O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Qual a bússola do mercado?

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Publicado em 11/11/2022 às 14:00

Alterado em 11/11/2022 às 18:43

Gilberto Menezes Côrtes JB

Nenhum governo ou ministro de finanças (Fazenda, Economia ou Planejamento) guia seus passos pelo comportamento dos índices de ações ou pela taxa de câmbio. O Banco Central, que tem por missão proteger a moeda, desde janeiro de 1999, usa o sistema de metas de inflação (para calibrar as taxas de juros básicas, que por sua vez impacta o câmbio e a inflação). A evolução da inflação e da economia impacta as receitas fiscais e a capacidade de gastos dos governos, cujo resultado final são superávits ou déficits fiscais, que por sua vez, vão afetar o endividamento público e a solvência do Estado.

Assim, não se deve maximizar a importância das reações de um dia de mercado a uma fala do presidente eleito, Lula. Se ontem o dólar subiu mais de 4% e o índice Bovespa caiu mais de 3,5% quando Lula priorizou o combate às desigualdades sociais às metas de inflação e “a tal da estabilidade fiscal”, hoje, pela manhã, o dólar já caía mais de 2% e o Ibovespa avançava mais de 1,22%.

Os diversos mercados (ações, moedas, commodities e juros) são mais estruturados nos contratos futuros do que nos negócios à vista. Estes funcionam mais para dar liquidez às mudanças de posições futuras quando as expectativas mudam por fatores externos. O mundo está vivendo quadra de incertezas, com pressões inflacionárias causadas pela alta do petróleo e combustíveis diante da prolongada guerra entre Rússia e Ucrânia. A Rússia era responsável por fornecer pelo menos 45% de gás natural aos países europeus.

A inflação generalizada levou os principais bancos centrais a elevar os juros, situação que afeta o Brasil. O diferencial de juros (mais altos no Brasil que nos Estados Unidos) facilita atrair capitais para o Brasil (no momento, com saldos comerciais ainda elevados, o Brasil é menos dependente de investimentos estrangeiros diretos para cobrir déficits em conta corrente - balança comercial + serviços e renda de capitais, como juros e remessas de lucros).

É paradoxal. Num país que estourou metas de inflação em 2020, 21 e 22, o Banco Central do Brasil foi elogiado por ter se antecipado aos demais BCs no combate à inflação (desde fins de junho a Selic está em 13,75%). Como os demais bancos centrais, a começar pelo Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, elevaram os juros fortemente desde março deste ano (o Fed está com juros de 4,25% ao ano), o diferencial diminuiu, mas segue favorável ao Brasil.

Uma eleição no meio do caminho

A questão econômica ficou sensível porque para tentar se reeleger contra o ex-presidente Lula, o presidente Jair Bolsonaro fez uso desmedido da máquina pública e foi estourando todas as regras de prudência fiscal. Com a alta dos combustíveis, a arrecadação (federal e dos estados e municípios) estava crescendo muito. Mas isso pressionou a inflação de forma generalizada. O BC elevou os juros, mas a política monetária só devolveria a inflação ao centro da meta lá para 2024. Em outubro de 2022 tinha eleição e Bolsonaro precisava inverter a liderança de Lula nas pesquisas. Manter os juros altos comprimiria a recuperação do PIB, do emprego e da popularidade do candidato à reeleição.

O governo fez uma sucessão de medidas intervencionistas para turbinar a economia (em outros governos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, por muito menos, atiraria pedras nas vitrines). Deu calote nos precatórios (condenações de dívidas da União transitadas em julgado!) para reforçar gastos eleitoreiros. Antecipou o pagamento do 13º do INSS para maio e junho e liberou saques de R$ 1 mil do FGTS. O PIB cresceu 1,2% no 2º trimestre. Mas a inflação continuava a correr solta.

Faltava jorrar mais dinheiro para seduzir o eleitor, com novo furo no teto de gastos com o “estado de emergência econômica” aprovado pelo Congresso, para distribuir R$ 42,5 bilhões ao eleitor. Para derrubar a inflação até a eleição, havia um truque simples: aproveitando que a arrecadação estava crescendo muito, reduzir temporariamente (até 31 de dezembro) os impostos (e com isso baixar os preços) da energia elétrica, dos combustíveis e das comunicações. A gasolina era o alvo principal, pois é o item de maior peso entre os 377 pesquisados pelo IBGE no IPCA. A questão fiscal ficava para 2023.

Depois que Guedes pôs seu braço direito que acompanhava preços e a política econômica, o economista Adolfo Sachsida na pasta das Minas e Energia, em maio, o passo seguinte foi trocar a direção da Petrobras para que ela se alinhasse ao plano da reeleição. Dito e feito. Graças à redução temporária do ICMS (dos estados e municípios) e a isenção de impostos federais, acompanhado de redução de 35% no IPI, o governo baixou na marra a inflação do IPCA em julho (-0,68%), agosto (-0,36%) e setembro (-0,29%). A queda era centrada na gasolina. Os demais preços subiam de vento em popa.

Na manhã de 5ª feira, 10 de novembro, 10 dias após o 2º turno, o IBGE divulgou a inflação de outubro: 0,59%, muito acima das expectativas do mercado. Maquiada pela baixa dos itens Transportes, Habitação e Comunicações, a alta acumulada do IPCA no ano ficou em 4,70%, mas a alta da Alimentação e Bebidas foi mais do que o dobro: 10,32%, Vestuário acumula alta de 14,99%, Saúde e Cuidados Pessoais, 9,65% e Educação, 7,26%.

A interpretação foi de que o BC (independente desde 2021) pode ser mais rigoroso nos juros em 2023 (o mercado esperava as primeiras baixas no fim do 1º semestre; as apostas foram adiadas para o 2º semestre em nível maior em dezembro que os 11,25% anteriores ao IPCA (divulgado às 9 horas). O efeito imediato foi a disparada dos juros futuros (e do dólar, com queda do Ibovespa, por desmonte de posições futuras) na abertura dos negócios, às 10 horas.

BC também adota fala de Lula

A fala de Lula, feita a partir das 11 horas, já encontrou o mercado financeiro agitado, para reverter apostas futuras. E funcionou como jogar uma bola de fogo em meio à manada que já se movimentava. Como disse, dos Estados Unidos, a economista Mônica De Bolle, professora da Universidade John Hopskin, é estranho que o mesmo mercado não reagiu tanto aos sucessivos estouros de metas fiscais e de inflação na gestão Bolsonaro, acrescentando que a reação foi mais ideológica do que racional. Concordo em parte, dada a coincidência dos dados de que a inflação seguia descontrolada.

Muita gente devia consultar o site do Banco Central para perceber que desde que se tornou independente, por Lei, em fevereiro do ano passado, o BCB ajustou seu lema, que agora é: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”.

A última parte da missão (“e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”) foi acrescentada na tramitação da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, em adendo à Lei 4.5895, que criou o Banco Central do Brasil em 31 de dezembro de 1964. Num sentido largo ela contempla a decisão de Lula de priorizar o gasto social. Afinal, zelar pela moeda e o bem-estar econômico implica em bem-estar da população. O que não condiz com fome e miséria.

E o BB voltou a lucrar mais

A surpresa na temporada de balanços dos grandes bancos brasileiros foi o resultado do Banco do Brasil. Com ganho de R$ 8,099 bilhões no 3º trimestre, o BB superou por R$ 20 milhões o lucro líquido consolidado do Itaú (R$ 8,079 bilhões), que inclui as operações no Brasil (R$ 7,435 bilhões, 92% do total) e na América Latina (R$ 643 milhões, 8% do total). Por incrível que parece, o BB, que tem 80% do Banco Patagônia) e o Itaú tiveram fortes ganhos na Argentina.

O lucro do BB cresceu 6,2% no trimestre e 55,9% no ano sobre igual período do ano passado, com forte ganhos na arbitragem de juros. O Itaú teve aumento 5,2% no trimestre (Bradesco e Santander tiveram fortes perdas, por aumentos nas provisões para devedores). BB e o Itaú seguem o roteiro. Com os juros crescentes e a economia projetando desaceleração para 2023, todo cuidado é pouco. Além do Brasil, o Itaú aumentou as provisões na Argentina e no Chile.

 

Macaque in the trees
. (Foto: OLM)

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