Guedes deixou curto o cobertor fiscal
...
Logo mais à tarde, o Secretário do Tesouro, Planejamento e Gestão do Ministério da Economia, Esteves Colnago, vai apresentar uma radiografia da situação fiscal deixada pelo governo Bolsonaro até outubro. Pelo andar da carruagem - houve forte renúncias fiscais, extensivas a outros entes federativos (caso do ICMS de combustíveis, energia elétrica e comunicações que supria recursos para estados e municípios) e concentração de gastos eleitoreiros para ajudar (em vão) a reeleição de Jair Bolsonaro - o cenário compromete 2023, quando se espera crescimento bem menor (0,7%) frente ao turbinado PIB de 2,7/2,8% de 2022.
Como ficou claro no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2023, enviado incompleto por Jair Bolsonaro ao Congresso antes da eleição, faltavam recursos para pagar os R$ 600 do Auxílio Brasil (rebatizado por Lula de Bolsa Família), e para garantir a promessa presidencial de salário mínimo de R$ 1.400. O OGU de 2013 só previa gasto de R$ 405 mensal com o AB em 2023.
Paulo Guedes tentou de tudo para reeleger Bolsonaro. Há, porém, quem diga, no círculo próximo ao presidente, recluso desde o dia 30 de outubro, que as ações de Paulo Guedes vieram tarde e enfrentaram no Congresso o corpo mole da Oposição, que não queria dar o cheque em branco para Bolsonaro gastar além de todos os limites para forrar sua reeleição.
O “estado de emergência econômica” liberou o governo de cumprir os tetos do Orçamento de 2022 e permitiu baixar, com o chapéu alheio, até 31 de dezembro, preços de combustíveis (gasolina à frente, por ter o maior peso no IPCA, a inflação oficial), comunicações e energia elétrica. Na outra ponta, além de baixar a inflação para os mais abonados (os que têm casa com energia elétrica, celular e veículos a motor), distribuiria até dezembro R$ 42,5 bilhões no AB, elevado de R$ 400 para R$ 600, e R$ 1 mil a caminhoneiros e taxistas.
Impacto de curta duração
O truque ganhau a chancela da oposição antes do recesso de 18 de julho (em agosto foi pago também o mês de julho), porque ninguém queria ficar contra medida que daria dinheiro à população mais pobre. A oposição obteve a garantia de que os estados prejudicados na arrecadação fossem ressarcidos pela União. Em setembro, as contas dos estados e municípios tiveram déficit.
A mágica dos preços gerou deflação de 1,33% de julho a setembro, mas privou estados e municípios de receitas (dificilmente a alíquota do ICMS, que caiu para 17/18%, voltará aos 30/33% cobrados por alguns estados). Quando o pacote foi aprovado, já estava em cima da campanha eleitoral. O efeito foi de curta duração: já em outubro, os preços voltaram a subir 0,59%.
Diante das dificuldades para ressarcimento das perdas deste ano, junto à União, que pede espaço no Congresso para gastar mais na assistência social (BF, merenda e farmácia popular, entre outros programas), os estados com forte influência do agronegócio em sua cadeia produtiva, para compensar a perda em energia, combustíveis e comunicações, passaram a cuidar de cobrar impostos das atividades agropastoris e da silvicultura.
Quem saiu na frente foi Goiás, cujo governador reeleito, Ronaldo Caiado (União Brasil), decidiu propor arrecadação variável sobre grãos, produtos florestais e sobre carnes de bovinos, suínos e aves. E foi seguido pelo Paraná, de Ratinho Jr, (PSD), também aliado de Bolsonaro, para cobrar impostos variados da cadeia de produção do agronegócio. Prevendo uma guerra fiscal entre os estados, que tomaram uma calça arriada de Bolsonaro e Guedes, Lula quer reunir os governadores em janeiro para um novo pacto federativo.
Está claro que Guedes fez uma série de truques que ajudaram a encobrir os problemas da economia no interno: barateou preços chaves e gerou uma deflação no IPCA total, mas a alimentação e outros artigos continuaram em forte alta. O empuxo na economia também já está perdendo o fôlego neste 3º trimestre, como indicou a FGV, que previu crescimento do PIB de apenas 0,4%, após 1,2% no 2º trimestre.
Guedes deixa gambiarras expostas
Enfim, Paulo Guedes turbinou o PIB no 2º e 3º trimestre, com antecipação do 13º dos aposentados em maio e junho e a liberação do R$ 1 mil do FGTS. Depois, foi a farra das bondades eleitorais. Mas o cobertor já não foi capaz de cobrir os pés neste 4º trimestre e projeta grandes dificuldades em 2023.
Os economistas do mercado financeiro, tão ansiosos para que Lula anuncie o horizonte econômico que desenha para o país de 2023 em diante, deveriam antes chamar Paulo Guedes à responsabilidade. Ele operou como um pedreiro que derrubou tudo já sabendo que teria que concluir a obra prometida para o Natal no mês de janeiro e, quem sabe, aprontando até o Carnaval. Mas só que como seu chefe não foi reconduzido, vai deixar uma obra incompleta e cheia de gambiarras.
Quando assumiu a equipe da transição, em novembro de 2018, o então “posto Ipiranga” encontrou a casa arrumada e com uma série de diagnósticos setoriais feitas pelo ministro do Planejamento, Esteves Colnago, que serviram para a reforma da previdência e o mapeamento das estatais. Colnago foi aproveitado como Secretário do Tesouro, Planejamento e Gestão. O mínimo a se esperar, é que o mesmo tratamento seja oferecido à equipe de transição de Lula.