Inflação do Ipea explica vitória de Lula

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O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), subordinado ao Ministério do Planejamento, divulgou ontem (17) a sua pesquisa mensal que decompõe a inflação sentida pelas famílias conforme suas classes de renda. Na comparação entre o que aconteceu nos primeiros nove meses de 2022 e 2023, exatamente em cima das eleições de 3 e 30 de outubro de 2022), ficam claras as razões da vitória de Lula sobre Bolsonaro.

A intervenção desesperada do então ministro da Economia, Paulo Guedes, cortando em fins de junho impostos federais e estaduais sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, beneficiou mais o público de renda média a alta (mais inclinado a votar em Bolsonaro), que teve alívio nos combustíveis, energia e celular e internet até setembro.

Para as camadas que ganham até cinco salários-mínimos (hoje R$ 6.600), a maior faixa da sociedade e na qual Lula ganhou com margem expressiva, os preços dos alimentos, que pesam mais no orçamento, não caíram tanto em 2022. Já em 2023, com os impactos da supersafra, mesmo com o retorno (não integral) dos impostos cortados no ano passado, a baixa dos alimentos aliviou o orçamento dos mais pobres, o que explica a crescente popularidade de Lula.

É possível que a demora da oposição em aprovar o pacotaço eleitoreiro de Bolsonaro (que além da redução temporária dos impostos até 31 de dezembro de 2022, beneficiando os mais ricos) despejou bilhões nos bolsos dos mais pobres com o aumento do Auxílio Emergencial de R$ 400 para R$ 600 (até dezembro), junto com mesadas de R$ 1.000, de julho a dezembro, para caminhoneiros autônomos e taxistas, tenha vindo tarde.

A ideia era mitigar, com essa farta distribuição de benesses, a alta dos alimentos (11,09% em 2022, contra 5,79% do IPCA, devido aos cortes dos impostos). Mas o fato é que os efeitos da redução dos combustíveis nos fretes dos alimentos, transportados em caminhões a diesel, demoraram mais tempo a fazer efeito (o diesel teve redução bem menor que a gasolina) e o “timing” das benesses não aliviou as despesas dos mais pobres.

Os mais pobres continuaram preferindo Lula, pelo conjunto da obra de seus dois governos (2003 a 2010), comparados aos quatro anos de Bolsonaro, quando os alimentos dispararam. Na prática, o pacote eleitoreiro agradou aos mais ricos (as famílias que ganham acima da renda média atual (R$ 6.600 a R$ 10.100). Só o contingente intermediário, com renda entre R$ 4.000 e R$ 8 mil, balançou na preferência.

Os dados de 2023 mostram a tendência inversa: houve grande alívio nas despesas dos mais pobres (que correram abaixo da inflação nos primeiros nove meses, enquanto só a inflação das famílias mais ricas, que ganham acima de R$ 10 mil, teve inflação superior à variação do IPCA.

Vale observar que os mais ricos, com capacidade de poupar e fazer aplicações financeiras, conseguem neutralizar com os ganhos mensais pouco acima de 1% nas aplicações reguladas pela taxa Selic (que estavam em 13,75% desde 3 de agosto de 2022 caindo a 13,25% em 2 de agosto de 2023 e a 12,75% em 20 de setembro deste ano), podem cobrir eventuais aumentos de despesas com a volta dos impostos em combustíveis.

LCA: crise não altera cenário benigno

Para a LCA Consultores, em sua revisão quinzenal de cenário, o conflito armado entre Hamas e Israel por ora, não provocou impacto significativo sobre os ativos globais, que continuam mais condicionados ao noticiário econômico, sobretudo norte-americano. E a explicação está no cenário de desinflação (global e doméstica), que predomina sobre os riscos existentes. A consultoria lembra que nas últimas semanas, os resultados dos índices de preços sugeriram que a desinflação continua lenta e irregular nos EUA (diante do consumo sustentado pela força do mercado de trabalho), o que tornou a colocar alguma pressão sobre os juros dos títulos públicos norte-americanos.

A LCA considera que esses fatores de sustentação deverão perder intensidade, embora com velocidade menor que a esperada; assim como os preços ao produtor vêm igualmente ensaiando alguma aceleração, em resposta ao encarecimento recente de matérias-primas, sobretudo energéticas e alimentares. Há temores quanto aos riscos elevados climáticos e geopolíticos na desinflação global.

No Brasil, os resultados recentes da inflação ao consumidor continuaram a mostrar evolução relativamente benigna, com as medidas de tendência inflacionária correndo em níveis mais compatíveis com as metas. A LCA segue mantendo o IPCA em 4,7%, dentro, portanto, do teto da meta (3,25%+1,50%=4,75%). Mas ela observa que os riscos climáticos (El Niño) e as ameaças geopolíticas e as incertezas fiscais, recomendam manter projeções algo conservadoras para a inflação e o crescimento da atividade na economia doméstica em 2024”. Depois de crescer 3% este ano, o PIB deve desacelerar para 1,6% em 2024, quando o IPCA está estimado “ao redor de 4%, dentro do teto da meta”: 3,5%+1.50%=3,50%.

Crédito caro derruba vendas em agosto

O volume de vendas do comércio em agosto encolheu -0,2% frente a julho, segundo o IBGE. A queda dos preços da alimentação ajudou o aumento do volume de vendas de supermercados e hipermercados, que cresceu 0,9%. Entretanto, no comércio varejista ampliado, que inclui veículos, motos, partes e peças, material de construção e atacado especializado em produtos alimentícios, bebidas e fumo, o volume de vendas recuou 1,3% frente a julho, após queda de -0,4% no mês anterior, mostrando que o peso dos juros no crediário e no cartão de crédito está travando as vendas de bens de maior

É até engraçado que o IBGE tenha atribuído o mal desempenho das vendas do comércio à crise nas Americanas, com o título “Crise contábil das cadeias de lojas puxa taxas negativas”. Na verdade, há uma crise generalizada, com forte queda de vendas nas grandes cadeias varejistas (exceto supermercados). Em agosto. O gerente da Pesquisa de Comércio, Cristiano Santos, chegou a admitir que “ao longo do ano, até agosto, grandes cadeias de lojas de atividades de Outros artigos de uso pessoal e doméstico (-4,8%) Móveis e eletrodomésticos (-2,2%) e Tecidos, vestuário e calçados (-0,4%), vivem crises contábeis e estão passando por redução no número de lojas. Esse movimento de puxar o indicador para baixo está muito relacionado à crise contábil que ainda persiste até agosto”, analisa Cristiano Santos.

E os juros não têm peso na retração de 7,5% nas vendas de janeiro a agosto em Vestuário e Calçados, de 7,3% em móveis, de 2,8% em materiais de construção?