O OUTRO LADO DA MOEDA
IPCA de 4,4% ou 4,64% depende da luz
Publicado em 18/11/2024 às 15:23
Alterado em 18/11/2024 às 17:32
Trabalhar com o maior número possível de informações é essencial na definição de passos na economia, seja como investidor, empresário ou consumidor, e, principalmente como gestor público. Não me canso de criticar a atual gestão do Banco Central, comandada por Roberto Campos Neto, por ter aplicado literalmente a sua “independência” perante o Executivo e não ter trocado informações sobre os planos de reoneração dos impostos cortados por Bolsonaro nos combustíveis, energia elétrica e comunicação.
Sem saber dos planos e imaginando o retorno, a partir de 1º de janeiro de 2023, aos níveis anteriores aos que vigiam de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022, o Banco Central manteve os juros muito elevados em 2023, para prevenir um repique inflacionário. O repique não veio (a Fazenda preferiu fazer reposição escalonada de impostos federais e estaduais ao longo de 2023 e só terminou em meados deste ano, mas em níveis 20% a 30% inferiores a junho de 2022). A redução da taxa Selic de 13,75% para 13,25% em agosto de 2023 veio quase a fórceps num Comitê de Política Monetária (Copom) dividido e custou caro ao país, às empresas e às famílias. Cada ponto a mais na Selic gera despesas de R$ 55 bilhões ao fim de 12 meses para o Tesouro Nacional.
O Banco Central se deixa muito levar pelas projeções do mercado e, por isso, prescreve doses de remédios (nível de juros) na política monetária além do necessário. É que na imprensa e nas respostas às consultas semanais do Banco Central a uma centena e meia de instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa tem prevalecido a visão dos operadores e gestores de Assets Management, cujos objetivos, quase sempre visam juros mais elevados.
Projeção do IPCA na Focus ignorou bandeira verde
Vejam o caso da divergência entre as projeções do IPCA deste ano, apuradas na mediana da Pesquisa Focus, colhida quinta-feira, 14 de novembro, pelo Banco Central (sexta-feira, 15 de novembro, foi feriado nacional da Proclamação da República), que elevaram o IPCA de 4,62% para 4,64% (4,67% nas respostas dos últimos cinco dias úteis) e a projeção de 4,4% divulgada hoje pelo Ministério da Fazenda, junto com alta de 3,3% do PIB.
Vale dizer que as projeções da Fazenda para o PIB estavam em 3,2% em setembro e a do IPCA era de 4,25%. A elevação do IPCA deste ano derivou de dois fatores de pressão: a alta do dólar (a Focus elevou de R$ 5,55 para R$ 5,60 (R$ 5,63 nas respostas dos últimos cinco dias úteis a projeção de dezembro) e os impactos da estiagem nos alimentos e na energia elétrica.
Na visão da LCA Consultores, os dados do IGP de novembro (10, M e DI) apontam desaceleração dos preços agrícolas no atacado e na indústria e a adoção da bandeira amarela para a energia elétrica em novembro já ajuda na descompressão. Mas o que levou a Fazenda a prever que a inflação de 2024 ainda ficará no teto da meta (3,00%+1,50%=4,50%) foi a decisão da Aneel de adotar a bandeira verde para a energia elétrica residencial em dezembro.
Pressentindo a decisão da Aneel, o mercado reduziu de 5,03% para 5,01% (e a 4,75% nos últimos cinco dias úteis) a alta dos preços administrados deste ano. A medida da Aneel torna possível a baixa de quase 0,15 ponto percentual no IPCA de dezembro frente aos 0,54% (0,55% nas respostas dos últimos cinco dias úteis) frente ao cenário projetado pelo mercado, que não levava em conta a baixa dos custos da energia, que se tornou factível face às fortes chuvas recentes nos rios com usinas hidroelétricas no Sudeste e Planalto Central.
E a inflação de 2025?
E o efeito benéfico das chuvas terá reflexos no plantio tardio da safra agrícola de 2024/2025. De acordo com o 1º levantamento Sistemático do IBGE, em função da área plantada nas diversas regiões do país, a colheita de grãos esperada para o ano que vem será a segunda melhor da história, quase repetindo os níveis de 2022/2023. A soja deve ter acréscimo de 10,9% sobre a safra deste ano e a primeira colheita de milho tende a crescer 9,1%.
Além de garantir o abastecimento interno e a produção de rações para engorda de bovinos, aves e suínos, a preços estáveis, a boa safra tende a turbinar as exportações de grãos e de carnes. Ou seja, a inflação dos alimentos, que está subindo este ano acima da média do IPCA (famílias com renda até 40 salários-mínimos – R$ 56.480) e do INPC (até 5 SM – R$ 7.060) tende a esfriar em 2025. Mas o mercado está elevando de 4,10% para 4,12% a projeção do IPCA de 2025 (4,21% na mediana das projeções dos últimos cinco dias úteis).
Selic pode ir a 12,25% ano que vem?
Em função deste cenário, após cravar a Selic em 11,75% em dezembro, com nova alta de 0,50% em dezembro, o mercado está prevendo escalada até dezembro de 2025. Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em manifestação de cautela frente às medidas protecionistas do futuro governo Trump, que podem gerar inflação, disse hoje que os dados da economia americana são bons quanto à inflação e ao emprego e “não há pressa para baixar os juros”.
Isso torna o cenário do Copom apertado para o início de 2025. A projeção da Selic para dezembro de 2025 foi elevada de 11,50% para 12,00%, com as respostas dos últimos cinco dias úteis chegando à mediana de 12,25%. O IPCA de 2025 foi previsto em 4,12% pela Pesquisa Focus (4,21% na mediana dos últimos cinco dias úteis). Já na visão da Fazenda, a taxa subiu de 3,4%, em setembro, para 3,6%. Para o mercado, os preços administrados sobem 3,87% (3,92% na visão dos últimos cinco dias). Vamos ver quem tinha razão.
'Reduflação' é o cacete; o nome é fraude
Os departamentos de marketing das empresas inventaram um nome para a maquiagem inflacionária que finge manter os preços inalterados com a redução do tamanho da embalagem. “Reduflação”, que seria uma forma de acompanhar a marcha dos salários, que acaba antes do fim do mês, lá pelos dias 22 a 25.
O fenômeno maroto começou há alguns anos embalagens de biscoito. O que antes pesava 200 gramas passou ter 180 gramas de conteúdo. Mantidos os preços, a redução de 10% no conteúdo era uma alta de 10% no produto vendido. O fenômeno se espalhou: a tradicional dúzia de ovos foi trocada por embalagens de 10 ou seis unidades (a alegação de aumento de consumidores que moram sozinhos ajuda a mascarar aumentos imperceptíveis).
O Inmetro e órgãos de defesa do consumidor protestaram e surgiu a obrigação de os fabricantes avisarem em letras grandes o novo conteúdo nas embalagens. Mas, como ninguém é tão bom em matemática ou usa as calculadoras do celular para medir a vantagem desta ou daquela embalagem de produtos de limpeza, enlatados (a Coca-Cola tem latinhas de 220, 296, 330 e 350 ml) e até em lotes de 800 gramas na feira, leva-se gato por lebre para casa.