Após Ata, Selic de 9,25% a 10,50% para 2024

Por Gilberto Menezes Côrtes

Apesar de o 1º dos 28 tópicos de avaliação da conjuntura internacional e doméstica, bem como o balanço de riscos inflacionários, bélicos, climáticos e fiscais avaliados dias 31 de outubro e 1º de novembro pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, ter sido desmentido pelos fatos antes da divulgação da íntegra da Ata, nesta 3ª feira, 7 de novembro, a visão otimista do mercado financeiro para a ansiada (pelo setor real) queda mais intensa de juros em 2024 diminuiu, crescendo a corrente que prevê um nível mais alto.

A Ata do Copom derrapou logo no 1º item: “1. O ambiente externo mostra-se adverso, em função da elevação das taxas de juros de prazos mais longos nos Estados Unidos, da resiliência dos núcleos de inflação em níveis ainda elevados em diversos países e de novas tensões geopolíticas”. Na 5ª feira passada, com os dados de enfraquecimento do mercado de trabalho nos Estados Unidos (reflexo da escalada dos juros, pausada pelo Fed), os juros a médio e longo prazo dos títulos do Tesouro americano caíram e mantiveram a baixa, que se refletiu em nova queda do dólar a menos de R$ 4,88.

Dá para confiar nas demais observações, depois de tantos erros de avaliação do Copom (na inflação dos alimentos e dos combustíveis, por exemplo)? Todos sabem que os limites fiscais – reiterados pelo Comitê – estão estreitos para 2024. Muitas das projeções da equipe econômica dependem de aprovações de propostas de aumento de tributação pelo governo (à parte a reforma tributária). Por isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, hesita em fechar a proposta do Orçamento Geral da União para 2024 antes de a Câmara e o Senado votarem os projetos que reforçariam a arrecadação.

Os dois cenários

Num cenário ótimo, como numa gangorra, se o reforço da arrecadação for garantido, tende a diminuir o déficit. Isso reduz o temor do mercado e gera espaço para maior queda das taxas de juros. O que estimularia a economia e o consumo, aumentando a arrecadação e diminuindo o déficit. Seria um ganha-ganha. Um cenário adverso, com dificuldades de aprovação de medidas de reforço da arrecadação, reduz o espaço de queda dos juros, o que inibe o consumo e o crescimento da economia, gerando arrecadação mais fraca.

Por isso, é sintomática a variedade de interpretações no mercado financeiro da íntegra da Ata do Copom. O Bradesco, num tom otimista, reproduz o que a última pesquisa Focus, divulgada 2ª feira, com respostas de uma centena e meia de instituições financeiras, consultoria se institutos de pesquisa, já apontaram: a Selic fecha este ano em 11,75% ao ano e tende a manter ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual “por pelo menos mais duas reuniões do Copom”. Entretanto “com a comunicação recente do Banco Central, o Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas do Bradesco “acredita que probabilidade de uma aceleração no ritmo de cortes caiu” e espera que a Selic feche em 9,25% em 2024.

O Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú diz que o comunicado, indica a disposição em manter o atual ritmo de flexibilização de 50 p.b. nas próximas reuniões – ou seja, pelo menos, dezembro e janeiro”. Mas adverte que o texto inclui vários acenos na direção de um menor espaço para cortes de juros, incluindo “a preocupação com expectativas de inflação desancoradas, perspectiva de uma desinflação mais lenta no futuro, uma possível fraqueza do real devido ao ambiente externo, deterioração fiscal, e um hiato do produto mais reduzido, o que, curiosamente, parece ter impacto na projeção para 2025”. Somando tudo, o Itaú espera que o comitê reduza a taxa Selic para 11,75% a.a. na reunião de dezembro, e para 9,50% a.a. em 2024.

Já a Genial Investimentos foi mais pessimista. Além de considerar os riscos ainda existentes de uma última elevação de juros nos EUA, em função de impactos do conflito entre o Hamas e Israel, o economista chefe da Genial, José Márcio Camargo vê um quadro mais difícil para a política fiscal em 2024. Apesar de a Ata do Copom garantir duas quedas de 0,50 p.p. na Selic até 11,25% em 31 de janeiro, Camargo vê dificuldades para a sequência, já em ritmo de 0,25 p.p. de março em diante. E prevê que feche 2024 em 10,50%, 1,25 p.p. acima da última mediana do mercado na Pesquisa Focus, de 9,25%.

Qual o critério da dívida, afinal

O Banco Central utiliza na Pesquisa Semanal Focus junto ao mercado financeiro a avaliação das projeções dos 150 agentes que respondem aos questionários até 6ª feira, a métrica da Dívida Pública Líquida do Governo Geral em relação ao Produto Interno Bruto. Ou seja, à proporção da dívida líquida - a bruta, excluída dos títulos públicos federais na carteira do Demab, o Departamento do BC que realiza operações diárias de compra e venda de papeis no “open market” para regular a liquidez do sistema financeiro.

Pela Focus desta semana, o mercado prevê que a DLGG feche em 60,61% do PIB este ano; 63,68% em 2024; 65,90% em 2025; e 67,80% em 2026.

Mas hoje, pela manhã, em apresentação nesta manhã, na Bradesco Asset Management, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, usou a métrica raramente considerada da Dívida Bruta do Governo Geral (a diferença é de mais de R$ 1,5 trilhão) e traçou um cenário assustador até 2031.

Mesmo caindo dos 86,9% do PIB, em 2021, para 73,5% do PIB em 2022, os dados são mais assustadores que os da dívida líquida: para 2023 o cenário otimista aponta redução para 73% este ano e 70,2% em 2031. O cenário da mediana, mantém o nível de 2022 este ano e chega a 88,7% em 2031. Já o cenário pessimista salta de mais de 78% em 2024 para 109,9% em 2031.

Detalhe: o mandato de Campos no BC acaba em 31 de dezembro de 2025.

Por que eles preferem a guerra?

O mesmo “Power Point” apresentado por Roberto Campos Net no evento da Bradesco Asset Management, traz, em sua página 16, interessante comparativo que explica a preferência dos países poderosos pelos gastos militares, comparados aos gastos públicos para a melhoria da infraestrutura, que tendem a gerar mais eficiência, bem como investimentos em avanços tecnológicos em Chips e na transição energética e corte de subsídios.

Iniciativas como o Inflation Reduction Act, Chips and Science Act e Infrastructure Bill requerem investimentos de US$ 2,4 trilhões em dez anos nos Estados Unidos. O IRA prevê US$ 1,660 trilhão, sendo US$ 879 bilhões do setor privado e US$ 781 bilhões do setor público. Já o CSA teria gastos de US$ 167 bilhões, cabendo US$ 115 bilhões ao setor privado e US$ 52 bilhões aos governos. E o IB teria US$ 550 bilhões do setor público para infraestrutura.

Mas, só no ano passado, os EUA gastaram US$ 877 bilhões em defesa, o que correspondeu a 12% das despesas do orçamento federal. E os gastos dos 10 maiores países do mundo em defesa não ficaram atrás: US$ 849 bilhões. A China liderou com mais de US$ 220 bilhões, superando a soma de Rússia e Índia. A Arábia Saudita veio em 4º lugar, à frente do Reino Unido, Alemanha e França. Coreia do Sul, Japão e Ucrânia fecham a lista, que não situa a posição de Israel e Irã, países que gastam muito em defesa.

Gastos com defesa (aprovados com mais facilidade nos parlamentos) escondem que parte dos investimentos para manter o poder de fogo de cada nação embutem pesquisas tecnológicas que extravasam o estrito uso militar. A web é o maior exemplo. Surgiu, nos anos 60, em plena guerra do Vietnã, com a Arpanet, uma rede de troca de informações militares para o Pentágono. Em tempo de paz, seu uso comercial se multiplicou, gerando as redes sociais, o e-commerce e as transações financeiras online, como o PIX.

Mas é também em tempos de paz (cada vez mais raros) que o poder de fogo faz o papel moderno da política do “big stick” (porrete grande), com a qual os EUA e outros países intimidavam e seguem na batida contra quem ousa desrespeitar leis de patentes e acordos comerciais e financeiros.