O OUTRO LADO DA MOEDA
A cronologia do golpe frustrado
Publicado em 19/11/2024 às 15:49
Alterado em 19/11/2024 às 15:49
Os fatos exigem que não se fale de economia hoje. Com a prisão na manhã desta terça-feira, 19 de novembro, na “Operação Contragolpe” da Polícia Federal de quatro militares do Exército, incluindo um general reformado, Mário Fernandes, e três oficiais das “Forças Especiais”, e um policial federal, antecedendo o novo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, Ajudante de Ordens da Presidência da República no governo Bolsonaro, a partir das 13 horas, a PF deu um grande passo para fechar o ápice da trama golpista.
A ação estava programada para impedir a diplomação do presidente Lula e do vice, Geraldo Alckmin, no dia 12 de dezembro pelo presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, que seriam sequestrados e eventualmente mortos por grupo de militares, sobretudo do Batalhão de Forças Especiais de Goiânia (GO), distante 200 km de Brasília, os chamados “kids pretos”. Agora, a PF vai cobrar de Mauro Cid porque omitiu nas oitivas de sua colaboração premiada porque omitiu a trama, descoberta pela própria perícia da Polícia Federal em nova varredura dos aplicativos de Mauro Cid, com ajuda de “software” israelense.
O ato extremo não se realizou. Lula e Alckmin foram diplomados por Moraes, numa cerimônia antecipada do dia 19 para 12 de dezembro, o que pode ter frustrado os planos, mas, para mostrar até quando estavam dispostos, os “kids pretos” barbarizaram em Brasília na noite de 12 dezembro, incendiando carros e ônibus junto à rodoviária e com invasão e depredação da portaria da Polícia Federal no Distrito Federal e de uma delegacia de polícia civil da capital.
Frustrado o impedimento da posse, restou o ato extremo de invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, uma semana depois de instalado o governo Lula, visando a convocação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para combater o caos semeado, com as forças armadas assumindo o comando da capital do país e, supostamente, reconduzindo Jair Bolsonaro ao Poder, mesmo derrotado nas urnas eletrônicas do 1º e 2º turnos.
'Operação Contragolpe'
Deflagrada nesta terça-feira (19) pela Polícia Federal (PF), revelou um plano golpista que envolve integrantes das Forças Especiais do Exército, o grupo de elite conhecido como “kids pretos”. Além de um agente da própria PF, quatro militares do Exército com formação em operações especiais foram presos, suspeitos de planejar um atentado contra autoridades máximas do país e um golpe de Estado. O plano, batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, previa a execução de Lula, Alckmin e Moraes no dia 15 de dezembro de 2022, dias antes da posse do novo governo.
Foram presos na operação: Mário Fernandes – ex-comandante de Operações Especiais, o general reformado que foi secretário executivo da Presidência da República no governo Bolsonaro (sucedeu ao general Luiz Eduardo Soares, também oriundo das forças especiais, mas que é um dos raros assessores militares de Bolsonaro não arrolados pela PF na trama do golpe). Depois do fim do governo, Fernandes foi assessor do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde, só afastado do cargo em maio do ano passado; Hélio Ferreira Lima – tenente coronel, com formação em Forças Especiais; Rafael Martins de Oliveira – major, com formação em Forças Especiais; Rodrigo Bezerra de Azevedo – major, com formação em Forças Especiais; e Wladimir Matos Soares – policial federal.
A cronologia das 'fake news'
Como se sabe, desde 2020, quando o Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, referendada pelo plenário da Corte Suprema, reconheceu a legitimidade de governadores e prefeitos determinarem a suspensão de atividades para evitar a propagação da pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro, negacionista em relação à Covid e que pregava seu combate com a inócua cloroquina, elegeu Moraes e o SFT como inimigos.
A má vontade para com o STF começara em novembro de 2019, quando o Supremo reconheceu a incompetência do Juizado de Curitiba, chefiado pelo juiz Sérgio Moro, para arrolar Lula no processo da Lava-Jato. Anuladas as acusações, o ex-presidente foi solto em 8 de novembro de 2019, após 580 dias de prisão na sede da PF, em Curitiba, e tornou-se virtual concorrente de Bolsonaro à reeleição em 2022. Com o crescimento de Lula nas sondagens eleitorais, o alvo dos bolsonaristas passou a ser a credibilidade das urnas eletrônicas, pelas quais fora eleito em 2018.
A investigação da Polícia Federal sobre a suposta participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados em uma tentativa de golpe de Estado revela uma teia de atuação que, segundo o inquérito, caracteriza uma “milícia digital”. O núcleo disseminava notícias falsas para desacreditar o processo eleitoral, distribuía nas redes relatórios com “fake News” sobre urnas e se valeu de informações oriundas de “hackers”. Não adiantou. As eleições foram realizadas em 3 de outubro de 2022 e 30 de outubro de 2022, com vitória de Lula, mais apertada no 2º turno, apesar de a Polícia Federal barrar o deslocamento de eleitores nos estados do Nordeste, onde Lula tinha maioria.
Em novembro, com Bolsonaro recluso, sob alegação de que contraíra erisipela, a trama para tentar impedir a diplomação e a posse de Lula ganhou tração. Um dos caminhos usados foi impulsionar ataques contra militares da cúpula que resistiram à trama golpista. As mensagens destinadas a desgastá-los tiveram ampla adesão entre perfis bolsonaristas.
Corrida para o golpe
Em novembro, após as urnas confirmarem a derrota de Jair Bolsonaro, a primeira de um presidente depois de instituída a reeleição, em 1997, começou a segunda etapa do plano para impedir a posse. De imediato, as redes sociais bolsonaristas convocaram os eleitores derrotados a protestar com o fechamento das rodovias federais e com acampamentos junto a quartéis.
A Polícia Federal encontrou registros que confirmam o uso de equipamentos da Secretaria-Geral do Palácio do Planalto para imprimir, pela primeira vez, o planejamento operacional para sequestrar e matar, com veneno, o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, que presidia o TSE.
A PF também descobriu que, no dia 8 de dezembro, o general Mário Fernandes esteve, entre 17 e 17h40, com o então presidente Jair Bolsonaro Palácio da Alvorada quando, supostamente, discutiram a trama.
Em 9 de dezembro, Mário Fernandes entrou em contato com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, enviando um áudio em que comemora que Bolsonaro havia aceitado o “nosso assessoramento”.
“Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso pra ele”, disse o general a Mauro Cid na noite do dia 9 de dezembro.
No áudio para Mauro Cid, Fernandes se diz preocupado e insiste para que a ação golpista seja realizada logo. Do contrário, a ofensiva poderia ser frustrada pela própria transição na cúpula do comando das Forças Armadas, que estava prevista para o dia 20 de dezembro, com a posse de integrantes das Forças Armadas escolhidos pela nova administração.
Segundo a PF, Fernandes “era o ponto focal” do governo Bolsonaro com os manifestantes golpistas acampados na porta dos quartéis que pediam uma intervenção militar.
No dia 12, houve a diplomação antecipada de Lula e Alckmin por Moraes, seguido pelas ações radicais dos “kids pretos" em Brasília. A data de 15 de dezembro, marcada para a execução do trio, transcorreu com tramas subterrâneas. Em reunião com os ministros militares, Bolsonaro ouviu a recusa do comandante do Exército, general Freire Gomes, e do comandante da Força Aérea, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr, contra o golpe.
Tanto bastou para, em 17 de dezembro, o general Braga Neto, que era o ministro da Defesa, disparar pelas redes sociais uma ordem para que oficiais e os mais engajados bolsonaristas desancarem o comandante do Exército, Freire Gomes, a quem chamou de “cagão”, por não aderir ao golpe.
Dia 20 seria a escolha dos novos comandantes das três armas. Júlio Cesar Arruda no Exército, brigadeiro Márcio Damasceno na Aeronáutica e o almirante Marcos Sampaio Olsen começam a comandar as tropas no dia 30 de dezembro.
O general Júlio Cesar Arruda foi exonerado em 21 de janeiro de 2023, por ter resistido a desarmar os acampamentos diante do QG do Exército em Brasília depois da posse de Lula e, sobretudo na noite de 8 de janeiro de 2023, quando desafiou o então interventor nas forças de segurança do DF, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Capelli.
Arruda foi substituído pelo general Paiva Chaves, outro alvo de ataques dos oficiais ligados ao golpe, que o acusam de “melancia”, verde por fora e vermelho, por dentro, ou “PT desde criancinha”.
O ato falho de Flávio Bolsonaro
Meio sem argumentos diante de tantas evidências, o filho 01 do ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é advogado, usou um sofisma para tentar desqualificar a gradação dos crimes de alta traição ao Estado Democrático de Direito, que incluía os planos de execução sumária do presidente eleito, do vice eleito e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
“Pensar em matar não é crime”, resumiu. O crime não foi às últimas circunstâncias pela resistência das instituições democráticas legalistas, mas isso não anula nem atenua a letalidade crescente das tramas golpistas.
Como frisou o ministro Gilmar Mendes, decano do STF, , em entrevista à GloboNews, os atos preparatórios não são meras cogitações, mas etapas antecedentes da execução de atentados ao Estado Democrático.