Copom depende de tios Sam e Xi

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As reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) são realizadas a cada 45 dias – geralmente simultâneas às reuniões do Federal Open Market Committee – FOMC, o órgão formulador da política monetária do Federal Reserve Bank, o Banco Central dos Estados Unidos. Isso explica a “data dependência” do Copom ao que é decidido pelo FOMC e seus efeitos na economia global. Assim, a cada reunião, o Copom analisa o que ocorreu desde a reunião anterior e como os novos fatos se projetam no horizonte da política monetária, que mira a meta de inflação 12 a 18 meses adiante.

Isto posto, dá para entender a Ata do Copom de 18 de setembro, quando o Copom elevou a taxa Selic – o piso dos juros no Brasil – de 10,50% para 10,75% ao ano, enquanto, três horas antes o FOMC tinha reduzido o piso dos juros nos EUA em 0,50%, para a faixa de 4,75%-5,00%, provocando ajustes nas taxas de câmbio e preços de ativos e commodities negociadas em mercados futuros. Na íntegra, alguns dos 25 pontos abordados na Ata:

Atualização da conjuntura

1. O ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed.

3. Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo.

4. A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes. As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente.

Campos Neto não tem certeza sobre emprego

Em apresentação no J. Safra Brazil, nesta terça-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicou que o IPCA acumulado em 12 meses de agosto apontava para 4,2%, com a inflação de serviços em 5,2% e a alta dos bens industriais), mas ressaltou que não “há certeza absoluta sobre a influência da mão de obra apertada no IPCA”: “Há indícios de que [a baixa taxa de desemprego] começa a ser um fator mais restritivo", disse. Ou seja, o Copom ainda não tem certeza do que fazer e depende dos efeitos de Tio Sam. Em tempo, RCN disse que "há exagero nos prêmios de risco em relação à política fiscal". Mas partiu dele mesmo os principais questionamentos.

A influência externa ficou ainda mais relevante após os últimos reforços de estímulos monetários da China para reativar a economia, afetada pela crise imobiliária. As commodities (sobretudo o petróleo +1,32% e os metais) subiram forte, mas o minério de ferro ainda operava em queda, embora as ações ON da Vale tivessem subido 4,72% na B3, gerando alta de mais de 1% no Ibovespa.

E o impacto no câmbio foi igualmente forte: o euro e a libra esterlina valorizaram mais de 0,30% frente ao dólar, com pequena melhora frente ao iene, mas a queda em relação ao real foi forte. Depois de fechar ontem a R$ 5,5364, com alta de 0,47%, o dólar abriu a terça-feira cotado a R$ 5,5346, mas as cotações não se sustentaram e ao meio-dia a moeda era cotada a R$ 5,4612, com baixa de 2,36% frente ao real, voltando à cotação do dia 18, dia das reuniões do FOMC e do Copom, que alteraram os juros.

Ata: Cenário externo melhora

7. O cenário externo se mantém desafiador, mas se mostra mais benigno do que na reunião anterior. Com relação aos Estados Unidos, permanece grande incerteza sobre o grau de arrefecimento das pressões no mercado de trabalho e da desaceleração da atividade econômica. Nota-se que a economia norte-americana se encontra em um momento de inflexão, em que, naturalmente, há maior dificuldade na extração das tendências subjacentes das variáveis de emprego e atividade. De todo modo, o cenário-base do Comitê é de desaceleração gradual e ordenada da economia norte-americana.

A desaceleração chinesa e as variações de preços de commodities também foram discutidas pelo Comitê. Além disso, o processo desinflacionário tem prosseguido em vários países, mas permanecem desafios que não devem ser subestimados para o retorno das inflações às metas. Nesse aspecto, notou-se que, após um choque inflacionário global, que levou a uma resposta correlacionada dos bancos centrais, as dimensões peculiares de cada economia têm tido maior protagonismo, levando a uma menor correlação dos ciclos de política monetária entre os países.

8. A resposta das políticas econômicas dos diferentes países a tal cenário também se mostra desafiadora. De um lado, o Comitê destacou o papel das políticas fiscais como propulsoras da demanda após a pandemia, mas ressaltou que o espaço de atuação da política fiscal tornou-se mais limitado com o aumento da dívida pública e das preocupações com a sustentabilidade fiscal. As políticas monetárias, por outro lado, em um ambiente tão incerto, mantêm-se reativas e dependentes dos dados na maior parte dos países, também trazendo inerente volatilidade aos mercados, como observado durante o período recente. Ademais, o Comitê reforçou que o compromisso dos bancos centrais com o atingimento das metas é um ingrediente fundamental no processo desinflacionário, corroborado pelas recentes indicações de ciclos cautelosos de política monetária em vários países.

Cautela de juros e câmbio

9. A taxa de câmbio do real apresentou volatilidade no período, refletindo as diversas alterações no cenário doméstico e internacional. O Comitê reiterou que não há relação mecânica entre a condução da política monetária norte-americana e a determinação da taxa básica de juros doméstica, tampouco entre a taxa de câmbio e a determinação doméstica da taxa de juros. Como usual, o Comitê focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica inflacionária interna e seu impacto sobre o cenário prospectivo. Reforçou-se, ademais, que um cenário de maior incerteza global e de movimentos cambiais mais abruptos exige maior cautela na condução da política monetária doméstica.

Riscos e dores do crescimento

10. O Comitê segue avaliando que a atividade econômica e o mercado de trabalho domésticos vêm apresentando maior dinamismo do que esperado, levando a uma reavaliação do hiato do produto para o campo positivo. Vários membros enfatizaram que a dinâmica da atividade foi uma dimensão bastante relevante no período recente, enfatizando as surpresas para o Comitê e para os analistas de mercado, tal como retratado na pesquisa Focus. Esse ritmo de crescimento da atividade, em contexto de hiato agora avaliado positivo, torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta. A conjunção de um mercado de trabalho robusto, política fiscal expansionista e vigor nas concessões de crédito às famílias segue indicando um suporte ao consumo e consequentemente à demanda agregada. Em síntese, à luz da atualização dos dados de atividade do período e dos modelos apresentados, o Comitê concluiu que o hiato está em campo positivo.

11. O Comitê observou o continuado dinamismo no mercado de trabalho, verificando-se ganhos reais nos salários nos últimos meses. Como não há evidência de aumento significativo de produtividade, tais ganhos podem refletir pressão no mercado de trabalho. A esse respeito, alguns membros enfatizaram evidência de falta de oferta de trabalho em alguns setores. Discutiu-se então o impacto potencial do mercado de trabalho sobre a inflação. Argumentou-se que não há evidência ainda de que pressões salariais estejam impactando preços, mas ressaltou-se que o crescimento real de salários, em se mostrando persistente e acima de ganhos de produtividade, acabará tendo impacto sobre preços. O Comitê nota, porém, que o momento e a magnitude desse canal de transmissão permanecem incertos.

12. O Comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade.

16. O Comitê avaliou que os dados referentes à inflação sugerem uma deterioração da composição da inflação, ainda que o número agregado não tenha divergido significativamente do que era esperado no trimestre anterior. Observa-se, ademais, uma interrupção no processo desinflacionário no período mais recente. As taxas de inflação de bens industriais e de alimentação no domicílio cresceram na margem, possivelmente refletindo a depreciação cambial e um cenário mais desafiador advindo do clima. Concomitante a isso, a inflação de serviços, que tem maior inércia, assume papel preponderante na dinâmica desinflacionária no estágio atual. Debateu-se então o papel da dinâmica do mercado de trabalho e das expectativas de inflação para a determinação da inflação de serviços. Concluiu-se que a inflação corrente, medida pelo índice cheio ou por diferentes medidas de núcleo, em níveis acima da meta, em contexto de dinamismo da atividade econômica, torna a convergência da inflação à meta mais desafiadora.

17. Em sua conclusão, o Comitê avalia que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma trajetória de taxa de juros mais elevada.

18. O Comitê avalia que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.

Decisão de política monetária

23. O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista. Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

24. O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.