Qual o papel do assessor/consultor?

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Por Gilberto Menezes Côrtes

Gilberto Menezes Côrtes

Em mais de meio século acompanhando a cobertura econômica já cansei de ver assessores econômicos ou consultores serem atropelados em suas análises e conselhos pelos fatos (que deveriam ter levado em consideração). Como os conselhos mal avaliados causaram grandes prejuízos aos aconselhados, tratam de tentar preservar sua reputação (e o “fee” de seus conselhos) em pesadíssimas críticas às decisões do governo.

Vou citar uma das mais gritantes: o nível do câmbio na largada do Plano Real, em 1º de julho de 1994. Como muita gente se recorda, (para não repetir erros de planos anteriores, como o Cruzado (o grande erro foi a decisão do presidente Sarney de dar um abono salarial, que causou enorme pressão de consumo sob o congelamento de preços) o lançamento da nova moeda, o real, foi precedido de uma espécie de SPA de três meses para ajuste da inflação/preços do passado via URV (Unidade Real de Valor).

Me lembro de um debate com outros jornalistas na TVE quando um deles, usando o exemplo da Argentina, fez coro ao que diziam muitos economistas (e aconselharam bancos e empresas a embarcar na ideia) previu um ágio de 20% da cotação do dólar em relação à nova moeda. Por instinto, discordei na hora, achando um pouco exagerado e prematuro falar nisso.

O fato é que o Banco Central vendera um belo Obrigações do Tesouro Nacional (OTNs) com cláusula cambial (ajustada pela taxa de câmbio) e muitos bancos e empresas apostaram firme na existência de ágio até 20%. Se acertassem (a moeda e o plano desabariam em três meses), mas lavariam a “égua com champagne”. Estava pensando no Brasil, na necessidade de uma moeda estável para virar a página da especulação financeira do “overnight”.

[para quem não sabe, cobri justamente as negociações diárias do “open market” pelo JORNAL DO BRASIL de 1973 a 1983 (de 1983 a 1986 fui para O Globo) e de 1987 a 1992 fui assessor da Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto, que reunia, bancos, corretoras e distribuidoras que operavam no “open”). No fim de 1988 voltei ao JB como editorialista, escrevendo a opinião do jornal sobre Economia, função que exerci, acumulando coluna de Economia publicada três vezes por semana de 1999 a 2001. E ainda participei do time fundador da Globonews, de 1996 a 2001].

Pois quando o Plano Real foi lançado, sem um arcabouço firme de ajuste fiscal (ainda havia muitos “esqueletos fiscais” no armário, como o rombo de R$ 28 bilhões do Fundo de Compensações de Variações Salariais, o FCVS, que cobria os subsídios às prestações do SFH quando elas não acompanhavam a correção monetária plena), o governo usou o câmbio como a âncora do Real e o dólar foi fixado em R$ 0,94. Uma perda de 6% para quem apostou na paridade e de até 21% para quem contava com ágio de 20%.

Foi uma grita geral na mídia. Para salvar sua reputação e acalmar a ira dos empresários que os contrataram, figurões como Delfim Neto, Pastore e Maílson da Nóbrega e até Paulo Guedes faziam críticas candentes ao Banco Central. Os principais alvos eram o então presidente Pedro Malan, e o diretor da área Externa e mentor da ideia, Gustavo Franco. Eu logo percebi a grita e batia na defesa de um ajuste fiscal nos editoriais do JB. Em junho e agosto de 1994 era um bombardeio diário. Que prosseguiu até Rubens Ricúpero pedir demissão, depois das “inconfidências parabólicas” e Ciro Gomes assumir a pasta da Fazenda e não alterar o câmbio, em setembro.

O deságio se aprofundou e chegou a R$ 0,83 a paridade entre o real e o dólar. Bancos e empresas que fizeram “hegde” apostando em ágios amargaram grandes prejuízos. Dois bancos “dealers” do Banco Central no mercado de títulos públicos, o Garantia e o Multiplic, foram à Justiça contra o “rompimento de contrato” pelo BC e excluídos da condição de “dealer’, cuja cláusula secreta proíbe ações contra a autoridade monetária. Cansei de defender o BC nas minhas colunas e denunciar as manobras dos críticos. O tiroteio começou a cessar em setembro, quando os bancos registraram perdas em balanço.

Quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito e Pedro Malan nomeado ministro da Fazenda, ele fazia pregação quase diária pelo ajuste fiscal. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1997 [a crise da Ásia demandava austeridade], a pregação era não gastar acima do que se tem de receita ou se ganha (conselho valioso a todo empresário e cidadão). A vingança da banca veio a ocorrer na queda de Gustavo Franco, já presidente do BC no 2º mandato de FHC, em 16 de janeiro, e na desastrada desvalorização promovida pelo sucessor, Chico Lopes. Com a vinda de Armínio Fraga, foram introduzidos o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação. Mas o ajuste fiscal era cobrado diariamente e continua até hoje como alicerce de qualquer economia.

 

Haddad discute arcabouço fiscal

Com os estragos feitos por Paulo Guedes para tentar reeleger Bolsonaro (zerou impostos federais da gasolina e etanol) e cortou mais de 40% do ICMS dos combustíveis, energia elétrica e comunicações até 31 de dezembro de 2022) pairou na largada do governo Lula uma sombra inflacionária. Para não haver choque de preços, a volta dos impostos tardou dois meses e veio de forma criativa em março, com a cobrança (por enquanto temporária de quatro meses), de uma alíquota de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto.

Com uma base fiscal mínima, Haddad e equipe trabalham para adiantar o esboço do arcabouço fiscal que tem obrigatoriamente de apresentar ao Congresso até o fim de abril (a proposta de Lei Orçamentária Anual 2024, para ter os parâmetros do Orçamento Geral da União 2024 definidos até 31 de agosto). A pressa de Haddad tem outro alvo bem menor e seleto: o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom que se reúne dia 22 de março.

Na 6ª feira, o IBGE divulga o IPCA de fevereiro. As estimativas do mercado, segundo a Pesquisa Focus, divulgada hoje pelo BC, são de uma alta de 0,78% (a LCA Consultores prevê 0,74%). A taxa acumulada do IPCA desceu a 5,77% em janeiro e foi mantida em 5,90% para dezembro de 2023 r em 4,02% para dezembro de 2024. O que está pressionando o IPCA são os preços administrados (justamente os que foram cortados eleitoralmente no ano passado). O mercado prevê reajustes de 9,05% este ano (sendo a previsão elevada para 9,20% nos últimos cinco dias úteis terminados na 6ª feira, 3 de março). Vale dizer que o efeito da Selic, que está em 13,75% ao ano, seria secundário para conter os impactos das altas de preços administrados. Seria mais no esfriamento da demanda, que já está bem debilitada.

Como em fevereiro de 2022, o IPCA foi de 1,01%, a taxa acumulada em 12 meses desceria a 5,52% se a previsão do mercado ocorrer, ou a 5,4% na visão da LCA Consultores, que projeta taxa de 4,6% até abril (ou seja, o número só será conhecido até a reunião do Copom de 3 de maio). Haddad e o governo Lula querem convencer o Copom a baixar a Selic para evitar recessão (que só não virá no 1º trimestre, em função do salto de mais de 10% da agropecuária, mas afetará indústria, serviços (sobretudo comércio) e o emprego. Quem sabe já na reunião surja um nome mais flexível no Copom no lugar de Bruno Serra, cujo mandato de diretor de Política Monetária encerrou dia 28 de fevereiro?

 

Críticas defensivas

Assim como na largada do Real, muitos conselheiros econômicos não previram a criação de imposto sobre a exportação de petróleo Previsível na mudança da gestão da Petrobras, cujo novo presidente, Jean Paul Prates, quando senador (PR-RN) e líder da minoria no Senado, defendia mudanças na política do PPI (paridade de preço internacional) para forçar o maior uso do petróleo nacional no refino, frente à importação de derivados e venda de óleo bruto.

 

Vejam o raciocínio defensivo de uma casa de investimentos:

“Imposto sobre exportações de commodities, em um país grande exportador destes produtos, é bastante negativo para a economia. Como os preços destes bens são determinados no mercado internacional o aumento é, na verdade, um aumento de impostos sobre os lucros das empresas exportadoras de petróleo. Além de ser uma quebra de contrato com as empresas que venceram os leilões de licitação para a exploração do petróleo no Brasil, pois esta possibilidade não estava no contrato de licitação, o resultado será uma redução dos investimentos no setor e efeito negativo sobre as exportações, com redução do superavit comercial e das reservas no médio prazo”.

“Além de ser um precedente perigoso. Afinal, se o governo está disposto a taxar o petróleo, porque não taxar a exportação de minérios e commodities agrícolas?” [para compensar a perda do ICMS de combustíveis, energia elétrica e comunicações, alguns estados criaram baixos impostos sobre produtos agrícolas]. ”Mais incerteza significa menos investimentos e menos exportações”.

 

Defesa do mercado interno

[Acho bastante primário o raciocínio. Todos os países querem gerar mais valor agregado em suas exportações. O beneficiamento interno gera empregos e renda. Isso é possível no petróleo, sem necessariamente prejudicar os custos da Petrobras, que extrai óleo a baixo custo no pré-sal; os campos de alto custo em terras e águas rasas, vendeu no governo passado às pequenas petroleiras, estas sim, afetadas; no caso do minério de ferro, o mercado externo é 10 vezes maior que o doméstico, sem escala e custo para competir com o aço vindo da China. Só cabe exportar; no caso das commodities agrícolas, mesmo que a fome doméstica fosse saciada, não haveria bocas para absorver a produção; mais uma vez a sina brasileira é “ser celeiro do mundo”, porém, cuidando de não deixar os preços ficarem fora do alcance e trazer fome a muitos].