O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

gilberto.cortes@jb.com.br

O OUTRO LADO DA MOEDA

Desenrola atinge o bolso das pessoas

Publicado em 06/06/2023 às 20:22

Alterado em 06/06/2023 às 20:22

Jornalista de economia há 51 anos, creio que meu faro da notícia não está batendo com o que norteia as manchetes dos grandes jornais e sites de notícias. Ontem o governo, na pessoa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou dois programas: um de incentivo à carro popular, que foi estendido a descontos para a troca de caminhões e ônibus; outro, o Desenrola, que deve entrar em capo em 1º de julho.

Na minha visão de economia – e recordando as recomendações do saudoso Paulo Henrique Amorim, que quando deixou a editoria de Economia do JB para assumir a chefia da Redação em 1980, nos pedia para escrever sobre economia para que “minha tia do Grajaú, entenda” – creio que a notícia mais relevante e de maior efeito econômico-social, seria o equacionamento das dívidas até R$ 5 mil que pós mais de 40 milhões de brasileiros no SPC.

Mas o Desenrola só entra em campo no mês que vem e não vai gerar anúncios (dificilmente aumentarão as veiculações de propaganda das grandes lojas de varejo (Magalu, Casas Bahia, Americans, etc) para atrair clientes que hoje estão negativados. Já as montadoras de automóveis e lojas de revenda vão acelerara campanhas para tentar atrair os clientes que não estão com nome do SPC. Resultado, fala-se há três semanas sem parar nos descontos para a compra do carro popular.

Inversão de papéis

Já foi o tempo em que a indústria automobilística – por enfeixar na sua cadeia produtiva uma gama de itens que movimentava várias outras indústrias (autopeças, laminação, pneus, vidros, borrachas, plásticos e estofados, material elétrico) – era tida, ao lado da construção civil (outra indústria que movimentava larga cadeia de fornecedores) como os principais motores da economia. E em torno delas eram criadas linhas de crédito a longo prazo.

No caso do mercado imobiliário, o Sistema Financeiro da Habitação segue eficiente até hoje, com captações baseadas no FGTS e nas cadernetas de poupança e Letras Imobiliárias. O mercado pede financiamentos de até 30/35 anos para pagar, com prestações compatíveis com o nível de renda da população.

No caso dos automóveis, a questão muda de figura. Não se trata de bem acessível à classe média baixa – para essas camadas torna-se necessária uma arrojada política de transportes de massa, com expansão das linhas de trem e metrô nas grandes cidades. E o caráter menos perene dos automóveis e as questões financeiras o tornam um bem menos acessível. E muito dependente das condições das taxas de juros. Na cruzada pós pandemia, a escalada dos juros afastou os automóveis do bolso da classe média.

No momento em que se prenuncia a redução dos juros (embora o Banco Central relute a se convencer de que a inflação perdeu o fôlego – como já é consenso nos Estados Unidos), o que se pergunta é se uma redução dos juros, nos próximos meses, será suficiente para reacelerar a venda de automóveis, com as fábricas com pátios ainda mais cheios desde que se anunciou um plano para facilitar a compra de carros com preços mais acessíveis. O que já vendia mal, travou de vez.

Mas a questão que se apresenta é: no momento em que o país se compromete a avançar a agenda de transição energética seria adequado o uso de um transporte mais restrito e movido a combustíveis fósseis?

O governo pretende gastar R$ 1,5 bilhão no programa. É um contrassenso. E vale a pena gastar subsídios para algo que está para ficar obsoleto? Do ponto de vista sócio-econômico, faz muito mais efeito o estímulo à troca de caminhões de cargas por modelos mais eficientes e menos poluentes na queima de combustíveis. O mesmo se aplica à frota de ônibus urbanos. Veículos menos poluentes e mais econômicos melhoram a qualidade de vida das cidades.

Para que serve a economia?

Aí voltamos ao ponto de partida. A função da economia é criar um estado de eficiência e bem-estar social. Neste aspecto, o programa Desenrola tem muito mais impacto social e econômico. Se uma imensa fatia da sociedade for aliviada de dívidas que se tornaram impagáveis, simultaneamente à queda dos juros, fatias expressivas da sociedade vão voltar a consumidor, sem restrições na abertura do crediário.

Mas o investimento do governo na solução de um problema crônico deve vir acompanhado de uma campanha para catequisar a população a não cair novamente na tentação do uso indiscriminado dos cartões de crédito (a corda que enforca as famílias.

As regras do Desenrola

A Medida Provisória 1.176 apresenta os detalhes do Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes - Desenrola Brasil. São objetos de renegociação dívidas de pessoas físicas no valor máximo de R$ 5 mil, de pessoas físicas, inscritas em cadastro de inadimplentes até 31 de dezembro de 2022. A renda mensal familiar deverá ser igual ou inferior a dois salários-mínimos; ou que estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. Dívidas relativas ao crédito rural ou financiamento imobiliário não fazem parte deste programa.

O governo espera impactar 30 milhões de CPF negativados. O governo espera que os credores atuais ofereçam um desconto elevado pois haverá garantira do Tesouro aos refinanciamentos, via o Fundo de Garantias das Operações.

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