O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Os altos custos dos erros de cálculos

Publicado em 05/09/2024 às 13:49

Alterado em 05/09/2024 às 13:49

A precisão das projeções macroeconômicas está sob escrutínio em todo o mundo. Na recente reunião anual do Banco Central de Kansas City, em Jackson Hole, no Wyoming, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, falou sobre a necessidade de dados mais acurados para guiar os passos da política monetária. A falta de precisão nos dados pode ter retardado a reação do Fed para iniciar a baixa dos juros e evitar um contração de impacto global.

Embora a meta de inflação nos Estados Unidos seja de 2% e a inflação (que andou rodando acima de 4%) já tenha entrado na faixa de 2,7%, sugerindo que “é hora de baixar os juros”, na reunião do Fed, em 17 e 18 de setembro, quanto de estragos já não foram causados mundo afora pela manutenção do freio dos juros puxados do Fed na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano?

O esfriamento no mercado de trabalho nos EUA (o mandato do Fed é pelo controle da inflação e pelo pleno emprego) em agosto: dados divulgados nesta 5ª feira mostraram a criação de só 99 mil vagas, contra as 144 mil esperadas pelo mercado, agravando um quadro de forte desaceleração (os dados do julho foram revisados para baixo, de 122 mil para 111 mil vagas), e sugerem a necessidade de o Fed ser mais vigoroso e reduzir os juros em 0,50%, e não apenas em 0,25%, para evitar uma recessão no país e reflexos no mundo.

No Brasil, onde a tradição inflacionária sempre foi maior e a resistência à desaceleração da alta de preços é mais penosa, devido à longa convivência com a indexação da economia (no Plano Real, de julho de 1994, o grau de indexação iniciado com a criação da correção monetária, em julho de 1964, arrefeceu, mas continua presente em muitos cálculos de reajustes de preços e tarifas), a meta de inflação (3%) já é um ponto acima da dos EUA e Europa e condiciona juros reais ainda mais exagerados que nos EUA: 10,50% X 5,50%.

Os custos da manutenção de juros reais elevados por muito tempo são danosos para a economia, com fortes consequências sociais. Para começo de conversa, agrava a concentração de renda, pois as altas taxas de juros reais são desfrutadas pelas camadas mais ricas da população (até o 3º governo Lula fundos de investimento individuais para bilionários tinham tributação favorecida ante os demais investidores).

Os juros altos oneram as famílias e as empresas, em benefício do sistema financeiro, e inibem os investimentos que poderiam ampliar a produtividade e a economia de escala, que contribuiu para reduzir a inflação (quanto mais uma máquina produzir, mas rápido será a amortização do capital investido). O efeito macroeconômico é que o crescimento não se sustenta quando o freio de mão dos juros está puxado. O PIB tem “voos de galinha e a receita ortodoxa de rigor monetário, gera baixo crescimento e perpetua o círculo vicioso da economia.

Inspirado nos princípios provados de John Maynard Keynes, de que a demanda tende a gerar oferta, pois desperta “o espírito animal do empreendedor” o plano econômico do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sintetizado no Arcabouço Fiscal, persegue o “círculo virtuoso” para que a economia cresça mais, arraste consigo o aumento de arrecadação e o emprego, criando processo autossustentado de geração de renda e de lucros.

Crescer é visto como sinônimo de perigo pela ortodoxia do Banco Central. Por isso mesmo, quando as projeções pessimistas do BC e do mercado financeiro são ultrapassadas pelos bons fatos - desde o começo do ano passado, quando as projeções de inflação do BC ficaram aquém da realidade, [mas os juros continuaram fixados para a realidade projetada] erros nas projeções e estimativas do mercado e levadas em conta pelo Banco Central induziram o Comitê de Política Monetária (Copom) a erros.

O Banco Central, desde que adotou o sistema de metas de inflação com câmbio flutuante, em 1999, tem errado sistematicamente nas principais variáveis macroeconômicas: inflação, PIB, taxa do dólar, taxa de desemprego, que balizam as decisões sobre juros no Copom, visando 12 a 18 meses adiante. O BC começou o ano prevendo alta de 1% no PIB (reviu para 1,7% em março e 2,3% em junho, mas agora o mercado já prevê até 3%). Na balança comercial (que errou para menor em mais de 40% em 2023, prevê saldo de apenas US$ 59 bilhões. Os números até agosto já superam US$ 55 bilhões.

E agora, Copom: é hora de subir ou baixar a Selic?

Nos últimos dias, pululam declarações de economistas sugerindo que é hora de o Copom subir os juros (justo quando se esperava o Fed baixar em 0,25%). Um dos argumentos era a necessidade de baixar as cotações do dólar. Baixando meio ponto nos EUA e subindo meio ponto no Brasil, os rentistas internacionais fariam a festa e o dólar cairia. Mas, se cair 0,50% na largada do Fed em 18 de setembro, por que o Copom subiria os juros.

No mercado de câmbio, o dólar, que fechou ontem a R$ 5,6399, depois de ter alcançado a máxima de R$ 5,6534, abriu esta 5ª feira cotado a R$ 5,6413, mas caiu rapidamente tão logo surgiram as notícias de esfriamento do “payroll” americano. Às 11:45, o dólar recuava para R$ 5,6115, numa baixa de 0,50% no dia e de 0,74% frente à máxima do dia anterior.

A bandeirada da Aneel

Há muitos anos, Pelé foi convidado para dar a bandeirada de chegada do GP 2022, em Interlagos (São Paulo). Pouco afeito à rapidez da Fórmula1, o Rei se distraiu e não deu a bandeirada ao vencedor, depois ficou agitando a bandeira como via do campo nas torcidas. Um vexame. Pois, agora, a Agência Nacional de Energia Elétrica deu mancada maior.

Ao fixar a bandeira tarifária da energia elétrica em setembro (estava verde, desde meados de 2023 até agosto), a Aneel, acolhendo, sem revisar, os dados apresentados pela usina termelétrica de Santa Cruz (no Rio de Janeiro), decidiu adotar não a bandeira amarela, como se temia, pela estiagem reinante no país, mas a vermelha, no patamar 2, o mais alto da escala de tarifas.

Ainda bem que o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica apontaram inconsistências e a Aneel reduziu o patamar 2 para 1 na bandeira vermelha. Com o patamar 2, os consumidores pagariam o adicional de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos no mês. Com a vermelha patamar 1, eles terão o acréscimo de R$ 4,463 a cada 100 kWh consumidos.

Além de forte impacto nos consumidores, a tarifa transbordaria para a inflação e poderia levar o Banco Central a elevar juros para evitar estouro na meta de inflação, mesmo sem efeito a curto prazo. A LCA Consultores calculou que com a bandeira vermelha 1, a variação do IPCA de setembro será de 0,44%. O cenário inicial era de bandeira amarela, o que resultaria numa alta de 0,35% do IPCA. Com a bandeira vermelha 2, a alta seria acima de 0,56%. Um desastre.

Agora imaginem o que não temos de erros (por falta de revisão precisa) nas planilhas que pleiteiam revisões anuais nas agências reguladoras de transportes públicos de passageiros e de cargas, de pedágios, de tarifas de água e esgotos (cada vez mais sob a iniciativa privada), telefonia, gás, combustíveis (no PPI era uma espiral), nos remédios, nos planos de saúde e nas tarifas bancárias?

Quanto estamos sofrendo a mais de reajuste que impulsionam a inflação e levam o Banco Central a elevar os juros e a concentrar renda e frear o PIB e o emprego?

Deu no 'Financial Times'

A propósito, o FT de hoje tem a seguinte manchete secundária na 1ª página: “Relatórios vazados e calor político estão testando a confiança em dados econômicos”. O Bureau of Labor Statistics, que monitora preços e empregos, enfrenta escrutínio após vários erros. Algumas perguntas ficaram sem resposta.

Os reguladores do Reino Unido estão prontos a reduzir drasticamente as perdas máximas que os bancos são forçados a cobrir em casos de fraude. Um plano anterior teria obrigado bancos e empresas de pagamento a reembolsar as vítimas em até £ 415.000 em perdas; o FT revelou que isso será reduzido a apenas £ 85.000. Uma diferença de 330 milhões de libras.

Imagine aqui o que não iríamos transferir ao andar de cima se o BC elevasse mais ainda os juros do que o necessário? O futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, deveria ter como meta melhorar a acurácia dos dados e projeções do Banco Central. E liderar uma campanha para maior rigor nas agências regulatórias.

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