O OUTRO LADO DA MOEDA
Com Brasil fora de tarifas e IA, dólar cai 19% em 40 dias
Publicado em 27/01/2025 às 18:26
Alterado em 27/01/2025 às 18:27
No sexto dia de queda seguida desde a posse de Donald Trump, o fato de o Brasil não ser alvo preferencial de tarifas alfandegárias dos Estados Unidos nem estar na guerra da Inteligência Artificial entre os Estados Unidos e a China, alvo básico das medidas econômicas do governo Trump, e a manutenção do aperto da política monetária, com aumento de mais um ponto na taxa Selic na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) provocaram mais um dia de queda do dólar, que desceu abaixo de R$ 5,091, fechando a segunda-feira a R$ 5,0909, uma queda de 0,03%. Em uma semana, desde a posse de Trump, o dólar caiu 2,03% frente ao real. E, desde o pico de R$ 6,3144, em 17 de dezembro, a queda chega a 19,30
Um movimento especulativo do mercado – que no ano passado teve como alvos o iene japonês e o real – colocou sob forte pressão o peso mexicano, que terá impacto da taxação de 25% nas suas exportações para os EUA, a partir de fevereiro. O Canadá terá idêntica taxação, mas o dólar canadense resistiu a especulações, com alta de apenas 0,12% da moeda norte-americano, que saltou 2,23% contra o peso mexicano. Esse desmonte de posições ante o real está ajudando a derrubar rapidamente as cotações, ante o temor do manejo conjunto pelo Banco Central na alta de juros e de eventuais vendas de dólar no mercado. |resta saber como o desmonte das cotações vai repercutir no mercado financeiro e na economia.
Mercado segue vendo piora da economia
Apesar do refluxo das cotações do dólar, que podem ter impacto na formação de preços da economia, a última pesquisa Focus, encerrada pelo BC na última sexta-feira e divulgada hoje pela autoridade monetária, o mercado não aumentou a projeção para o câmbio em dezembro de 2025 e de 2026 (manteve os mesmo R$ 6,00 da semana passada), mas elevou as projeções de inflação para dezembro de 2025 (de R$ 5,08% para 5,50%, um estouro de um ponto sobre o teto da meta (3,00%+1,50% de tolerância=4,50%), sendo que as respostas dos últimos cinco dias – com o dólar ainda em alta, apontaram 5,64%; e para 2026 (a taxa do IPCA saltou de 4,10% para 4,22% e 4,26% nos últimos cinco dias úteis). Embora a taxa Selic fosse mantida em 15,00% para dezembro deste ano (15,13% na mediana dos últimos cinco dias úteis), a taxa aumentou de 12,25% para 12,50% ao ano para dezembro de 2026.
Um dos fatores de má vontade do mercado diz respeito às projeções do déficit fiscal. Definitivamente, o mercado não “comprou” a proposta do Arcabouço Fiscal. Para 2024 começou o ano prevendo déficit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida pública, que é o que pesa com a escalada da Selic e derruba o crescimento do PIB e das receitas, piorando os indicadores de dívida/PIB) de 0,8% a 1,0% do PIB, com rombo primário acima de R$ 100 bilhões – houve apostas de mais de R$ 150 bilhões, pelo comportamento do primeiro semestre. Na verdade, ao pagar os precatórios caloteados por Bolsonaro desde o fim de 2021, o governo injetou mais de R$ 150 bilhões na economia e expandiu os gastos; idem com o pagamento antecipado do 13º dos aposentados em maio e junho. Mas isso gerou demanda na economia, que cresceu mais, aumentando as receitas (isso com a inflação dentro da meta até agosto, com estouro, a partir de setembro pela disparada do dólar).
O ano vai terminar com déficit primário de menos de 0,2% - o Banco Central divulga os dados das contas pública consolidadas na próxima sexta-feira, 31 de janeiro e o Bradesco está projetando R$ 45,8 bilhões, ou 0,4% do PIB, mas considerando os gastos com o socorro ao Rio Grande do Sul (autorizados pelo Congresso a não serem computados no resultado primário). A verdade é que o mercado jamais acreditou que haveria sequer 20% de taxa de sucesso de cobranças judiciais da Receita Federal em negociações diretas ou nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). E a taxa de acerto das previsões do Ministério da Fazenda chegou quase a 75%. Para 2025 e 2026, as propostas de ajuste fiscal ainda não foram fechadas, mas o Itaú segue com má vontade.
O pessimismo do Itaú
Em relatório que denomina “um guia para os principais eventos e debates fiscais de 2025”, o Itaú reconheceu ser possível “o cumprimento do limite de despesas em 2025, com os riscos estando associados a evolução do número de beneficiários de programas sociais. No primário, esperamos uma deterioração do resultado total (i.e, sem abatimentos) na comparação com o ano passado, com o possível atingimento do limite inferior da meta, algo ainda não incorporado no nosso cenário base e mais uma vez dependente do sucesso da agenda de receitas”. Mas põe maior dúvida sobre as metas de 2026.
“Estimamos que a postura da política fiscal continuará expansionista, ainda que em grau marginalmente menor que 2024, com aceleração da concessão de crédito do BNDES compensando a desaceleração do impulso via transferências para as famílias. Não contemplamos mudança nas regras fiscais vigentes, mas acreditamos, por um lado, que esse é um risco importante a ser monitorado. Isso leva em conta o histórico de política fiscal do país na proximidade de eleições nacionais e o fato que o cumprimento do arcabouço fiscal em seu formato atual não é mais suficiente para gerar uma melhora da percepção de risco doméstica. Tal melhora só ocorrerá, na nossa visão, caso haja mudança na direção de uma trajetória mais equilibrada para a dívida pública”.
“Julgamos que o caminho mais adequado é o aperto dos parâmetros do arcabouço fiscal com a apresentação conjunta de novas medidas conjunturais (por meio de um contingenciamento relevante já em março) e estruturais de contenção de despesas, além da eliminação de manobras para contornar as regras fiscais. Não vemos o país em um regime de dominância fiscal, mas a deterioração da credibilidade de política fiscal juntamente com a piora da composição da dívida pública, se mantidos, podem reduzir os efeitos da política monetária e aumentar a probabilidade de cenários de estresse”.
Mesmo reconhecendo que o governo se saiu melhor que o esperado em 2024, o Itaú diz: “apesar do aumento nas receitas recorrentes (que deve permitir novamente que o limite de despesas cresça 2,5% em termos reais na elaboração do orçamento de 2026) e diante de novos abatimentos da meta de primário de 2025 (relacionados aos precatórios excedentes a 2022), não esperamos melhora no resultado primário efetivo esse ano, o que contribui para uma avaliação pessimista sobre a velocidade da convergência fiscal e dinâmica da dívida pública”. É esperar para ver.