O OUTRO LADO DA MOEDA
Dólar futuro afeta futuro do pacote fiscal
Publicado em 28/11/2024 às 12:49
Alterado em 28/11/2024 às 12:49
Como eu disse ontem, o mercado financeiro está no modo “não li e não gostei” sobre o pacote fiscal do governo. De olho nos ganhos especulativos imediatos no contrato futuro de dólar na B3, que tem amanhã (último dia útil do mês) como prazo final para a fixação do preço de liquidação dos contratos na segunda-feira, 2 de dezembro, e na pressão sobre o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reúne dia 11 de dezembro para aumentar em 0,75% (e não 0,50%) a Selic para 12% ao ano, o mercado fez enorme especulação entendendo tudo errado nas medidas referentes ao IR.
Por isso, o dólar, depois de fechar ontem a R$ 5,9377, com alta de 2,12%, abriu a sexta-feira a R$ 5,9707 e logo escalou para R$ 6,0001, provocando enorme nervosismo no mercado, do lado dos que estavam vendidos no câmbio futuro da B3 e que serão chamados a enormes coberturas de margens. O Ibovespa caía 0,76%, cotado abaixo de 126.700 pontos. Mas, com as primeiras digestões do pacote, que será progressivo e não muda o IR já em 2025, como se supunha ontem, as cotações do dólar cederam a R$ 5,9905 ao meio-dia.
Na verdade, coerente com a Reforma Tributária, que tem início gradual em 2027 e efeitos mais concretos em 2030, o pacote propõe ajustes progressivos que garantiria economia de R$ 327 bilhões até 2030 nos gastos públicos. A mudança no Imposto de Renda, que isentaria da tributação na fonte quem recebe até R$ 5 mil, será feita por projeto de lei e só deve valer em 2026. Até lá, pelo andar do INPC, os níveis de isenção, hoje em R$ 2.640, com tributação de apenas 7,5% sobre o diferencial de quem ganha até R$ 4,664,48, estaria igualado. Ou seja, a isenção não terá tanto impacto assim.
Entretanto, para compensar a perda de arrecadação (R$ 35 bilhões no “status”, haveria um aumento de tributação de 10% nas rendas de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Isso inclui salários, aluguéis, dividendos, juros. Vai receber sua receita e vai calcular 10% de tudo que recebeu. Quem receber renda anual de R$ 600 mil e tiver pago R$ 35 mil de IR, terá de pagar a diferença de R$ 25 mil. Já quem pagou R$ 80 mil de IR, não terá acréscimo algum.
Bradesco vê pacote com serenidade
Em análise do cenário econômico, “Persistência é o nome do jogo”, já considerando o espírito do pacote fiscal o Bradesco, além de rever projeções da economia, assinala que “o PIB que cresce 3,5% neste ano e 2,4% no próximo, com uma taxa de câmbio que aprecia para R$ 5,50 em 2025, partindo de R$/US$ 5,75 ao final deste ano. Neste ambiente, o IPCA deve variar 4,8% em 2024, desacelerando para 4,4% em 2025, com a Selic atingindo 13,0% e voltando a cair apenas ao final de 2025”.
Sua avaliação sobre o pacote fiscal é de que “ao que tudo indica, o que está sendo costurado é assegurar a sobrevivência do arcabouço uns anos à frente, a partir da busca de uma certa consistência interna entre o crescimento de algumas despesas e a regra geral de gastos”.
“Se esse cenário se confirmar, veremos dois vetores atuando para impedir que a inflação saia do controle nos próximos anos. De um lado, teremos uma enorme desaceleração da expansão fiscal e, de outro, juros reais equivalentes aos momentos de crise da economia brasileira, na década passada”.
“Não há qualquer razão que justifique acelerar a alta de juros, mesmo se o orçamento final for maior. Alongar o ciclo e esperar os efeitos faz muito mais sentido a partir do nível de juros reais em que nos encontramos. Persistência nos ajustes é o nome do jogo”, sublinha.
Os prós do cenário
O Bradesco diz que “esse quadro não está em contradição com a revisão para cima do PIB de 2025. O carregamento estatístico de 2024 e a supersafra agrícola a ser contabilizada no 1º trimestre assegurarão essa expansão, mas o crescimento do 2º semestre, na margem, será próximo de zero, alargando a ociosidade da economia. A desaceleração pode até estar sendo postergada, mas com a política monetária restritiva e a política fiscal bem menos expansionista, ela certamente virá”.
“É aqui que a política monetária se insere. Diante de tamanha depreciação cambial até o momento, chega a surpreender o comportamento do IPCA. As estimativas geralmente aceitas sugerem um repasse cambial da ordem de 6%, o que atribuiria cerca de 1,2 ponto percentual ao IPCA vindos depreciação cambial. Em outras palavras, sem a depreciação cambial, provavelmente estaríamos debatendo uma inflação mais próxima do centro do que do teto da meta. O choque em proteínas, da ordem de 30%, é outro fator importante a impactar os preços. Os juros já começaram a se elevar, mas nada impedirá os efeitos desses choques na inflação nos próximos trimestres.
A visão de um cotado ao Copom
Vale dizer que o economista-chefe do Departamento de Estudos Macroeconômicos do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, também vice-presidente do Comitê Macroeconômico da Anbima, é um dos cotados para uma das vagas que se abriram no Copom. Vejam o que ele pensa da política monetária, uma visão bem diversa de operadores e gestores de recursos:
“O foco tem que ser no horizonte relevante. A política monetária é um exercício de paciência e persistência quando se está em terreno restritivo, como atualmente. Correr atrás da compensação dos choques apenas ampliará a volatilidade do PIB, indo na contramão do objetivo explícito no regime de metas pós autonomia do Banco Central. Não há qualquer razão que justifique acelerar a alta de juros, mesmo se o orçamento final for maior. Alongar o ciclo e esperar os efeitos faz muito mais sentido a partir do nível de juros reais em que nos encontramos”.
“A desancoragem das expectativas de inflação provavelmente seguirá, enquanto não houver sinais de estabilização do câmbio, desaceleração do PIB, entrega das promessas fiscais e alguma surpresa para baixo com o IPCA, algo que só deve ocorrer após a dissipação desses choques e do começo da estabilização do crescimento, por volta de meados do próximo ano”.
“O cenário brasileiro tornou-se mais difícil, mas ainda é um exercício de persistência e entrega, especialmente do lado fiscal, mas também diante da perspectiva, amplamente conhecida, de que a política monetária opera com longas e variáveis defasagens”.