O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Para mercado, falta cortar mais

Publicado em 23/07/2024 às 16:05

Alterado em 23/07/2024 às 16:05

No final da tarde de ontem, foi divulgado o tão aguardado relatório bimestral de receitas e despesas, referente ao terceiro bimestre de 2024. Em análises da LCA Consultores e da Genial Investimentos, nota-se que o mercado financeiro ainda põe em dúvidas das projeções fiscais. O relatório apontou a necessidade de contenção total de despesas no montante de R$ 15,0 bi a fim de se garantir o cumprimento da banda inferior da meta de resultado primário (-R$ 28,8 bi) estipulado pelo Novo Regime Fiscal Sustentável.

Frente ao relatório de maio, houve piora de R$ 33,9 bilhões no resultado primário projetado para 2024, refletindo as combinações entre a queda de R$ 13,2 bi nas estimativas de receitas líquidas e o aumento de R$ 20,7 bi nas despesas primárias (aumento de R$ 15,8 bi em pagamentos de créditos extraordinários referentes ao enfrentamento da tragédia no Rio Grande do Sul e a menor arrecadação referente à manutenção da desoneração da folha de pagamentos de estados e municípios no montante de R$ 5,2 bilhões.

O governo espera arrecadar R$ 168 bilhões com novas tributações e reforço de recebimento de litígios tributários e no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). No 1º trimestre, sem detalhamento em algumas rubricas, o relatório apontou a execução de R$ 81 bilhões. Restam R$ 87 bilhões para o período julho-dezembro. No Carf, da previsão de R$ 56 bilhões, restam R$ 38 bilhões para o 2º semestre; nos R$ 43 bilhões das transações tributárias, faltam R$ 23 bilhões; da redução de incentivos (ICMS) em IRPJ e CSLL, faltam R$ 14 bilhões dos R$ 26 bilhões previstos; e nas compensações das desonerações tributárias faltam R$ 12 bilhões, 50% do previsto. Efetivamente, já foram 100% cumpridos as previsões para as tributações de fundos exclusivos e “off-shores” (R$ 19 bilhões) e R$ 1 bilhão em apostas esportivas.

Genial cética

A Genial considera “superestimadas” a arrecadação de R$ 24,2 bi com Concessões e Permissões em 2024, já que até maio foram arrecadados apenas R$ 2,6 bilhões. A Genial põe em dúvida a meta do Carf. Do lado das despesas, sugere que as estimativas de gastos do governo estejam subestimadas em R$ 15 bilhões apenas nas rubricas de benefícios previdenciários e de prestação continuada da LOAS/RMV, que vêm crescendo em um ritmo acelerado devido ao aumento da quantidade de requerimentos novos e analisados e da nova política de valorização do salário-mínimo.

Para a Genial, apesar do bloqueio e contingenciamento de despesas de R$ 15,0 bi sinalizarem a busca por parte do governo em cumprir o arcabouço fiscal vigente, este se mostra insuficiente para garantir a meta de resultado primário (banda inferior) em 2024. Ela avalia que os próximos meses devem ser marcados pela continuidade das discussões e ruídos no que tange a condução da política fiscal brasileira, pondo em xeque a capacidade do governo em promover ajustes. Prevê ainda resistências do Congresso em aprovar novas medidas arrecadatórias. Assim, o cumprimento da meta do ano dependerá da inclinação do governo em cortar despesas nos próximos meses ou sofrer as consequências dos gatilhos de contenção de despesas na corrida presidencial de 2026.

LCA realista

A LCA lembra que após a avaliação de receitas e despesas primárias do 3º bimestre governo deve publicar um decreto de reprogramação financeira no dia 30/07, para efetivar as revisões contidas no relatório. A projeção de resultado primário, excluídas as despesas extraordinárias (no RS, houve pagamento de créditos extraordinários de R$ 15,8 bilhões), passou de -R$ 13,7 bilhões (-0,1% do PIB) para -R$ 28,8 bilhões (-0,25% do PIB), limite inferior da meta de primário. Nesse valor já está computado o contingenciamento de receitas de R$ 3,8 bilhões.

Na apresentação do relatório, foram reveladas menos informações nas "medidas arrecadatórias" aprovadas em 2023. Agora não houve divulgação da projeção total de 2024 ou para a estimativa arrecadada de janeiro a junho. Na coletiva foi reforçada a posição de que só será possível saber se parte das medidas atingiram realmente os resultados esperados em meados de 2025, quando a Receita Federal terá os dados detalhados informados pelos contribuintes. A única abertura disponível agora é do valor esperado de julho a dezembro.

A falta de dados do Carf, deve-se, segundo informações do secretário da Receita Federal, porque há um “gap” de 6 meses entre o julgamento no CARF, elaboração do acórdão, cálculos da Receita Federal, notificação do contribuinte, e o prazo até que o contribuinte decida aderir à regularização. Assim, julgamentos do CARF de fevereiro devem mostrar recolhimentos somente em agosto, caso o contribuinte decida aderir a regularização à vista (com descontos de multas e juros).

Na questão da desoneração da folha, os secretários indicaram que o impacto total de perdas foi considerado nas projeções, mas que dados os valores arrecados até junho e a incorporação de outras medidas alternativas, não é possível observar grandes variações nas projeções agregadas. Segundo estimativas recentes, o impacto total da desoneração da folha (para empresas e municípios) segue em torno de R$ 25 bilhões ao ano, corroborado por novas informações obtidas pela Receita Federal.

Do lado das despesas, o bloqueio de R$ 11,2 bilhões nas discricionárias serviu para majorar outras previsões de despesas obrigatórias no mesmo montante. As principais revisões foram em BPC (+R$ 6 bilhões) e benefícios previdenciários (+R$ 5 bilhões). Benefícios previdenciários ainda parecem subestimados em cerca de R$ 20 bilhões, segundo as estimativas da LCA.

Apesar disso, dólar segue em queda

Apesar das reticências quanto ao quadro fiscal, o dólar voltou a cair diante do real (e ainda frente ao iene, à lira turca e ao peso mexicano), numa prova de que o argumento de desconfiança fiscal para a especulação com dólar em maio e junho não era sólido. Era mais uma questão de arbitragem de juros do Brasil X juros dos Estados Unidos. Com a possibilidade de o Fed baixar os juros em setembro, as especulações esfriaram.

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