
O OUTRO LADO DA MOEDA
Falso brilhante no superávit primário
Publicado em 31/01/2023 às 13:15
Alterado em 31/01/2023 às 13:15

Nada mais falso e artificial que o superávit primário consolidado do setor público não-financeiro (exclusive Petrobras e Grupo Eletrobras) de R$ 126,0 bilhões (1,3% do PIB) em 2022. O resultado foi decomposto com um saldo de +R$ 55,0 bilhões do Governo Central, +R$ 64,9 bilhões dos governos regionais e +R$ 6,1 bilhões das estatais. Apesar de ter sido o melhor resultado desde 2013, a LCA Consultores assinala problemas, como a “clara deterioração da posição fiscal dos entes regionais ao longo do ano”, que transferiu um problema muito mais grave para 2023, pois ficou claro que, além de receitas extraordinárias (nos combustíveis, na antecipação de dividendos das estatais e leilões de privatizações), houve redução drástica dos gastos sociais, que Lula pretende recompor. As mágicas eleitoreiras seriam remendadas por Paulo Guedes em novembro, se Bolsonaro fosse reeleito. Agora o quadro complica.
Até maio, segundo a LCA, os superávits mensais superaram o máximo observado nas duas últimas décadas. No entanto, com a entrada em vigor alíquotas reduzidas de ICMS (arrecadados pelos estados e repassados em parte aos municípios) sobre energia elétrica, combustíveis, telecomunicações e transporte coletivo, em meados do ano já começa a haver piora nos resultados. No último trimestre, os resultados passam a ser registrados abaixo dos mínimos históricos do período analisado. Em dezembro houve déficit de -R$ 11,8 bilhões no setor público. O governo central registrou superávit de +R$ 6,2 bilhões e as empresas estatais mostraram saldo de +R$ 0,6 bilhão. Mas os governos regionais tiveram déficit de -R$ 18,6 bilhões.
E o peso dos juros?
Olhar só pelo lado do orçamento primário (receitas menos despesas, em contar os juros do serviço da dívida), como ensinou o caso Americanas, pode trazer surpresas desagradáveis. O governo, que já tinha garantido forte arrecadação devido ao crescimento turbinada da economia e às altas dos preços do petróleo, dos combustíveis e de alimentos no 1º semestre, tirou arrecadação dos estados a partir de julho, para maquiar a inflação (houve deflação de 1,32% de julho a setembro). Os níveis de endividamento sob a ótica primária melhoraram com o crescimento do PIB. Com as propostas orçamentárias para 2023, a LCA está prevendo que o resultado primário do setor público consolidado (R$ 126 bilhões) seja revertido novamente para déficit primário, em torno de -R$ 77 bilhões ou -0,8% do PIB.
Quando se leva em conta os juros, calibrados pelo Banco Central para enfrentar uma inflação na casa dos 10%, mas que foi artificialmente reduzida a 5,79% (9,56% se não fossem os cortes dos impostos da gasolina, combustíveis, energia e comunicações) houve um aumento enorme nas despesas com juros da dívida. Em dezembro, os gastos nominais com juros foram de R$ 59,0 bilhões, já deduzidos os R$ 5,7 bilhões de juros recebidos com as operações de “swap” cambial do Banco Central. Em 2022, a conta de juros em 2022 ficou em R$ 586,5 bilhões (6,0% do PIB). Desta forma, o resultado nominal foi de -R$ 70,8 bilhões em dezembro, e acumulou déficit de -R$ 460,4 bilhões em 2022 (déficit nominal equivalente a -4,7% do PIB).
A dívida bruta do governo geral, por sua vez, totalizou R$ 7.225 bilhões (73,5% do PIB) em 2022. Houve redução de -1,1 p.p. do PIB em relação ao mês anterior e variação de -4,8 p.p. do PIB em relação a 2021. Os principais fatores para queda do indicador foram menores emissões liquidas de dívida e o forte crescimento do PIB nominal no período.
Juros são o dobro do INSS
Mas quando se olham os principais componentes das contas públicas percebe-se que, à parte o fato de que boa parte dos programas sociais terem sido abandonados, com o governo dobrando as fichas nas apostas de que o Auxílio Brasil de R$ 600 garantiria a reeleição, tanto as contas do INSS quanto as de juros ganham magnitudes gigantescas.
Em 2018, os juros da dívida somaram R$ 379,1 bilhões (5,41% do PIB) e o déficit da Previdência, que acaba sendo coberto com o endividamento público, ficou em R$ 195,197 bilhões (2,79% do PIB). Antes do governo Bolsonaro, os juros da dívida correspondiam a 1,94 vezes o déficit da Previdência. Com a reforma, em 2019, e a redução dos juros, embora o déficit do INSS seguisse crescendo, os gastos com juros superaram apenas 1,20 vezes o da Previdência.
Mas no final de 2022, mesmo com o crescimento do PIB por dois anos seguidos, os gastos com juros explodiram para R$ 586,4 bilhões (5,96% do PIB) e ficaram 2,24 vezes acima do rombo da Previdência, de R$ 261,2 bilhões. Como se percebe, não é o rombo da Previdência a principal drenagem de recursos públicos no país, mas a transferência de renda para os rentistas que se situam da classe média para cima, nos ricos e no sistema financeiro, que ganha grandes margens nas arbitragens de taxas de juros (quanto maiores os juros, as margens costumam ser maiores).

Bancos Centrais calibram juros
Neste cenário, tanto o Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, o Banco Central Europeu e o Comitê de Política Monetária do Banco Central decidem os juros amanhã. E o Bando da Inglaterra (BoE) faz o mesmo.
As expectativas apontam para um aumento da taxa de juros nos EUA em 0,25 pontos de porcentagem, uma desaceleração frente aos 0,50 p.p. da última reunião, mas o BCE e o BoE devem elevar os juros em 0,5 p.p.
Aqui, o Copom devem manter a Selic em 13,75% ao ano. Mas o mercado espera sinalizações do BC com a evolução das expectativas para a inflação que já estão acima da meta para a inflação até 2026 e com o caráter cada vez mais expansionista da política fiscal do novo governo. Se o BC assinalar diferente, será uma grande novidade.