O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Muita água ainda vai rolar nos EUA

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Publicado em 22/07/2024 às 14:52

Alterado em 22/07/2024 às 14:52

Gabriel Galípolo Foto: BC

O dólar enfraqueceu ante a maioria das moedas no primeiro dia útil depois da desistência da candidatura democrata pelo presidente Joe Biden em favor de sua vice, Kamala Harris. E apesar de “analistas” ouvidos pela Broadcast afirmarem que “o impacto da saída de Biden do páreo já estava precificado pelo mercado”, não foi isso que aconteceu. Pelo menos em relação ao real, que apresenta valorização de mais de 1,15% frente ao dólar, bem mais do que os 0,37% de ganhos do iene e do avanço de mais de 0,60% do peso mexicano.

Uma análise da composição do eleitorado dos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, mostra que a troca de um idoso e combalido Biden (81 anos) pela jovem e ativa vice-presidente que completa 60 anos em outubro, pode mudar as chances eleitorais do republicano Donald Trump (78 completados em 14 de junho). Nos EUA, o que conta são os votos nos colégios eleitorais dos 51 estados. Quem vence em cada estado leva a totalidade dos votos do colégio. E quem atinge mais de 270 votos dos 538 do Colégio Eleitoral é eleito presidente.

Somente 19 estados concentram 281 votos do Colégio Eleitoral. Os mais importantes, pela ordem, são: Califórnia (54), Texas (40), Flórida (30), Nova Iorque (28), Illinois (19), Pensilvânia (19), Ohio (17), Carolina do Norte (16), Georgia (16), Michigan (15), Nova Jersey (14) e Virgínia (13). Whashington tem 12. Mas é a tendência do eleitorado total é que influi no resultado de cada colégio. A disputa entre Biden e Trump estava pendendo para o ex-presidente; com Kamala pode mudar o cenário.

O impacto dos negros e imigrantes

Até a Lei do Voto, aprovada por Lyndon B. Johnson, em 6 de agosto de 1965, os negros não podiam votar nos EUA. Atendendo à pressão do movimento negro e da marcha dos direitos civis liderada por Martin Luther King, o então presidente sancionou a lei, que só foi testada em 1968, quando Nixon foi eleito. Por isso, é errado comparar os 60,8% representados pelos votos de 156,5 milhões de eleitores em 2020 (quando Biden foi eleito pela maciça mobilização do voto negro, hispânico e imigrantes em geral e pelo uso do voto pelo correio, já que o país estava no auge do contágio da Covid – que agora pegou Biden) com os 61,4% de recorde anterior de comparecimento do eleitorado apto em 1964 (era uma eleição basicamente de brancos).

As análises recentes mostram que 60% do atual eleitorado (cerca de 260 milhões de pessoas) nascido depois de 1980 são de eleitores negros, e imigrantes (hispânicos latino-americanos, brasileiros e descendentes de asiáticos). E, como no Brasil, as mulheres são maioria do eleitorado. Sendo assim, uma candidata descendente de um negro natural da Jamaica e de mãe indiana, como Kamala Harris, representa o embate perfeito contra o candidato Trump: supremacista branco, contrário a imigrantes e com baixa penetração entre o eleitorado negro e latino, como se viu na Convenção de Milwaukee.

Biden estava com pouco dinamismo para mobilizar as forças progressistas, que se alinham aos democratas. Já Kamala Harris, que foi senadora e procuradora geral pela California, pode mobilizar novas camadas da população e mudar a tendência do voto no maior Colégio Eleitoral americano e nos estados mais importantes do ponto de vista de número de delegados.

Pode-se fazer comparação entre o que houve entre o 1º e o 2º turno da eleição legislativa na França. No 1º, a candidata ultradireita da Reunião Nacional, Marine Le Pen, saiu vitoriosa, a esquerda ficou em 2º e o grupo do presidente Emmanuel Macron, em 3º. No 2º turno, uma semana depois, houve tal mobilização no intervalo que a esquerda liderou, Macron ficou em 2º e Le Pen em 3º lugar. O cenário com Kamala Harris pode tirar o favoritismo de Trump.

Haddad já negocia com Galípolo no BC

O fato mais importante do ponto de vista político-econômico no Brasil, que aguarda a definição, logo mais à tarde, dos cortes orçamentários, o que será acompanhado pelo balanço das contas públicas no 3º bimestre (maio-junho), é que o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, já está sendo tratado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como o virtual novo presidente do Banco Central.

Oficialmente, o mandato de Roberto Campos Neto termina em 31 de dezembro de 2024, mas ele mesmo já sugeriu que a sucessão seja antecipada para agosto. O nome de Galípolo precisa ser indicado ao Senado, sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos e depois submetido à votação do plenário de 81 senadores (o presidente Rodrigo Pacheco só votaria em caso de empate).

Galípolo não foi sequer indicado, mas sua convocação, para uma reunião, às 16 horas, no gabinete de Haddad em São Paulo, com a presença do superintendente da Susep, Alexandre Octavini, para discutir a criação de uma autarquia para cuidar dos riscos prudenciais no mercado financeiro (a Susep cuida das companhias de seguros e de capitalização e previdência) em articulação com o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliário, mostra uma guinada em relação à PEC da autonomia financeira, cuja discussão no Senado foi adiada para a volta do recesso, em agosto.

Campos Neto, que apoia a PEC da independência financeira, não foi chamado para a reunião (dado que advoga e cumpre a linha da independência total do BC ao Executivo). Mas, o significado, vai além de indicar a busca de maior entendimento entre Fazenda e Banco Central (Galipolo era secretário-executivo da Fazenda, quando foi indicado ao BC em junho de 2023) e o mercado já deve ter percebido isso pelo tombo do dólar.

Mandato antecipado no BC?

Pode indicar uma antecipação da posse de Galípolo (se for indicado e aprovado pelo Senado) com a renúncia de Campos Neto em setembro. Neste caso, além de dois diretores cujos mandatos expiram em 31 de dezembro (Carolina de Assis e Octávio Dalmaso), a diretoria de Política Monetária pode necessitar de substituto.

Isso elevaria os atuais quatro diretores indicados pelo governo Lula entre os nove componentes do Comitê de Política Monetária para seis em setembro, com mais duas indicações no final do ano. Isso sem falar da possibilidade de troca de posição nas diretorias como Campos Neto fez ao tirar Carolina de Assis da Administração, entregue a Rodrigo Teixeira este ano, para a diretoria de Cidadania e Relacionamento. Em minha opinião, uma troca viável seria a ida do tarimbado economista Paulo Pichette para a diretoria de Política Econômica, no lugar do jovem Diogo Guillen, que era braço-direito de RCN.

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