O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

O OUTRO LADO DA MOEDA

Padre Kelmon mudou o 1º turno

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Publicado em 03/10/2022 às 21:22

Padre Kelmon Foto: reprodução de vídeo

 

Macaque in the trees
Gilberto Menezes Côrtes (Foto: JB)

 

Pode parecer irrelevante, pois ele teve apenas 81.127 votos (0,07%), mas a participação do padre Kelmon, candidato do PTB, no debate entre os presidenciáveis na noite de 5ª feira, 29 de setembro, na TV Globo, foi determinante para que os resultados das urnas no domingo, 2 de outubro, derrubassem as previsões de alguns institutos de pesquisas de que o ex-presidente Lula poderia ganhar no 1º turno com 50% + 1 dos votos válidos. Atuando em dobradinha com o presidente, Kelmon atacou Lula, que perdeu a serenidade e mudou o voto dos indecisos para Bolsonaro.

Lula tirou mais de 6,1 milhões de votos de vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro (57,258 milhões a 51,071 milhões), e ficou com 48,43% dos votos válidos (faltando 1,57% + 1 voto para levar no 1º turno), contra 43,20% de Bolsonaro. A diferença foi de apenas 5,23%, menor do que todas as previsões dos institutos de pesquisa (feitas sem captar integralmente o fator padre Kelmon, entre 7% (Paraná e Atlas) a 18% (Ipec). O DataFolha e o IPEC, que previam chance de vitória de Lula no 1º turno, erraram por não ter calculado a abstenção (20,95%, maior que os 20,3% do 1º turno de 2018) e muito menos aferido a migração dos votos indecisos para Bolsonaro.

Na média, conforme o agregador de oito pesquisas pelo Departamento de Estados Econômicos do Itaú, os institutos até que acertaram na participação total dos dois líderes na votação do 1º turno: na média das pesquisas, que não podem prever a abstenção, o ex-presidente Lula teria 46% da votação (ele teve 46,3% dos votos totais e 48,43% dos votos válidos), enquanto o presidente Jair Bolsonaro teria 41% dos votos totais (teve 41,3%, ou 41,3% dos votos válidos).

 

Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)



A matemática das urnas explica os grandes desvios frente às previsões - muitas delas feitas antes do debate e outras sem medir as repercussões nas rodas de família e amigos na 6ª feira e sábado. O país tinha 156,4 milhões de eleitores aptos a votar. Mas 32,766 milhões (20,95%) não foram às urnas. Assim, 123,679 milhões entraram nas cabines de votação das urnas eletrônicas. Mas só foram computados 118,227 milhões de votos válidos. Para chegar aos 50% + 1 dos votos válidos, faltaram 1,856 milhões de votos para Lula levar no 1º turno. Vale saber que o total de Brancos (1,964 milhão, ou 1,59% dos votantes) e de Nulos (3,489 milhões ou 2,82%) somou 4,41%, quase metade dos percentuais de B/N e de indecisos ou que não sabiam apontadas nas pesquisas dos institutos. E boa parte destes votos escoou para Bolsonaro.

Batalha nas regiões

Lula guardou o bastião dos nove estados do Nordeste (onde estão 26,9% dos eleitores). Recebeu 21,691 milhões de votos e saiu com vantagem de 12,915 milhões sobre os 8,775 milhões de Bolsonaro. Isso permitiu recuperar a vantagem que as pesquisas apontavam no Sudeste e que foram desmentidas nas urnas: Bolsonaro teve 24,468 milhões de votos contra 21,034 milhões de Lula, com desvantagem de 2,433 milhões. No Sul, 3º maior colégio eleitoral, Bolsonaro ganhou por 9,568 milhões, contra 6,449 milhões de Lula (outra desvantagem de 3,118 milhões). No Centro-Oeste, que reúne 7,4% dos eleitores, Bolsonaro venceu por 4,276 milhões a 3,326 milhões de votos de Lula (desvantagem de 1,101 milhão).

Nas três regiões, Bolsonaro encurtou em 6,652 milhões (pouco menos de 50%) a vantagem que Lula livrou no Nordeste. Na região Norte, Lula também venceu (4,542 milhões contra 4,393 milhões de Bolsonaro, com pequena margem de 149 mil votos. Somando tudo e diminuindo as perdas, Lula ficou com mais de 6,1 milhões de votos sobre Bolsonaro.

Minas o fiel da balança

O fiasco do PT em São Paulo - Lula perdeu de Bolsonaro por 12,239 milhões a 10,490 milhões, e o candidato do PL, Tarcísio de Freitas (preparado para ser o virtual sucessor de Bolsonaro em 2026, se Bolsonaro for reeleito), saiu na frente de Fernando Haddad; a vitória de Cláudio Castro (PL) no 1º turno, que desmonta um palanque no Rio de Janeiro, 3º colégio eleitoral do país; e o resultado dúbio em Minas Gerais (Lula venceu por 5,803 milhões a 5,237 milhões de Bolsonaro, mas a diferença de pouco mais de 562 mil votos, no 2º colégio eleitoral do país (10% dos votos) e onde o PT ficou sem palanque com a vitória folgada de Romeu Zema (do Novo), por 56% no 1º turno, complica a situação de Lula.

No 1º turno, Zema ficou neutro. No 2º turno, ele, eleito em dobradinha com Jair Bolsonaro em 2018, ensaia apoiar o atual presidente. Isto pode esvaziar o cacife de Lula em Minas em mais de 1,5 milhão de votos. Será uma batalha dura.

Onde a abstenção pesou mais

Maior colégio eleitoral do país, São Paulo teve índice de abstenção de 21,61%, acima da média nacional (20,95%). Minas Gerais, o 2º colégio, teve o recorde de abstenção, com 22,78%. O Rio de Janeiro, 3º colégio do país, teve a 2ª maior abstenção 22,74%. E a Bahia, 4º colégio do país, também superou a média nacional, com 21,35%, assim como Goiás (21,72%). A menor abstenção foi no Ceará (17,45%, onde o cearense Ciro Gomes estava na disputa e Lula ganhou por 65,91% a 25,38% de Bolsonaro e 6,8% de Ciro), seguido pelos 17,69% do Piauí, o que, talvez, explique porque Lula extraiu de lá a maior fatia dos votos (74%). Em Pernambuco, onde Lula nasceu e venceu por 65,27% a 29,91%, a abstenção também foi baixa (18,2%).

Já nos estados do Sul, onde Bolsonaro teve maior vantagem, foi também onde houve baixa abstenção. Santa Catarina, onde Bolsonaro ganhou por 62,21% a 29,54% de Lula, teve apenas 17,69% de ausência dos eleitores. No Rio Grande do Sul faltaram 19,3% e Bolsonaro venceu por 48,89% a 42,28%; no Paraná, ficou em 19,48%, com vantagem de 55,26% a 35,99% para Jair Bolsonaro.

Prós e contras até 30 de outubro

Lula venceu com mais de 6 milhões de votos. Na história recente do país, jamais houve inversão de posições entre o 1º e o 2º colocado no 2º turno. Mas Minas Gerais sempre foi o fiel da balança. Quem não ganha em Minas não leva a eleição, como ocorreu com o ex-governador mineiro Aécio Neves em 2014, quando perdeu para Dilma no próprio estado.

Nos 27 dias que restam (e a campanha no rádio e TV recomeça na 6ª feira, 7 de outubro), há dificuldades à frente para Lula. É preciso recuperar terreno em São Paulo, com conquista dos eleitores do MDB e PSDB, partidos que vêm perdendo influência no Estado), reanimar a militância no Rio de Janeiro e não perder a vantagem em Minas. Precisa reforçar a votação no Norte e no Nordeste, sobretudo na Bahia, onde o candidato do PT disputará o 2º turno com ACM Neto. E tentar reverter a hostilidade contra os empresários do agronegócio que esvaziaram suas intenções de voto no Sul e no Centro-Oeste, os principais produtores agrícolas do país.

Bolsonaro tem o calendário a seu favor e palanques importantes em São Paulo e no Rio Grande do Sul (com o ex-ministro Onix Lorenzoni). Mais do que isso, terá a caneta para produzir ou anunciar mais medidas eleitoreiras para acenar para o eleitorado que ganha até dois salários mínimos (R$ 2,424) e que votou majoritariamente com Lula. E além de mais uma rodada de distribuição de benesses eleitoreiras do Auxílio Brasil de R$ 600, do vale caminhoneiro e do vale taxista, mais uma distribuição do vale gás e possíveis reduções da inflação por novas baixas de combustíveis.

Os índices de inflação e índices de desemprego (ainda em queda) serão divulgados (e explorados) até 28 de outubro.

Os empresários que andaram acenando a Lula, imaginando que poderia vencer no 1º turno, tendem a ficar mais em cima do muro. Mas a subida do Ibovespa e a queda forte do dólar (num dia de boas notícias no exterior), são sintomáticos.

O que não pode sair das cogitações foi o avanço de Bolsonaro e partidos aliados na Câmara e no Senado. Se ganhar, vai aprofundar medidas radicais liberais e pode investir na mudança da composição do Supremo Tribunal Federal, incluindo a ampliação do atual número de ministros (11) para 15, visando fazer ampla maioria, como fez a Ditadura militar em 1964.

Se Lula ganhar, vai ter enorme dificuldade de emplacar as reformas que pretende fazer, como a tributária (com maior taxação sobre os ricos e grandes fortunas) e a trabalhista, aprovada no governo Temer, em 2017. A composição dependerá muito do comportamento do MDB e PSDB. O risco é Lula ficar sob risco permanente de “impeachment” e de encontrar grandes dificuldades para aprovar propostas na Câmara e no Senado. Vejam nos quadros do Depec Itaú.



Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)



Composição do Senado

Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)


Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)


Composição da Câmara


Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)


Macaque in the trees
. (Foto: Itaú)

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