O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

China reforça parcerias para enfrentar Trump

Publicado em 15/11/2024 às 16:56

Alterado em 15/11/2024 às 18:17

Dia 5 de novembro, os Estados Unidos decidiam, em eleição, a volta do ex-presidente Donald Trump ao poder, com promessas de elevar tarifas de importação, sobretudo contra produtos chineses, e deportar imigrantes em massa. Na mesma data, pragmáticos, antecipando a vinda do presidente da República Popular da China, Xi Jinping, ao Brasil para a cúpula do G-20, no Rio de Janeiro, dias 18 e 19 de novembro, os chineses celebravam os 50 anos de relações comerciais entre China e Brasil com mais uma visita conjunta de jornalistas brasileiros e do Diário do Povo a grandes projetos da China no país.

O alvo era o centro operacional do linhão de 2.539 km transmissão de energia em alta voltagem por corrente alternada da hidroelétrica de Belo Monte (PA), a maior 100% brasileira, a Paracambi (RJ). Simbolicamente, o maior investimento em infraestrutura feito pela China no Brasil entrou em operação em 15 de agosto de 2019, para celebrar os 45 anos do reatamento, no governo do general Ernesto Geisel, com a aplicação da política externa independente, das relações do Brasil com o país que viria a ser seu maior parceiro comercial.



2.539 km transmissão de energia em alta voltagem Foto: GMC


 

Há cinco anos, o linhão com a carga de 800 KVA, no valor de R$ 22 bilhões, o maior investimento fora da China feito pela State Grid, empresa líder em energia elétrica do mundo, que controla a Xingu Rio Transmissão Elétrica (XRTE), com sede na Avenida Presidente Vargas, no Rio, garantiu maior confiabilidade ao sistema elétrico brasileiro. Como destacou o presidente da State Grid Brasil, Sun Tao, o linhão da XRTE, que responde por 20% da energia do Sudeste e 10% do Sistema Integrado Nacional (SIN), veio dar maior garantia e estabilidade às redes de transmissão que integram as hidroelétricas da região Norte ao Sudeste do país, maior região consumidora.

O linhão de Belo Monte, no Rio Xingu, que se conecta a Tucuruí a 2ª maior hidroelétrica 100% brasileira, também no Pará, transmite ainda ao Sudeste e todo o SIN as cargas de energia eólica e solar voltaica produzidas no Nordeste, que são interligadas em Tucuruí em inovador regime bipolar, de mão-dupla. Um dos responsáveis pela confiabilidade do sistema é o Master Control, que detecta, em milésimos de segundos, qualquer alteração de carga no circuito, evitando interrupções por descontrole de carga, como em passado recente.

Operado em um andar da State Grid Brasil, no Rio, age como uma espécie de mini-central do Operador Nacional do Sistema (O.N.S.), com sede na rua Júlio do Carmo, na Cidade Nova, que gerencia os despachos de cargas de todas as hidroelétricas e demais fontes de energia, além das linhas de transmissão. Como o regime de chuvas no Norte é inverso ao das hidroelétricas no Centro-Oeste e Sudeste, o linhão funciona como uma espécie de vaso comunicante, permitindo poupar água nos reservatórios e dar mais economicidade ao SIN. Na foto um dos três turnos, operado 24 horas, na sala de controle da XRTE.


Central gerencia os despachos de cargas de todas as hidroelétricas e demais fontes de energia Foto: GMC

Meio-ambiente preservado

A preocupação com o menor dano possível ao meio ambiente para cruzar cinco estados brasileiros (Pará, Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro), de Belo Monte a Paracambi, onde grandes empresas, como Furnas, Alupar, Neoenergia (do grupo espanhol Iberdrola) construíram subestações para redistribuir energia para todo o país – a Neoenergia quer levar energia ao Espírito Santo - demonstrou, mais uma vez o pragmatismo chinês.

Para não atravessar reservas indígenas ou territórios quilombolas no TO (devidamente apoiados por programas sociais da XRTE), o traçado aumentou em 140 km. E a empresa minimizou o dano ambiental ao adotar uma faixa de servidão de 140 metros de largura (30% menor que o padrão das linhas de transmissão aprovadas pela Aneel). Tão longo as obras de instalação das milhares de torres e cabos de altíssima tensão ficavam prontas era iniciado o reflorestamento com espécies nativas da floresta afetada.

China compra mais que UE e EUA

De janeiro a outubro deste ano, a China importou US$ 84,74 bilhões do total de US$ 284 bilhões exportados pelo Brasil. Isso corresponde a 30% das exportações brasileiras. É mais do que a soma de todas as vendas para a União Europeia (14,26%) e os EUA (11,6%). Mesmo com a queda da produção devido aos impactos do El Niño, a soja continuou liderando os embarques para a China, seguido pelo petróleo bruto e os minérios (em especial o de ferro).

Os portos chineses são ainda os maiores importadores de carne do Brasil, sobretudo bovina e de frango. A China também lidera as compras de carne suína (a proteína animal mais consumida pela segunda maior população mundial). O país de Xi Jinping igualmente lidera as importações de celulose do Brasil e uma série de matérias-primas e bens intermediários.

Um sonho dos produtores brasileiros de café é difundir o hábito do cafezinho na vida urbana chinesa, ao lado da cultura milenar do chá. Mas o suprimento viria principalmente do Vietnã, o 2º maior produtor de café do mundo, 1º em café robusta ou conilon, muito usado na fabricação de cafés instantâneos, de máquinas, com o café arábica (brasileiro e colombiano) entrando na mistura.

China diversifica os investimentos

De acordo com a iniciativa Cinturão da Nova Rota da Seda, em 22 países da América Latina, os novos investimentos chineses visam ampliar o leque de produtos, com reforço de transferência de tecnologia e apoio à modernização da infraestrutura e na busca de novas matérias-primas.

No Brasil, com visitas estendidas a programas sociais, as parcerias puderam ser observadas no projeto de reportagem conjunta “Promovendo a Comunidade China-Brasil de Futuro”, organizado pelo Diário do Povo com apoio do jornal Monitor Mercantil. Os reflexos do ganha-ganha na união China-Brasil foram analisados ontem, em encontro no Hotel Windsor Barra, com mensagem especial da Consul Geral da China no Rio de Janeiro, Tian Min.

Dias 24 e 25 de outubro, jornalistas do Diário do Povo, do Monitor Mercantil, do Jornal do Commercio (PE), que está comemorando 200 anos, e outras mídias visitaram o projeto de dessalinização em João Câmara (RN), beneficiando comunidade indígena. A iniciativa é da CPFL, que distribui energia no estado e é controlada pela State Grid Brazil Holding. No Rio de Janeiro, houve a visita ao linhão de Belo Monte-Paracambi em 5 de novembro, com a participação do Jornal do Brasil.

No dia 6 de novembro, com a parceria da Folha de S. Paulo e do site 247, houve visita à expansão da Linha II do metrô de São Paulo, uma parceria da Power China com a Construtora Mendes Jr, que pretende inaugurar 8 estações e 23 kms de linhas ainda em 2026, antes do prazo previsto, de 2027.

Em Minas Gerais, dia 7 de novembro, houve visita à fábrica da XCMG, em Pouso Alegre (MG), que produz há cinco anos no Sul de Minas, máquinas de grande porte para a mineração, como retroescavadeiras e caminhões fora de estrada para transporte de 91 a 120 toneladas de minérios. O sucesso da XCMG atraiu para Pouso Alegre a fábrica de motores de grande porte da Saic, cujos confiáveis e econômicos motores chineses, fabricados no Brasil, vão substituir os motores Cummings, da subsidiária americana. Pouso Alegre ainda atraiu fábrica da Midea, gigante fabricante chinesa de eletrodomésticos da linha branca, como máquinas de lavar, fogões e geladeiras. A empresa de cabos de fibra ótica Yangtze Optical and Cable fecha os investimentos chineses locais.

O circuito se estendeu dias 8 a 9 de novembro a Manaus (AM), onde os jornalistas do Diário do Povo e das mídias brasileiras visitaram as novas instalações da BYD, para produzir baterias elétricas blades destinadas a suprir os caminhões e ônibus elétricos que irá produzir na fábrica de Campinas (SP).

Como prova do ditado chinês de que o diagrama crise também significa oportunidades em mandarim, a BYD está concluindo as obras de instalação da mais moderna fábrica de carros elétricos em Camaçari (BA), próximo a Salvador. Era onde a americana Ford, que já tinha deixado o Brasil no final do século passado, fechando a fábrica de São Bernardo, retomou as atividades por pouco tempo até a saída definitiva do país em 2021. Há três anos a Ford encerrou as linhas de produção em Taubaté (SP), Horizonte (CE) e Camaçari.

Ação social

Os chineses também estão engajados em oferecer contrapartidas ambientais e sociais no Brasil. Além dos projetos ambientais do linhão de Belo Monte, a State Grid patrocinou a recuperação do histórico Cais do Valongo, na Gamboa, o maior porto de recepção de escravos nas Américas, que será objeto de visitas oficiais na G-20, e patrocina a Orquestra da Maré.

Já a petrolífera CNOC, parceira da Petrobras em vários campos do pré-sal, patrocina a Orquestra do Forte de Copacabana.

Um pouco de história nas relações China-Brasil

As relações entre China e Brasil são quase seculares, como prova a visita do então vice-presidente João Goulart a Pequim, em agosto de 1961. Na ocasião, o presidente Jânio Quadros, sabedor da restrição dos militares a Jango, orquestrou uma renúncia para tentar permanecer na presidência com poderes absolutos e apoio das forças armadas. Deu-se mal. O pedido de renúncia (ato unilateral) foi lido pelo presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, que declarou vago o cargo de presidente da República.

Depois de muita crise, Jango assumiu sob um regime parlamentarista, negociado com os militares e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro. Em 1963, um plebiscito devolveu o Brasil ao presidencialismo, mas Jango foi deposto em 31 de março de 1964 pelo golpe militar. E um dos horrores dos primeiros dias do regime de exceção foi a prisão, seguida de bárbaras torturas de oito cidadãos chineses que estavam servindo na embaixada chinesa. O horror é descrito no livro “O Caso dos Nove Chineses: O escândalo internacional que transformou vítimas da ditadura militar brasileira em heróis de Mao Tsé-tung”, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo.

Geisel pediu desculpas e retomou as relações um ano depois da criação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), cuja grande conquista foi desenvolver espécies de sementes de soja, milho e algodão para serem cultivados no Cerrado. Os pragmáticos chineses, preferem não falar do passado e olhar as oportunidades à frente.

O curioso da história era que o objetivo da conquista do Cerrado, que contou com investimentos de tradings companies japonesas, era desenvolver a cultura da soja (cujo consumo humano foi descoberto pela China há 5.000 anos) para abastecer o Japão, país introdutor da leguminosa no começo do século passado no sul do Brasil. Mas coube à China ser o destino da maior produção de soja, milho, algodão e carnes produzidos nos cerrados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia.

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