BC e Fazenda falam a mesma língua!

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Tão importante quanto a mudança da Comunicação do governo Lula foi o alinhamento entre o Banco Central com o Ministério da Fazenda. Não apenas no governo Lula. Mas, de fato, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, a ação do Banco Central sob a direção de Roberto Campos Neto, e a condução da política econômica sob a gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia tomaram caminhos diversos. Com a inflação dos alimentos e dos combustíveis disparando e a impotência do BC para domar a alta do dólar e da inflação com a política de juros altos que derrubaria a economia (e as chances de reeleição de Jair Bolsonaro), Paulo Guedes deixou a ortodoxia monetária de lado e atuou diretamente nos preços críticos controlados pelo governo, cortando impostos federais e estaduais (ICMS) de combustíveis, à frente a gasolina, energia elétrica e comunicações.

A inflação desceu dos 12% para 5,79% em 2022, sem impedir o estouro do teto da meta (5,50%) nem a eleição de Lula. Daí em diante estabeleceu-se, de fato, uma separação de ações entre o BC de Campos Neto (que fez campanha aberta por Bolsonaro) e se valeu da independência do Banco Central do Brasil perante o Poder Executivo, desde fevereiro de 2021, para evitar trocar ideias com o ministro da Fazenda indicado por Lula, Fernando Haddad, na equipe de transição. Imaginando que o governo faria a imediata reindexação dos impostos em 1º de janeiro de 2023 (a redução valia até 31 de dezembro de 20220, o Banco Central se preparou para manter os juros altos na largada do governo Lula para evitar o repique da inflação.

Esse foi o primeiro descompasso. Mas não foi só. Assim como o mercado financeiro, o BC apostou em baixo crescimento da economia em 2023 (o que se repetiria em 2024). Os números projetados pelo mercado e pelo BC foram furados pela realidade. A supersafra de grãos derrubou a inflação dos alimentos em 2023 e deu espaço para o governo recompor aos poucos e em níveis inferiores a 30 de junho de 2022, os níveis dos tributos cortados por Paulo Guedes. A inflação de 2023 ficou em 4,62% (o teto era de 4,75%) e o PIB cresceu 3,5%, sem explosão dos níveis de endividamento.

Para 2024 foi pior. O Relatório Trimestral de Inflação do BC de setembro de 2023 previa apenas aumento de 1,8% no PIB do ano passado, que foi reduzido a 1,7% em dezembro. A cada trimestre, o RTI foi tendo de reajustar para cima suas estimativas de PIB e da balança comercial. O PIB deve crescer 3,6%, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, (o dobro da previsão original do RTI de setembro de 2023) e o estouro da inflação do ano passado (acima dos 4,50% do teto da meta – talvez 4,7%) deve-se a problemas climáticos no Brasil e no exterior (a seca na Ásia provocou alta de 34% no preço do café moído pela quebra da safra do Vietnã, 2º produtor mundial) e a alta do dólar, devido às ameaças de forte aumento das tarifas alfandegárias por Donald Trump, terminou por acirrar a inflação no segundo semestre. Fatores fora do alcance da política monetária.

A questão fiscal

Mas o afinamento de posições entre o novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, e Fernando Haddad, de quem foi o primeiro secretário-executivo da Fazenda, antes de assumir a diretoria de Política Monetária em junho de 2023, vai não apenas evitar ruídos (cada vez que os comunicados do Comitê de Política Monetária do BC falavam em desequilíbrios fiscais, ou desancoragem das expectativas, as desconfianças eram amplificadas pelos operadores que faziam aposta contra o dólar e contra o Tesouro.

A história já mostrou, no Brasil e nos Estados Unidos, que o descompasso entre políticas fiscais expansionistas e políticas monetárias contracionistas faz a economia capotar. O caso mais clássico nos EUA foi a gestão de Paul Volcker, no Federal Reserve Bank, que elevou os juros a 19%/20% ao ano na virada de 1979 para 1980 e levou à quebradeira dos países em desenvolvimento que tomaram empréstimos externos (a juros bem mais baixos – 7% a 8% ao ano – para ajustar seus balanços de pagamentos com projetos estruturantes, como o Brasil e México, por exemplo). No Brasil, ocorreu no segundo governo Dilma, quando a liberação dos preços críticos e do câmbio, contidos para a sua reeleição, em 2014, fez a inflação explodir e o país mergulhar em dois anos de recessão.

Com Campos Neto, o BC nunca teve boa vontade com o Arcabouço Fiscal e disseminou desconfianças quanto à capacidade do governo de equilibrar gastos com a arrecadação.

Mas o resultado de 2024, com déficit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida pública) de 0,1% do PIB (algo inferior ao limite inferior de 0,25% do PIB – R$ 28,8 bilhões e mão deve chegar a R$ 14 bilhões), conforme adiantou o ministro Haddad, em entrevista à Globonews (e como antecipamos aqui no JB na coluna “Coisas da Política” de domingo, mostra que a palavra da Fazenda e suas propostas devem ser levadas mais a sério pelo mercado, que previa déficits acima de 1%. Ainda em dezembro, o Itaú previa déficit de 0,4% do PIB.

A questão é lapidar: se o BC e o mercado preveem pequeno crescimento do PIB (que é o denominador na equação dívida/PIB), se os juros, que determinam o tamanho da dívida, sobem mais do que o crescimento do PIB, a relação piora. Mas dá-se o contrário quando o círculo virtuoso da economia gera crescimento, mais renda e mais emprego, gerando mais arrecadação.

E verdade que ainda falta o governo amarrar o pacote fiscal do fim do ano (na retomada dos trabalhos legislativos em fevereiro). Mas não houve, até aqui, a desidratação das propostas de ajustes de despesas X receitas feitas pelo governo. E nada impede de ajustes depois de março. A começar pela maior tributação sobre as rendas mensais acima de R$ 50 mil (incluindo dividendos e juros sobre o capital próprio e aluguéis e ganhos imobiliários).

Falta só a sociedade ser melhor esclarecida. A economia brasileira vai muito melhor do que a da Argentina, por exemplo, onde a fome avança.