Após Fed, dólar cai 2,21% no Brasil com vendas do BC
Um dia depois de o Federal Reserve reduzir em apenas 0,25% os juros nos Estados Unidos e prever baixa adicional de somente 0,50% em 2025, por cautela ante os efeitos inflacionários das medidas do novo governo Trump (aumento de tarifas e deportação em massa de imigrantes, que tende a impactar para cima os custos da mão de obra), o dólar enfraqueceu ante as principais moedas (à exceção do iene) diante da confusão causada por Trump e Elon Musk, ambos contrários à aprovação do Orçamento Fiscal para 2025.
Com a possibilidade de falta de espaço fiscal até para sustentar a dívida, o euro valorizava 0,52% às 10:30, a libra esterlina avançava 0,36%, o franco suíço tinha ganho de 0,50%, o dólar perdia 0,59% ante a moeda canadense e 0,08% frente ao peso mexicano. A rigor, só tinha ganhos de 0,30% frente ao iene.
Em relação ao real, que fechou ontem a R$ 6,2896, com alta recorde de 3,03%, mesmo após vendas de mais de US$ 3 bilhões pelo Banco Central, o mercado oscila bastante, ainda especulando sobre o real efeito do pacote de corte de gastos e reforço de receitas sobre a política fiscal.
Depois de abrir a R$ 6,29011, a moeda bateu em R$ 6,3210 e o Banco Central anunciou novo leilão de venda de US$ 3 bilhões e as cotações esfriaram, com forte queda. Mas para derrubar mais ainda as especulações, vendeu mais US$ 5 bilhões, somando o recorde de US$ 8 bilhões. Após as intervenções do BC, a cotação despencou para R$ 6,158 às 12:00, com queda de 2,21%. O mercado aguardava, com expectativa, as entrevistas do atual e do futuro presidente, respectivamente, Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo, a partir das 11 horas, quando tranquilizaram o mercado e comentaram as perspectivas da economia e o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado hoje.
No RTI BC culpa boi gordo pelo estouro da meta
No RTI, o Banco Central reconheceu que “a inflação acumulada em 12 meses e a expectativa de inflação para 2025 subiram para patamar incompatível com o cumprimento da meta de inflação. A inflação acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, aumentou de 4,24% em agosto para 4,87% em novembro, com surpresa de +0,44 p.p. em relação ao cenário de referência apresentado no Relatório anterior. Destaca-se a pressão maior que a esperada sobre preços de alimentos, que veio a se somar às pressões exercidas pelo aquecimento da atividade econômica e pela acentuada depreciação cambial. As expectativas de inflação da pesquisa Focus se deterioraram novamente para todo o horizonte projetado, destacando-se as medianas para 2025, de 3,95% para 4,59%, e para 2026, de 3,61% para 4,00%. Nas projeções do cenário de referência, a inflação está acima do limite do intervalo de tolerância até o terceiro trimestre de 2025, entrando depois em trajetória de declínio, mas ainda permanecendo acima da meta. Nesse cenário, a inflação acumulada em quatro trimestres, depois de ter terminado 2023 em 4,6%, aumenta para 4,9% em 2024 e cai para 4,5% em 2025 e 3,6% em 2026, diante de meta de 3,00%”.
Mas o estouro da meta de 2024 e os riscos para 2025, não se devem só ao deslocamento do dólar e as reticências do mercado sobre a trajetória fiscal, (estas sim, que podem ser revertidos com a intensificação da alta dos juros – com riscos de efeitos colaterais na retração do consumo, do crescimento da economia e do emprego e nas receitas; com o PIB achatado e os juros elevados, há piora na relação dívida/PIB). O RTI destaca o peso de “fatores climáticos ou relacionados ao ciclo do boi (...) que “impactam alimentação no domicílio”, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior”. O quadro só não ficou pior pela “queda do preço internacional do petróleo no segundo semestre do ano”.
Para RTI, fiscal está na previsão
Outro ponto que chama a atenção, por divergir da má avaliação do mercado é com relação à política fiscal: Segundo o RTI, “a meta de resultado primário do Governo Central para 2024 tende a ser cumprida, considerando o limite inferior estabelecido, mas o quadro fiscal ainda demanda atenção. O Governo Central deve encerrar 2024 com déficit primário menor que o observado em 2023 e que o esperado pelos analistas ao longo do ano. A melhora está associada ao comportamento favorável das receitas”.
“Contudo, há incertezas em relação ao cumprimento das metas fiscais nos próximos anos e as projeções indicam trajetória crescente da dívida pública. Nesse cenário, o governo apresentou um pacote de medidas de contenção de despesas, visando garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal. O resultado primário do setor público consolidado melhorou em relação ao ano anterior. Considerando o acumulado no ano até outubro, o déficit em 2024, R$ 57 bilhões, diminuiu ante o mesmo período de 2023, R$ 82 bilhões. A diminuição do déficit decorreu da melhora do resultado do Governo Central, que em outubro registrou superávit expressivo após cinco meses seguidos de resultados negativos”, frisa o Relatório, que aponta outro fato positivo: “a melhora do resultado do Governo Central é explicada pelo aumento significativo das receitas líquidas, de 6,9% em termos reais, que superou o também expressivo crescimento das despesas, de 5,8%”.
“Visando garantir o cumprimento das metas de resultado primário de 2025 e 2026 e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, o governo propôs, no final de novembro, uma série de medidas de contenção de despesas. Na avaliação do governo, o conjunto de medidas tem impacto esperado de R$ 30,6 bilhões em 2025 e de R$ 41,3 bilhões em 2026. Destaque para a mudança na regra de reajuste do salário-mínimo, cuja variação real, apesar de continuar refletindo o crescimento do PIB de dois anos atrás, não será inferior ao índice mínimo nem superior ao efetivamente apurado segundo as regras do arcabouço fiscal. Outros pontos relevantes da proposta envolvem revisão de critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e ao abono salarial, bem como a maior focalização dos benefícios do Bolsa Família. Contudo, o pacote de medidas fiscais não parece ter gerado impacto inicial positivo sobre a percepção dos analistas. Em parte, a reação está associada à avaliação de que as medidas anunciadas são insuficientes”.
Os erros do BC
O estouro da boiada (nos preços do boi gordo), devido à combinação de prolongada estiagem seguida de incêndios no Sudeste, Centro-Oeste e Amazônia, provocaram estouro de 0,44 ponto percentual na projeção do IPCA deste ano, que estava em 4,43% (dentro do limite do teto da meta – 4,50%) no RTI de setembro, para 4,87% no RTI de dezembro.
Mas o que dizer dos erros grosseiros de subestimativa para o PIB de 2024? O RTI de dezembro do ano passado reduziu a previsão de 1,8% (feita no RTI de setembro) para apenas 1,7%. Em março, o RTI elevou a previsão para 2,1% e a cada trimestre o BC ia alterando suas previsões: 2,3% em junho; 2,9% em setembro e agora de 3,2% para 3,5%. Para 2025, o PIB foi elevado de 2,0% para 2,1%
Erros grosseiros também ocorreram nas previsões da balança comercial: no primeiro semestre, as previsões ficaram em superávit de US$ 59 bilhões, após US$ 92 bilhões no ano anterior; no relatório de setembro, o saldo foi estimado em US$ 68 bilhões e agora caiu para US$ 65 bilhões. Para 2025, a previsão passou de US$ 64 bilhões para US$ 65 bilhões.