Emprego forte, sobe juro nos EUA

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Os mercados de ativos (ações, títulos de renda fixa, moedas, criptoativos e commodities) operam muito alavancados em contratos de vencimentos futuros. As expectativas dos juros (que balizam as operações) são cruciais. Quando os sinais são de juros declinantes, e menores os riscos nas operações futuras, há pressão compradora e valorização. Como no velho oeste, quando os sinais de fumaça são contrários, os investidores agem como boiada para desfazer as operações. Isso amplifica a baixa, e não há cavalaria que tranquilize.

Os dados sobre a forte criação de empregos nos Estados Unidos em setembro (336 mil, quase o dobro do previsto pelos analistas), acendeu o sinal de alerta de que o Federal Reserve Bank, o Banco Central dos Estados Unidos, vai cumprir a ameaça de elevar os juros. O Fed se reúne dias 30 de outubro e 1º de novembro (mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária do Banco Central anuncia a nova taxa Selic, atualmente em 12,75% ao ano). Mas, na 4ª feira, 11 de outubro, o Federal Open Market Committee, o FOMC, inspirador do Copom, divulga a ata da reunião de 20 de setembro, com mais pistas dos próximos passos.

Pelo sim, pelo não, o mercado se antecipou em comportamento de boiada em todo o mundo e, diante do temor de alta dos juros, sob forte pressão de vendas, as cotações de ações e commodities despencaram. Juros mais altos fortalecem o dólar (moeda de referência do mercado de commodities, que sofreu mais baixa, em especial, o petróleo – um alívio para a Petrobras), mas o dólar subiu 0,87%, acima de R$ 5,20, e o Ibovespa despencou 0,84% a 112,4 mil pontos.

Qual o risco de a China “japonizar”?

As incertezas da economia mundial cresceram muito desde a crise financeira global de 2008, que levou à quebra do Leman Brothers. Uma das grandes vítimas da contração geral que se seguiu a mais um soluço do capitalismo financeiro foi a economia da China. Diante da retração dos mercados compradores de seus produtos manufaturados, o ritmo de expansão do PIB chinês, que ainda estava na casa de dois dígitos, desacelerou fortemente. Isso reduziu também a demanda chinesa por matérias primas e alimentos.

Embora a demanda de 1,4 bilhão de habitantes por soja, arroz, açúcar, carnes e milho continue firme, a pressão por petróleo, minério de ferro, celulose e metais não ferrosos e ratos, como alumínio, cobre, lítio e os insumos da transição energética tende a arrefecer um pouco. E o Brasil tem na China seu maior comprador de alimentos, minérios, celulose e petróleo.

É uma questão aritmética. Quando o numerador aumenta (o PIB, a base da economia chinesa, que se expandia a taxas de 18/17% no começo deste milênio e caiu abaixo de 10% de 2008 em diante e agora caminha na faixa inferior a 5% ao ano), é natural que a divisão pelo denominador gere coeficientes menores. Mas o volume de bens demandado pela China continuará crescente, porém, com índices anuais menos acelerados.

Faço o preâmbulo porque o Goldman Sachs publicou ontem interessante artigo de seu departamento de pesquisas sobre a possibilidade de a economia chinesa repetir a experiência do Japão na década de 1990 (reduziu o crescimento e passou à estagnação). A economista Hui Shan, da Goldman Sachs Research, conclui que, apesar de algumas semelhanças importantes entre as duas situações, a “japanização” da China está longe de ser certa.

Os sinais são semelhantes, mas a magnitude bem diversa. A população da China é mais de 10 vezes superior aos 126 milhões de habitantes do Japão, que tem uma longevidade elevada e baixa taxa de natalidade, o que aumentou o “peso” dos idosos na economia do Japão. Ainda que a deterioração demográfica, o excesso de dívida e o estouro da bolha de ativos tenham sido ingredientes importantes para o mal-estar do Japão na virada do século, um dos principais fatores para a sua estagnação foi uma mudança fundamental nas expectativas de crescimento a longo prazo, afirma a Goldman Sachs Research China. [acrescento que o próprio Japão reduziu sua capacidade de crescimento ao transferir parte da produção de suas indústrias para a China].

Hui Shan diz que as expectativas de crescimento na China, que também enfrenta o agravamento da demografia, um excesso de dívida e um mercado imobiliário em deflação, mostram tendência descendente, mas há formas de os gestores políticos evitarem uma recessão ao estilo japonês.

“A chave para evitar esse ciclo de “feedback” negativo é interromper a deterioração contínua das expectativas de crescimento a longo prazo”, afirma Shan. Ela destaca que há pontos positivos na economia, incluindo o investimento em maquinaria elétrica no setor industrial e um aumento na produção de instrumentos de precisão e automóveis. Os gestores políticos terão de gerir as perspectivas de crescimento do PIB à medida que a 2ª maior economia do mundo transita de um dos seus importantes motores econômicos – o investimento imobiliário e em infraestruturas – para um novo motor baseado numa produção melhorada e na autossuficiência.

Segundo algumas medidas, a situação da China parece ainda mais terrível do que a do Japão há cerca de 30 anos, segundo a Goldman Sachs Research. A taxa bruta de natalidade da China (a proporção entre o número de nascidos vivos num ano e a população total em meados do ano) baixou mais – caiu a 0,75% em 2022, bem aquém dos 0,99% do Japão em 1990 – e especialistas médicos acreditam que talvez ainda não tenha atingido o fundo do poço.

O mesmo se sucede no setor imobiliário da China. A desocupação de imóveis residenciais urbanos é de cerca de 20%, mais que o dobro da taxa de 9% que o Japão suportou em 1990, e os preços da habitação estão mais esticados em 20 vezes à renda familiar na China, contra 11 vezes no Japão em 1990. Dado que o investimento residencial representa cerca de duas vezes a percentagem do PIB da China comparado ao Japão em 1990, “o impacto direto de uma crise imobiliária na economia real seria maior na China do que no Japão”, adverte Shan.

Mas, existem circunstâncias favoráveis que sugerem que a China poderá conseguir evitar uma recessão prolongada. A crise imobiliária da China não seria acentuada por um colapso do mercado bolsista, como no Japão no início de 1990, quando a queda dos preços das ações prejudicou gravemente o seu sistema bancário. A China continuará provavelmente a desfrutar de um crescimento populacional constante nos seus centros urbanos, devido à sua taxa de urbanização ainda baixa, mesmo com o declínio da sua população global. E, com um PIB per capita significativamente mais baixo, a economia da China também tem, sem dúvida, uma taxa de crescimento potencial mais elevada do que a do Japão na década de 1990, “o que deverá tornar o processo de desalavancagem menos doloroso”, afirma Shan.

Além disso, as empresas chinesas saudáveis, ao contrário das empresas japonesas na década de 1990, não estão relutantes em investir porque os seus balanços estão prejudicados, mas sim devido ao aperto regulamentar e à imprevisibilidade das políticas. Os bancos japoneses adiaram a fazer provisões para empréstimos em atraso e concederam empréstimos de tolerância a empresas zumbis.

“O governo chinês não enfrenta os mesmos custos políticos que o governo japonês enfrentou, mas a sua preferência pelos bancos comerciais para absorverem uma grande parte das perdas em propriedades e na dívida implícita do governo local pode, no entanto, restringir a sua capacidade de criação de crédito”, afirma Shan.

A questão demográfica no Japão

Shan lembra que nem todos os problemas do Japão na década de 1990 estavam diretamente ligados à demografia. As empresas viram a demografia exercer uma pressão descendente sobre as expectativas de crescimento a longo prazo e reduziram os gastos e aumentaram a poupança, criando um ciclo de feedback negativo. Na verdade, a maior parte do declínio da taxa de crescimento potencial do Japão na década de 1990 pode ser explicada pela diminuição da contribuição do investimento no agravamento das expectativas de crescimento, diz Shan. Em contraste, a contribuição do trabalho desempenhou um papel relativamente pequeno.

“A deterioração das expectativas de crescimento a longo prazo, em vez da deterioração demográfica, estava no centro da 'japanificação'”, diz ela.

Os dados mais recentes provenientes da China sugerem que as expectativas enfraqueceram materialmente nos últimos 18 meses. O investimento privado, por exemplo, parou de aumentar após o início de 2022 e contraiu-se totalmente em 2023. Da mesma forma, a confiança dos consumidores despencou durante o confinamento de Xangai em abril de 2022 e manteve-se deprimida desde então. “A falta de respostas políticas coordenadas e enérgicas levou muitos analistas a degradarem as suas perspectivas de crescimento a médio prazo para a China”, afirma Shan.

Existem medidas que a China pode tomar para contrariar esse pessimismo, de acordo com a Goldman Sachs Research. O governo poderia enfatizar a importância do desenvolvimento económico, acelerar a reestruturação de promotores imobiliários problemáticos e veículos de financiamento do governo local e reforçar as redes de segurança social para incentivar o consumo das famílias a longo prazo.

Advertem também que os bancos comerciais não devem ser obrigados a suportar a maior parte das perdas com empréstimos durante a desalavancagem imobiliária para proteger a sua capacidade de conceder novo crédito, entre outras medidas para proporcionar maior segurança política.

“A previsibilidade e a coordenação das políticas são importantes para a procura de investimento do sector privado”, afirma Shan. “A economia chinesa não tem de seguir o caminho do Japão na década de 1990”, conclui Chan.

[Chamo a atenção para estudarmos melhor o impacto da demografia (com uma tomografia das suas ramificações em educação, formação de mão-de-obra e renda) na redução dos índices de crescimento do PIB brasileiro nesta década. Se tiramos o efeito da demanda da China, estaríamos piores do que a Argentina].