Haddad quer baixar juro real

Por Gilberto Menezes Côrtes

Com a indicação de Paulo Picchetti, para a diretoria Internacional e de Análises de Risco, e de Rodrigo Alves Teixeira, para de Relacionamento e Cidadania, que cuida também do corpo interno do Banco Central, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deseja que os dois nomes sejam aprovados ainda este ano pelo Senado (o recesso começa em 22 de dezembro e termina em 1º de fevereiro), a tempo de que ambos participem da 1ª reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central em 30 e 31 de janeiro.

Não se trata apenas de uma mera troca de posições e visões de economia. Deixam o colegiado do Copom dois diretores com visão conservadora: Fernanda Guardado, da área internacional e Maurício Moura, de Relacionamento, cujos mandatos expiram em 31 de dezembro. Ambos compunham com Diogo Guillen, de Política Econômica, e Renato Gomes, de Organização, a ala ortodoxa do Copom e mais resistente à queda dos juros.

Mas o movimento de Haddad vai muito mais além. Com a especialidade de Picchetti, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, que é responsável pelo levantamento dos diversos índices de inflação (os diversos IGPs e os índices de preços ao consumidor, além do Centro de Datação da FGV, que calcula o PIB, a intenção da Haddad é melhorar muito a avaliação do Copom em relação às projeções da inflação e do PIB.

Como se sabe, o plano de austeridade fiscal de Fernando Haddad – reafirmado esta manhã em reunião do presidente Lula com os ministros da área econômica, da Casa Civil, Rui Costa, e as lideranças dos partidos políticos que apoiam o governo no Congresso – tem como uma das pedras de toque o crescimento das receitas, acompanhando o crescimento da economia, para manter os gastos nos programas sociais prometidos por Lula na campanha.

Erros do BC custam caro

O Banco Central errou muito nas projeções do PIB e da inflação nos últimos três anos. Em 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, fez disparar os preços de combustíveis, alimentos e fertilizantes, com impacto geral na formação de preços e expectativas. Mas, como era ano eleitoral, para reverter as chances de reeleição de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cortou no fim de junho até 31 de dezembro de 2022 impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações.

Para lidar com uma inflação de dois dígitos, o Copom foi elevando a Taxa Selic até 13,75% em 3 de agosto. Mas a inflação em 12 meses despencou de 12,7% em abril para 5,79%, em dezembro. Não pelo efeito da política monetária (que se fez mais presente em 2023, e sim pela redução dos preços da gasolina e da energia elétrica. Ainda, o teto da meta de inflação (4,00%+1,50% de tolerância=5,50%) foi ultrapassado. E o ano terminou com um juro real (descontada a inflação) de 7,50%.

Assim, o ano de 2023 começou com uma grande incógnita: haveria recomposição imediata dos impostos em 1º de janeiro? (o que geraria pressão inflacionária na largada do governo Lula). Por falta de diálogo com o novo governo, que só na última hora desistiu da reoneração dos impostos imediata e integral (e o 8 de janeiro mostrou que Lula teve boa intuição) e adiou os aumentos para março em diante e de forma escalonada.

Como o BC mal dialogou com o governo, manteve o freio de mão da Selic puxado em 13,75% ao ano, preparando-se para a volta de um IPCA de dois dígitos. Que nunca veio, porque os impactos positivos da supersafra de grãos e da subida dos juros internacionais na redução das economistas líderes (o rebaixo dos preços internacionais das commodities) derrubaram a inflação. Nos dois casos, foram mal estimados pelo Copom, nas diretorias de Guillen e Guardado. Assim, o BC manteve a taxa Selic em 13,75% até 2 de agosto.

Para piorar, o BC não acreditou na promessa de Lula de abrasileirar os preços dos combustíveis, com uso mais intenso de óleo mais leve do pré-sal (que custa menos de 1/3 do preço do Brent) nas refinarias da Petrobras, abandonando em maio o alinhamento automático aos preços internacionais do PPI. O resultado é que a inflação em 12 meses chegou a descer a 3,16% em julho, mas o juro real atingiu o recorde de 10,26%. Isso travou a economia no 2º semestre, com reflexos até o começo de 2024. Por isso Haddad tem pressa.

A queda para 13,25% em 2 de agosto (com divisão no Copom), quando a metade mais ortodoxa insistia em 0,25 ponto percentual e a taxa caiu 0,50% pelo voto de minerva do presidente Roberto Campos Neto, só foi possível com a entrada de Gabriel Galípolo, ex-secretário executivo da Fazenda, para a diretoria de Política Monetária e de Aílton Aquino para a de Fiscalização.

Mesmo com parte do repique da volta dos impostos, a inflação atingiu o máximo de 5,05% em setembro e o juro real ficou em 7,39% com a Selic em 12,75. Se ela cair a 12,25% nesta semana, o juro real ainda seria superior a 7%, se a inflação do IPCA de outubro ficar nos 0,28% esperados pelo mercado (foi de 0,59% em outubro de 2022). Vale dizer que o cenário do Copom é o da inflação e juros 18 meses adiante (1º trimestre de 2025) e contempla juro real de 4,5%, com expectativa de inflação em torno de 3,5% e a Selic em 9,25%.

Os erros do Banco Central têm sido constantes e custam caro para o Tesouro Nacional (cada um ponto de alta na Taxa Selic gera despesa de R$ 45 bilhões ao longo de 12 meses) e para toda a sociedade (a Selic é apenas o piso bancário, que chega a ser três vezes maior). Os erros do Banco Central não são apenas por choques inesperados, sobretudo os vindos do exterior.

Picchetti pode melhorar Copom

Além da falta de diálogo com o governo, que deverá se estreitar - pois Picchetti e Rodrigo Teixeira faziam parte da equipe de Haddad, como Galípolo - há erros estruturais nos modelos de cálculo da inflação e do PIB pelo Copom. Os relatórios trimestrais de inflação (produzidos pelo Copom) ao fim de cada trimestre, vivem acumulando erros, na inflação, na estimativa do PIB (a menor porque colocou o sarrafo dos juros muito alto e travou a economia) e até nas previsões da balança comercial – má avaliação dos impactos da safra de grãos e do fim do PPI, com redução das importações de combustíveis. As pesquisas semanais do Relatório Focus do BC mostram essa divergência.

O Banco Central usa a inflação oficial, o IPCA, que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos (R$ 60.600) e o IBC-Br como antecipação do PIB. Picchetti, tinha o índice de Preços ao Consumidor da FGV, apurado em 16 capitais, que acusou alta de 3,91% nos últimos 12 meses pelo IGP-M (dados apurados até 20 de outubro). Bem menos que os 4,8% estimados para o IPCA. Uma diferença de quase um ponto, que ampliam a trava do gap do juro real. No caso do IBC-Br, há também erros comparados aos resultados trimestrais do IBGE, que têm ficado em linha com o PIB da FGV. Picchetti pode ajudar a melhorar a acurácia do Copom em todos os casos.

Não precisa nem recuar muito no tempo (quando os engenheiros de obras feitas levam vantagens), mas as projeções do último quadrimestre já mostram como os erros do Copom têm custado muito para toda a sociedade. Com mais segurança, o Copom pode reduzir mais rápido os juros no começo de 2024 e evitar que a economia aumente a sua desaceleração que afetaria a área fiscal.