O OUTRO LADO DA MOEDA
Fed troveja, mercados espirram
Publicado em 08/03/2023 às 14:16
Alterado em 08/03/2023 às 14:21
Não se tomem reações imediatas dos mercados especulativos (ações, títulos de renda fixa, moedas e commodities) como parâmetros da economia real. O depoimento de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve Bank, (o BC dos Estados Unidos), ontem no Senado, indicou que o aperto monetário visando levar a inflação para a meta de 2% será mais longo e duro que o previsto. Como Powell trouxe a possibilidade de uma aceleração maior (de 0,25 ponto percentual para 0,50 p.p.) na taxa básica de juros na próxima reunião de 22 de março, houve reversão das operações futuras baseadas em altas de 0,25%.
É um erro admitir que as indicações de Powell possam levar a uma recessão na maior economia do mundo e que, por isso, as cotações desabaram pela possibilidade de recessão. A questão é mais simples e envolve a matemática financeira. Se a curva de ganhos pode ser alterada pela introdução de uma taxa de juros mais elevada, os mercados espirram e alteram as apostas.
Nos EUA, o Fed tem duplo mandato como ele mesmo frisou: “promover o máximo de empregos e preços estáveis”, para emendar, em seguida: “Sem estabilidade de preços, a economia não funciona para ninguém. Sem estabilidade de preços, não alcançaremos um período sustentado de condições de mercado de trabalho que beneficiem a todos”. Lá, o presidente da Autoridade Monetária comparece duas vezes por ano ao comitê especial do Senado para prestar conta da sua atuação.
No Brasil, as indicações dos presidentes e diretores do BC passam por sabatina no Senado, mas a prestação de contas não é rotineira ainda. Minha leitura da transcrição do depoimento no site do Fed foi a de que Powell admitiu a pouca eficácia da política monetária na queda recente da inflação americana: “os ganhos de salário nominal continuam acima dos níveis compatíveis com uma inflação na meta”.
Ele citou que “a variação em 12 meses nos preços totais de despesas de consumo pessoal (PCE) desacelerou de seu pico de 7% em junho para 5,4% em janeiro, à medida que os preços da energia diminuíram e políticas mais rígidas restringiram a demanda”, ou seja, não foi apenas mérito do Fed. E ainda viu nos dados de janeiro “uma reversão parcial da tendência à desaceleração da atividade econômica que vinha sendo registrada nos últimos meses e as pressões inflacionárias se mostraram mais fortes do que o esperado, o que indica juros terminais também em patamar mais alto”
Efeitos nos mercados
O discurso teve efeito imediato sobre os mercados financeiros. As expectativas dos investidores de que o Fed deverá acelerar o aumento de juros para 0,50 p.p. na próxima reunião do Federal Open Market Committee (FOMC), em 22 de março, quando o Comitê de Política Monetária também se reúne para decidir os rumos da taxa Selic, fixada em 13,75% desde 3 de agosto, passou de 29,2%, antes, para 62,8% após o discurso, enquanto a probabilidade de aumento de 0,25 p.p. diminuiu de 70,8% para 37,2%.
Uma alta mais acelerada das taxas do Fed (a depender do relatório do mercado de trabalho na próxima semana) pode determinar mais cautela do Copom em mexer nos juros, mesmo que o governo apresente um arcabouço factível de programação fiscal. Powell admitiu que “se a totalidade dos dados indicasse que um aperto mais rápido é justificado, estaríamos preparados para aumentar o ritmo das altas de juros. A restauração da estabilidade de preços provavelmente exigirá que mantenhamos uma postura restritiva da política monetária por algum tempo”, ou seja, a batalha será mais demorada.
O diferencial de juros entre Brasil e EUA é determinante da trajetória do câmbio, importante fator inflacionário no país (e regula o ir e vir de dólares mantidos por brasileiros em “off-shores” no exterior). Hoje, o diferencial é de 9 p.p. (13,75% da Selic a 4,75% dos “fed funds”). Se o Fed eleva a taxa a 5,25%, o diferencial cai a 8,50%, que seria menor se o Copom baixar a Selic. A questão é que, por trás dos números, existe uma economia real, que não suporta o alto nível real do piso dos juros fixado pelo Banco Central, quando a inflação rodava na faixa de 10% e agora está abaixo de 6%, tendendo a 5%.
Apostas no Brasil vão de 5,25% a 6,50%
Diante do cenário descrito por Jerome Powell, bancos, consultores e gestores de investimento alteraram suas apostas para a trajetória dos juros nos EUA e no Brasil. O Bradesco esperava juros entre 5% e 5,25% e agora adota viés de alta. O Itaú espera alta de 0,50 p.p. em março e mais duas altas de 0,25 p.p. nas reuniões de maio e junho, atingindo uma taxa terminal de 5,6%. E espera que o Fed comece a cortar os juros apenas no 2º semestre do próximo ano, com “menos cortes agora (-0,75 p.p. para 4,9%, vs. -1,00 p.p. anteriormente)”.
A LCA Consultores, que fez o levantamento da tabela abaixo, espera que a taxa nos Estados Unidos alcance o pico de 5,75% na reunião do FOMC em 14 de junho. A estabilidade daí em diante daria segurança aos passos do Copom.
Mais pessimista, ao interpretar o discurso, a Genial Investimentos considera que “o relatório de emprego a ser divulgado na próxima sexta feira será fundamental para determinar se o próximo reajuste da taxa de juros será de 0,25 ou 0,50 p.p”. Para a gestora “aumentou significativamente a probabilidade de que nossa projeção de taxa de juros entre 6,0% e 6,5% ao ano no final do processo de ajuste da política monetária se efetive”.
Gasolina faz Itaú reduzir IPCA
No cenário de março divulgado hoje, o Departamento de Estudos Econômicos do Itaú revisou a projeção do IPCA de 2023 de 6,3% para 6,1%, em função de projeções menores para os reajustes do preço da gasolina na refinaria. Depois dos novos parâmetros da Petrobras e dos impostos (federais e estaduais, o Itaú espera no 2º semestre um aumento adicional de R$ 0,34 na alíquota de PIS/Cofins sobre gasolina, que deve ser, em parte, compensado por novo reajuste de preço na refinaria (-7%). Mas adverte para novos aumentos, com a discussão da essencialidade da gasolina dentro do regime do ICMS (o banco acredita que, se isso ocorrer, poderia vir compensação com mudança da política de preços da Petrobras.
Para 2024 o IPCA foi mantido em 4,2%. O banco não considerou eventual impacto de uma revisão da meta de inflação, “o que poderia levar a projeção para o próximo ano para acima de 5%”. Em função da inflação elevada, o Itaú espera que a taxa Selic vai fechar este ano em 12,50% e cairá para 10% em 2024. Tais níveis de juros apertados deverão comprometer o crescimento, o que desagrada o governo Lula que força uma queda mais rápida dos juros.
PIB desacelera de 2,9% para 1,3%
Para o Itaú, “a tendência de desaceleração na economia iniciada em 2022 deve continuar em 2023. No 4º trimestre, o PIB recuou 0,2% na margem com ajuste sazonal, após crescimento de 0,3% no trimestre anterior, fechando o ano passado com expansão de 2,9%. Em 2023, após um janeiro positivo, nosso indicador diário de atividade aponta para um fevereiro com sinais mistos, com recuo dos gastos em serviços e desaceleração no consumo de bens”.
O banco espera “crescimento de 1% do PIB na margem neste 1º trimestre, com ajuste sazonal, e a expectativa de expansão de 1,3% para o ano”. A agropecuária deve dar contribuição significativa para o crescimento deste ano, enquanto “os efeitos acumulados da política monetária contracionista e a desaceleração da economia global mais que compensam as medidas expansionistas de política fiscal”. Ou seja, o BC está travando a economia.
Para 2024, o banco manteve a projeção de expansão do PIB em 1,0%, com a atividade econômica ainda impactada pelos efeitos restritivos da política monetária para controle da inflação. O Itaú espera ritmo modesto de crescimento de 0,2% por trimestre ao longo do ano que vem. Também pessimista, o Santander espera 0,8% este ano e 0,5% de aumento em 2024.