Por que o BC não recompra a dívida?
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Recebi de Luiz Cesar Fernandes, amigo que conheci quando era um dos responsáveis pelas operações de mercado aberto da então Corretora Garantia, nos anos 70, um interessante artigo que reforça a visão de que o Banco Central de Roberto Campos Neto está errado na gestão da política monetária. O título é para lá de sugestivo, “André Lara versus Faria Lima”, no qual ele defende a postura mais agressiva de André Lara Resende para tirar o governo do corner que está representado pela gestão da dívida pública. Quem sabe o futuro diretor de Política Monetária, Rodoldo Fróes, não faz o serviço?
Luiz Cesar era um operador agressivo, e o Garantia, um dos principais “dealers” não bancários no começo do “open market”, as operações de compra e venda de títulos públicos pelo Banco Central, para regular a liquidez e “desenhar” a curva dos juros futuros. O Garantia ganhou musculatura quando o jovem economista Marcel Hermann Teles foi assumindo a mesa de operações.
Na cobertura diária do mercado, então centralizado no Rio de Janeiro e na Avenida Rio Branco, conversava com pelo menos dois operadores de posições diferentes para auscultar o mercado. Gostava muito de conversar com Marcel, inteligente e com pensamentos diversos dos demais operadores. Dei em primeira mão, em 1976, no JB, a informação do Luiz Cesar, de que o Garantia recebeu carta patente para virar banco de investimentos. Pouco depois era a vez de informar que a Corretora Multiplic fora autorizada a comprar dos irmãos Sérgio, Sebastião e Cristina Lacerda o controle do Bank of London no Brasil.
Multiplic e Garantia naufragaram no começo do Plano Real, no fim dos anos 90. Luiz Cesar Fernandes saíra do Garantia na década anterior para fundar, com André Jakurski e o jovem economista Paulo Guedes, responsável técnico pelo Ibmec (instituição mantida pelo mercado financeiro, à frente a Bolsa do Rio, e que funcionava em anexo do MAM), a Distribuidora Pactual, com sede na Rua Sete de Setembro (depois virou o Banco Pactual, atual BTG-Pactual).
Luiz Cesar Fernandes deixou o Pactual nos anos 90 quando os sócios ganharam posições mais relevantes. Tentou criar seu próprio banco. Enveredou por grandes negócios em uma verdadeira “startup” que era sua fábrica de projetos, na Fazenda Marambaia. Entre os negócios que plantou estão a Cervejaria Petrópolis, em Itaipava/Pedro do Rio, comprada nos anos 90 por Walter Faria, que pediu Recuperação Judicial semana passada. Mesmo tendo perdido capacidade empresarial, Luiz Cesar não para de pensar o Brasil.
E Luiz Cesar Fernandes repisa que falta entrosamento entre o Banco Central, que opera a mesa de “open market”, através do Demab (Departamento de Operações Mobiliárias), subordinado à Diretoria de Política Monetária, e o Ministério da Fazenda, através da Secretaria do Tesouro. O Banco Central quer administrar expectativas (a tal da “ancoragem”) com o uso exclusivo da taxa Selic, que está absurdamente alta em 13,75% visando uma meta inflacionária irreal (o teto de 2023 é de 4,75%, e o de 2022 era de 5%).
Luiz Cesar defende que Tesouro e Banco Central acertem uma estratégia para, através da recompra dos títulos de longo prazo (com taxas pré-fixadas ou corrigidos pela inflação), quebrar as expectativas em relação à inflação. Para não desfalcar a dívida pública (com uma monetização, para Lara Resende a dívida nada mais é do que uma monetização indexada), os títulos seriam recomprados mediante troca por papéis regulados pela taxa Selic.
Em outras palavras, além de administrar expectativas de forma incisiva, o Banco Central ficaria menos refém da Faria Lima, hoje o inconteste centro financeiro do Brasil, após a saída da mesa de “open” do Banco Central do Rio, na metade dos anos 90. Acredito que a indicação de Rogério Fróes ajude.
Essas operações de troca do perfil da dívida pública foram muito aplicadas pelo Banco Central quando a gerência da Dívida Pública era conduzida por Carlos Brandão. Brandão, que veio da Ceplac (“eu entendia de cacau”, dizia) e montou o “open market” no Brasil, a partir de 1968/69, quando Ernane Galvêas assumiu o Banco Central pela primeira vez. Os dois eram muito amigos.
Carlos Brandão foi presidente do Banco Central de março de 1979 a agosto do mesmo ano. Estava na Confederação Nacional do Comércio em um seminário, do qual Brandão era um dos principais palestrantes, e presenciei o constrangimento de Galvêas - que recebera pouco antes o convite do novo ministro do Planejamento, Delfim Neto, após a renúncia de Mário Henrique Simonsen, para assumir o BC - dar a notícia a Carlos Brandão. Era uma fase em que a sucessões eram menos turbulentas.
Vejam o que diz Luiz Cesar:
'André Lara versus Faria Lima'
Luiz Cezar Fernandes
“Em meu artigo anterior, falei da herança de Alan Greenspan, agora vou falar do legado deixado por Nicolas F. Brady.
Atribui-se ao ex-secretário do Tesouro norte-americano a popularização da fórmula do superávit primário, segundo a qual o resultado fiscal deve vir antes da dívida total (dívida + custo).
Todavia, a opção de Brady por separar o resultado fiscal em primário e nominal teve um efeito indesejado. Ela oculta as importantes relações de causalidade entre as políticas de governo e suas consequências na saúde financeira da sociedade.
É o que se vê, por exemplo, na nossa discussão de momento; a fixação do Banco Central em uma política monetária pautada apenas na taxa de juros para controle da inflação. O Banco Central pode manter a sua política, mas peca ao empreender esforços administrando apenas uma taxa, quando deveria gerir também toda a emissão de dívida pública.
A taxa mais importante para a economia é a de longo prazo, dado que os empresários se apoiam nela para alavancar as empresas e, consequentemente, a economia. O Banco Central deveria comprar desesperadamente títulos de mais longo prazo – com o aumento na demanda desses papéis, a taxa tende a cair bastante.
Para evitar a expansão monetária, caberia ao Banco Central vender os títulos de curto prazo, cuja taxa poderia até subir, mas ficaria naturalmente limitada à Selic.
Acompanhando a diminuição da taxa de longo prazo, o custo da dívida do país também será reduzido, abrindo espaço para novos investimentos. O excedente deveria abastecer projetos capazes de alavancar o aumento da produtividade geral do país – o mais indicado seria olhar para o setor de infraestrutura, fugindo das despesas correntes.
É para essa trilha que André Lara Resende aponta quando fala na injeção de recursos e na mitigação da importância do superávit primário.
O sucesso de uma política monetária, seja ela qual for, depende essencialmente do diálogo entre governo, Banco Central e sociedade. Algo que não está acontecendo. Aliás, falha também o governo ao ficar brigando com o Banco Central e com a Faria Lima.
A Secretaria do Tesouro tem capacidade própria para operar os títulos, não depende do Banco Central. A Faria Lima, por sua vez, opera essa mesma curva, e apoia a política do Banco Central porque essa deixa em aberto o preço dos papéis da dívida pública. O mercado compra e vende esses títulos, regulando ele próprio os preços praticados.
A única vez que o Banco Central atuou da forma correta foi na gestão do Sr. Carlos Brandão”.