização.