O OUTRO LADO DA MOEDA
Mercado ‘São Tomé’ quer ver para crer
Publicado em 31/03/2023 às 18:00
Alterado em 31/03/2023 às 19:14
O último dia de formação da taxa de câmbio (Ptax) distorce um pouco as cotações do dólar comercial. as a reação do mercado de dólar ontem, no dia seguinte à 1ª apresentação das linhas mestras do arcabouço fiscal pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Gestão, Simone Tebet, mostrou a menor cotação do ano (R$ 5,07%, na 6ª jornada seguida de baixa). Há de imediato, a percepção de que o Banco Central, mesmo com o terreno mais firme na área fiscal, não pretende tão cedo baixar a Selic.
Como a taxa básica de juros no país estará em 13,75% ao ano até 3 de maio, dia em que o Federal Open Market Committee, do Federal Reserve (o BC dos Estados Unidos), dirá se a taxa básica do dólar será mantida nos atuais 4,75%-5,00% ao ano, ou subirá 0,25 ponto percentual, o mercado ficou mais confiante de que nos próximos 30 dias haverá grande vantagem em trazer dólares para o Brasil. Salvo um cataclisma, os ganhos estão garantidos.
Assim, os bilhões de dólares mantidos em “off-shores” de paraísos fiscais por brasileiros vêm fazer “turismo financeiro” no mercado brasileiro que paga as maiores taxas de juros reais entre os mercados de moeda confiáveis (Argentina, Venezuela e Turquia, estão excluídos, claro, assim como a Rússia).
Sem querer, querendo
A análise de algumas das principais instituições financeiras sobre o arcabouço fiscal tem mais condicionantes do que apoios. Quase todos foram bem surpreendidos com a exposição de Haddad e Simone Tebet. Em situações intermediárias de crescimento econômico, a variação real dos gastos públicos será 70% da variação real da receita líquida.
Os gastos com saúde, educação e emendas parlamentares individuais voltarão a crescer conforme o desempenho da receita, em linha com as regras previstas na Constituição, mas devem respeitar o limite total de gasto anual. A principal dúvida é se este ajuste das contas públicas, baseado sobretudo no crescimento das receitas, será viável tendo em vista a elevada carga tributária e natural resistência do Congresso em elevar impostos ou cortar benefícios fiscais.
Parece evidente que o governo aposta, sobretudo, no crescimento da economia, que faz a toda a roda da produção e da renda (emprego) crescerem e acomodar os problemas. Por isso, há tanta zanga quanto ao freio de mão dos juros puxado pelo Banco Central.
A reação do Congresso será sentida semana que vem (antes do recesso da Páscoa), quando Haddad detalhar medidas para reforçar a arrecadação, extinguindo desonerações e benefícios fiscais a determinados segmentos. Haddad citou a necessidade de incluir na arrecadação federal as atividades e os setores que pagam pouco ou nenhum imposto, além de reduzir os benefícios fiscais. O Secretário do Tesouro Nacional comentou que estas medidas somarão R$ 100 bilhões e que impactarão as contas públicas de forma permanente. Os primeiros efeitos ocorrerão neste ano e no próximo.
Na próxima semana, o governo envia à Câmara Federal o projeto de lei complementar que estabelece o novo arcabouço fiscal. A principal dúvida é se este ajuste das contas públicas, baseado principalmente no crescimento das receitas, será viável tendo em vista a elevada carga tributária e natural resistência do Congresso em elevar impostos ou cortar benefícios fiscais.
Mais um alarme não acorda o BC
Confesso ter sono pesado. Nem sempre desligo o despertador de véspera. Quando toca de manhã, acorda a minha mulher, que fica aborrecida. Mas em matéria de insensibilidade, o Banco Central me supera. Em muito. E prejudica a todos que querem investir, produzir e consumir sem se enforcar nos “juros pornográficos”, como define o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva.
Ainda às voltas com a falta de componentes, mas, sobretudo, por falta de demanda, a Volkswagen vai ampliar as férias coletivas de seus trabalhadores, nas fábricas de motores e automóveis em São Carlos e Taubaté, respectivamente, em São Paulo. Os pátios estão cheios por culpa dos juros altos, que inibem os financiamentos. O novo período de férias coletivas começará no início de abril (vale dizer, desde amanhã).
O encalhe de produtos se espalha por várias cadeias produtivas, devido à redução das vendas do comércio, porque as famílias, já endividadas, resistem aos juros altos, mas o Banco Central não acorda e acha que assim vai atingir a meta de inflação de 2024 (a deste ano está perdida, como as de 2021 e 2022).