A força da arrecadação não evita cautela
A arrecadação federal de R$ 186,5 bilhões em fevereiro ficou acima das expectativas de mercado (R$ 184,4 bilhões). A LCA Consultores, que previa R$ 183,2 bilhões, assinala que o desvio foi concentrado em IPI nas receitas administradas pela Receita Federal do Brasil, bem como nas receitas de royalties de petróleo. Assim, houve crescimento real na receita total de +12,3% em bases anuais (fevereiro contra fevereiro). Na margem, a arrecadação total dessazonalizada mostrou variação mensal de +1,7% sobre janeiro.
Muito do aumento da arrecadação está ligado à recomposição da oneração (ainda que em menor nível) dos impostos reduzidos de forma temporária (até 31 12.2022) e eleitoralmente pelo governo de Jair Bolsonaro no 3º trimestre de 2022. A outra parte veio da instituição de tributos sobre atividades do mercado financeiro que estavam isentas. Trata-se, filosoficamente, da aplicação da reforma tributária, com o objetivo de desonerar a carga dos impostos sobre os consumidores e redirecionar o ônus tributário sobre as aplicações financeiras dos mais ricos, absurdamente isentas. A reforma do IR é o 2º capítulo.
Acerto de contas
Pelo 3º mês seguido, um dos destaques foi a arrecadação de R$ 4,0 bilhões sobre fundos de investimentos exclusivos (bilionários que têm fundos exclusivos para si e passaram a recolher IR em bases semestrais, como ocorre com o regime de come-cotas, sobre cotistas comuns de fundos de renda fixa ou variável). Por se referir à tributação sobre rendimentos passados, com alíquota reduzida de 15% para 8%, o valor deve se repetir em mais uma parcela, em março, como consta no cronograma oficial.
Os rendimentos referentes a fundos “off-shore” ainda não foram contabilizados e devem registrar recolhimentos até o mês de maio, prazo definido em lei para que os contribuintes se enquadrem nas novas normas. O mês de abril pode garantir, assim como fevereiro março, aumento de arrecadação com a tributação do IR sobre a movimentação que o pagamento de R$ 90 bilhões em precatórios atrasados pelo governo Bolsonaro, produzir na economia. E um restante de R$ 30,1 bilhões seria pago no 2º trimestre.
De outra parte, como o governo também antecipou para o começo dos meses de abril e de maio o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, calcula-se a injeção de R$ 33 bilhões na economia em abril e R$ 34 bilhões em maio. Não é pouco. A soma de R$ 120 bilhões em precatórios e dos R$ 77 bilhões do 13º, beira a R$ 200 bilhões de empuxo no PIB.
Cautela do Copom
Esta pode ter sido uma das razões (não explicitadas no comunicado do Copom) para a decisão de limitar, por enquanto uma nova queda de 0,50 ponto percentual na taxa Selic (que caiu para 10,75%) à próxima reunião, de 8 de maio. Isso poderá ser verificado na divulgação da Ata do Copom, na 3ª feira, 26 de março. E nas entrevistas dos diretores do Banco Central, na divulgação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), dia 28 (5ª feira). Também pode ficar mais clara a influência da decisão do Federal Reserve de não anunciar quando daria início dos juros nos Estados Unidos, na cautela do Copom.
O salto da recomposição
Na comparação de 12 meses na taxa de evolução dos tributos, chama a atenção o crescimento de IPI (+23,8%), da Cofins (+22,2%) e do PIS/PASEP (+18,6%). Ao analisar o desempenho da arrecadação, a LCA chama a atenção para o fato de que “a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/COFINS, em 2017, gerou um estoque de créditos tributários aos contribuintes e aumentou o nível de compensações tributárias desde então”.
“A Receita Federal ainda não tem informações suficientes para confirmar, mas o crescimento registrado em PIS/COFINS sugere que as compensações tributárias causadas pela exclusão do ICMS podem estar se reduzindo. Ainda não foram registradas também recolhimentos relevantes de Imposto de Renda Retido na Fonte, referente ao pagamento dos R$ 92 bilhões de precatórios em dezembro”.
“A desoneração na folha de salários gerou perda de arrecadação estimada em R$ 1,868 bilhão em fevereiro de 2024, contra R$ 965 milhões em fevereiro de 2023, crescimento real de +85,2% na base anual. Com as alterações aprovadas no Congresso em 2023, houve a inclusão de municípios com até 156 mil habitantes na alíquota reduzida e redução adicional da alíquota do setor de transporte coletivo de passageiros (de 2% para 1% sobre o faturamento)”.
“Nos próximos meses, além da parcela final sobre fundos exclusivos e recolhimentos sobre fundos offshore, o governo espera que comecem a ser registrados os impactos de medidas já aprovadas ou em tramitação no Congresso. Entre elas estão as menores subvenções de ICMS na base de cálculo de IR/CSLL, apostas esportivas, julgamentos favoráveis ao fisco no CARF e novas transações tributárias”.
Na visão da LCA Consultores, os números positivos na margem dão força ao objetivo do governo de manter a meta de primário, mas a arrecadação nesse patamar observado neste 1º bimestre ainda parece insuficiente para atingir a meta de resultado equilibrado no fim do ano. Nas estimativas da LCA, o governo central deve registrar déficit de -R$ 80 bilhões (-0,7% do PIB) em 2024.
Após esse resultado, ela projeta déficit primário do governo central de -R$ 55,8 bilhões em fevereiro, um mês em que se registra déficits primários desde 2013, mas em 2024 terá em suas despesas uma pressão adicional no pagamento de precatórios em R$ 30,1 bilhões. Os valores já estavam planejados no orçamento anual, portanto do déficit projetado para 2024 não se altera, mas nos últimos anos os pagamentos costumavam ocorrer após o 1º bimestre.
Responsabilidade fiscal
Entretanto, pelo sim, pelo não, cumprindo os princípios da responsabilidade fiscal do Arcabouço Fiscal, os ministérios da Fazenda e do Planejamento recomendaram o contingenciamento de R$ 2,9 bilhões (1,42%) nas despesas do orçamento dos dois primeiros meses do ano para fazer frente a eventuais despesas discricionárias (obrigatórias) que fujam das projeções.
Ou seja, as arrecadações extras de ajustes passados não estão levando o governo a viajar na maionese e sair gastando adoidado por conta.