A reforma do IR é que enche o cofre
Com três décadas de atraso, a Reforma Tributária já aprovada na Câmara e em exame no Senado, é vista com alívio. Veio simplificar a teia de tributos e contribuições que atazanam os brasileiros, sobretudo os empresários com atuação nacional, face à virtual existência de 27 regimes de tributos estaduais. A complexidade do parto recomenda dupla cautela: 1º, porque os efeitos serão demorados, passando por fase de transição; 2º porque a questão mais importante, será a reforma do Imposto de Renda, que vai buscar recursos nos bolsos dos mais ricos.
A reforma do IR é tão mais complexa, e suscita reações que, mesmo premido pela necessidade de reforço na arrecadação, para atender a programas sociais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desacelerou a pressa da tramitação da 2ª fase da reforma, para evitar que as polêmicas que surgiriam travassem a 1ª fase que passou relativamente rápida pela Câmara.
Mexer em Impostos – com aumento de alíquotas ou criação de novos tributos (mesmo que substitutivos) exige, pelo princípio da anualidade, que as novas normas sejam aprovadas no ano anterior para que vigorem no ano em curso. Ou seja, para que novos impostos no IR sejam cobrados em 2024, estes teriam que ser aprovados até dezembro deste ano.
Assim, para não parar a reforma como um todo, o ministro Fernando Haddad deu mais uma demonstração de sensatez e decidiu não colocar o carro adiante dos bois. O ministro pretendia apresentar a proposta do novo IR, com tributação sobre lucros e dividendos, e carga mais intensa sobre os mais ricos e, incluindo bens patrimoniais, com o projeto do Orçamento de 2024, visando zerar o atual déficit primário. Para não ficar sem nada, o ministério cogita apresentar em agosto mudanças na legislação do IR menos polêmicas, como a tributação de fundos exclusivos, que hoje não tributa recursos de bilionários.
'Reforma lenta, gradual e segura'
Os passos complexos da reforma tributária, que pretende trocar a concentração dos impostos arrecadados no país do consumo (que afeta os mais pobres e a classe média) para a renda e o patrimônio (que afetaria os mais ricos), pode ser comparada à chamada distensão política do governo do general Geisel, que dizia que ela teria de ser “lenta, gradual e segura”.
As contrapressões eram tantas que, após o governo sofrer derrotas nas eleições de 1982 (além de governadores a posição elegeu muitos senadores), houve retrocessos, como o “Pacote de abril de 1977”. No pacote, além de fechar o Congresso e cassar mandatos, o governo criou a figura do “senador biônico”, o 3º (não eleito) por estado, para reforçar a posição oficial no Colégio Eleitoral que elegeria o sucessor de Geisel (o general Figueiredo, em 1979).
Ao mesmo tempo em que o governo pretende simplificar, concentrando vários impostos no IVA dual – o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS dos estados e o ISS dos municípios; e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que vai unificar os tributos federais: PIS, Cofins e IPI, com base ampla e não cumulativo na cadeia de produção — ou seja, sem tributação em cascata, o governo não pode, pelo desenho do Arcabouço Fiscal, enfraquecer a arrecadação. Tem de trocar o pneu com o carro andando.
Os juros serão o aditivo
A chave disso tudo, ou melhor, o combustível que manterá o motor da economia acelerado – a melhor forma de arrecadar recursos e fazer a redistribuição de renda – será a troca do freio de mão puxado da trava dos juros da Selic (o piso de captação do mercado financeiro), que está em 13,75% ao ano, pelo estímulo que uma baixa acentuada e civilizada de juros venha a promover. A renegociação de dívidas do Desenrola vai ajudar.
Os indicadores declinantes da inflação nos Estados Unidos, nos países europeus da zona do Euro, e até mesmo no Reino Unido, que está mais atrasado na desaceleração da inflação, lançaram sinais de esperança de que o ciclo de alta dos juros pelos bancos centrais estará encerrado em breve. Porém, o último bombardeio da Rússia a portos da Ucrânia no Mar Negro, após o término do armistício para o escoamento da produção agrícola da Ucrânia, pode reacender pressões inflacionárias em alimentos e até combustíveis.
Antes do bombardeio de ontem, a Genial Investimentos, ao analisar a curva dos juros futuros do DI (Depósito Interfinanceiro), admitiu que “embute novamente cerca de 50% de chance de um corte de 0,50 ponto percentual da Selic em agosto.
Já a LCA Consultores, ao analisar a conjuntura, mesmo admitindo que os indicadores e sondagens mais recentes sugerem que as pressões inflacionárias vêm sofrendo moderação mais consistente nos EUA, em que pesem a resiliência da atividade econômica e a persistência de um quadro de insuficiência de mão-de-obra no mercado de trabalho, considera ser “pouco provável” que, diante dos sinais de desinflação, as autoridades monetárias mundiais promovam ajustes adicionais muito significativos em suas taxas básica de juros”. A LCA acredita que o Fed fará a última alta no próximo dia 26.
Em relação ao Brasil, a LCA dá quase como certo que o Banco Central começará a reduzir a taxa básica Selic a partir da próxima reunião do Copom, agendada para 02 de agosto. Ela espera corte inicial de 25 pontos-base, seguido de cortes de 50 pontos-base nas reuniões seguintes.
Parte dos mercados, assinala a LCA, aposta em flexibilização monetária mais rápida, por diversas razões: a recente valorização do câmbio; a deflação no atacado; a descompressão de expectativas inflacionárias; e a redução de incertezas com a preservação das metas de inflação e o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
Eu recomendaria 0,50 p.p. de baixa na largada. Mas, para que a distensão dos juros seja rápida, gradual e segura, melhor tirar obstáculos da pista, como jabutis e motivos para discussões que desejam apenas adiar a possibilidade do novo desenho do IR ser aprovado este ano, para vigorar em 2024.